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Às vezes, simplificar ajuda a conquistar os menos envolvidos e iniciados no tema. Por outro lado, às vezes novos termos atraem e ajudam a sintetizar idéias.
Há 50 anos, uma frase era publicada em ensaio no icônico The New York Times e se tornaria símbolo do capitalismo centrado nos acionistas. Por muito tempo, essa expressão ajudou a confundir os avanços no campo da sustentabilidade. Estou falando do economista americano Milton Friedman e de seu statement: “O negócio do negócio é o negócio”.
O ensaio “A responsabilidade social das empresas é aumentar seus lucros” pregava que as companhias deviam se concentrar em maximizar o retorno dos seus acionistas. E só. E é aí que está o problema. Maximizar o retorno dos acionistas é legítimo e o objetivo do Segundo Setor, que tem fins lucrativos. Tudo certo com isso. Mas desconsiderar os interesses dos demais públicos é absolutamente temerário. Penso que já aprendemos essa lição e não é de hoje que Friedman é visto como um homem cujo pensamento teve seu lugar e seu tempo.
Estamos agora num momento interessante do mundo onde o substantivo “capitalismo” está recebendo vários adjetivos. O Fórum Econômico Mundial de Davos consagrou o “Capitalismo de Stakeholder”. Existe o sério movimento do “Capitalismo Consciente”. Já ouvi também, com menor frequência, “Capitalismo Sustentável” e “Capitalismo Responsável”.
Em setembro do ano passado, o Financial Times lançou sua primeira campanha de marca desde a crise financeira de 2008. O tema era: “Capitalism. Time for a Reset”. O editor-chefe da publicação explicou a iniciativa: “O modelo capitalista liberal proporcionou paz, prosperidade e progresso tecnológico nos últimos 50 anos, reduzindo drasticamente a pobreza e elevando os padrões de vida em todo o mundo. Mas, desde a crise financeira global, o modelo ficou sob pressão, particularmente o foco em maximizar lucros e valor para os acionistas. Esses princípios de bons negócios são necessários, mas não suficientes. Está na hora de uma redefinição”.
O que me leva diretamente ao 51º Fórum Econômico Mundial, em 2021, cujo tema será “The Great Reset”. Com a palavra, Klaus Schwab, fundador e presidente executivo do Fórum:
“Temos que restaurar um sistema funcional de cooperação global inteligente estruturado para enfrentar os desafios dos próximos 50 anos. The Great Reset exigirá que integremos todos os stakeholders da sociedade global em uma comunidade de interesse, propósito e ação em comum. Precisamos de uma mudança de mentalidade, passando do pensamento de curto para o de longo prazo, passando do capitalismo de shareholder para a responsabilidade de stakeholder.”
Do que estão falando todos esses atores e movimentos? Na minha visão objetiva de jornalista, estão se referindo a um novo modelo de capitalismo que acrescenta à sua basilar esfera econômica os fatores ambientais e sociais. Simples assim. Claro que podemos sofisticar e incluir vertentes, abordagens e ângulos, mas entendo que, ao final, chegamos ao velho e bom triple bottom line de John Elkington. Em seu livro-referência, “Canibais com Garfo e Faca”, de 1994, ele cunhou essa expressão e a descreveu assim: “Triple Bottom Line é a expansão do modelo de negócios tradicional, que só considerava fatores econômicos na avaliação de uma empresa, para um novo modelo que passa a considerar a performance ambiental e social da companhia, além da financeira”.
Para mim, esta é uma ótima definição para esse novo capitalismo que está na pauta do dia e precisamos construir. Às vezes, simplificar ajuda a conquistar os menos envolvidos e iniciados no tema. Por outro lado, entendo também que às vezes novos termos atraem e ajudam a sintetizar ideias. Ou seja, como costumo dizer, não importa de onde venha a conscientização. Desde que aconteça.
Nessa estrada da sustentabilidade, que está absolutamente iluminada, e até congestionada, neste ano de 2020, sempre é bom e recomendável recorrermos a estruturas consagradas mundialmente. Evoco aqui os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, mais especificamente o ODS 8 – Trabalho Decente e Crescimento Econômico. Vejam que bela a definição deste “ODS Capitalista”: Objetivo 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho decente para todas e todos.
Este novo capitalismo também é marcado por outros modelos. Por exemplo, ambientes corporativos historicamente masculinos já tem hoje um pouco mais do colorido da diversidade. Minha carreira se deu predominantemente nos mercados financeiro e de capitais. O símbolo máximo de Wall Street é um touro bravo e ameaçador. Aos poucos, as mulheres foram mostrando que também pertencem a esses lugares, tem direito e competência para neles transitarem.
Uma pequena estátua de apenas 130 centímetros de altura e 110 quilos veio dar forma a essa verdade. A “Fearless Girl”, ou Menina sem Medo, surgiu em 2017, estrategicamente colocada em frente ao touro nova-iorquino para desafiá-lo, promovendo assim a diversidade de gênero no mundo corporativo. A iniciativa, mais do que bem sucedida, foi da State Street Global Advisor, divisão de investimentos da State Street Corporation. O objetivo original da estátua era comemorar um ano do Fundo Índice de Diversidade de Gênero. Foi além. Se tornou ícone.
Adoro esta estátua. Tenho réplicas dela em casa e encomendei um painel para ser meu fundo em lives, reuniões e webinars. Porque tudo comunica. Sempre que tenho a oportunidade de ir a Nova York, visito a menina e observo, sem medo. Na primeira vez, me marcou o fato de ver muitas pessoas se acotovelando para tirar fotos com o touro e a Fearless Girl ali, quase sem ninguém em volta. Não importa. As mudanças não ocorrem mesmo do dia para a noite. Mas acontecem. Vejam só: para comemorar os três anos da estátua, em março passado, por ocasião do Dia Internacional da Mulher, a State Street criou um “painel vivo” com flores formando o número 681, que é o número de companhias que acrescentaram mulheres aos seus conselhos desde que começaram a campanha da Fearless Girl.
E a menina segue ali, em frente à NYSE, no coração de Wall Street, de mãos na cintura e cabeça altiva mostrando que, sim, o novo capitalismo é também feminino. Aliás, como terminar este artigo sem lembrar do ODS 5: Igualdade de Gênero - Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas? Pensando bem... que bela dupla fazem o ODS 8 e o ODS 5, não é mesmo?
Nota: artigo publicado originalmente no Valor Investe em 06/10/2020.
Sonia Favaretto
é jornalista e trabalha há 22 anos com Sustentabilidade, Comunicação e Investimento Social. É Presidente do Conselho Consultivo da GRI Brasil, Vice-Presidente do Conselho Técnico-Consultivo do CDP, conselheira do Instituto Ekos Brasil e de empresas e SDG Pioneer pelo Pacto Global da ONU.
soniafavaretto@hotmail.com