Meu convívio por muitos anos com Ney Carvalho foi motivado pelo nosso interesse comum pelo desenvolvimento do mercado de capitais. No final dos anos 50, quando ingressei no mercado de capitais (1958), não éramos muitos os interessados na área e da importância da Bolsa de Valores como instrumento destinado ao desenvolvimento do mercado e elemento fundamental para dar liquidez ao investidor.
De uma família dedicada ao mercado, Ney, sempre na corretora da família, esteve constantemente ligado a Bolsa do Rio que na época era destacadamente a Bolsa de maior relevância do Brasil, rivalizando com a Bolsa de Buenos Aires.
Quando convidado por Mario Henrique Simonsen para assumir a presidência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e estruturá-la, decidi que necessitava de um colegiado para que representasse diferentes segmentos do mercado. Para os operadores de mercado minha escolha foi exatamente Ney Carvalho, que assim compôs com Jorge Hilário Gouvêa Vieira, Antônio Milão Rodrigues Lima e Geraldo Hess, o primeiro colegiado da CVM.
No entanto, depois de alguns meses após o início de nossos trabalhos (estávamos localizados no anexo do MAM, onde funcionava o IBMEC), Neyzinho enviou-me uma carta pedindo que o dispensasse. Com elegância deixou claro que não se sentia confortável em exercer o papel de polícia do mercado (A CVM era chamada de “xerife” do Mercado) e concluiu “cabrito não pode tomar conta da horta”. Saiu pela porta da frente e somente deixou amigos na CVM. Foi substituído por Emanuel Sotelino Schifferle que trazia conhecimento de sua experiência como banqueiro de investimentos e da corretora do Grupo Crefisul.
Mesmo fora da CVM nossos contatos nunca foram paralisados e, mais tarde, ele dedicou-se com grande afinco como historiador, com ênfase no mercado de capitais. E o fez com muita competência, sabendo explorar agentes do mercado que tiveram relevância numa visão retrospectiva., fornecendo aspectos de valor indiscutível para entendermos como se passaram alguns episódios marcantes na história do mercado.
Vale citar “O Encilhamento : Anatomia de uma bolha brasileira”, de 2004, editado pela Bovespa e pela Comissão Nacional de Bolsas. Como comenta na introdução: “O encilhamento foi o mais importante episódio na vida das Bolsas e do mercado livre do Brasil, e marcou os primeiros passos da República, nascido em 1989.
Nessa mesma linha, escreveu “A Bolha especulativa de 1971”, em que me convidou a fazer o prefácio. É leitura obrigatória aos interessados na história do mercado e, mais do que isso, retrata o Rio de uma época que, olhando retrospectivamente, nos trás muitas saudades. Estes e outros momentos das Bolsas estão reunidos no excelente “Três episódios marcantes das Bolsas”, editado em 2018. Menciono também seu excelente livro sobre Privatização.
Como admiro o turfe, faço referência também ao seu livro sobre o Jockey Club Brasileiro, com texto e apresentações excelentes do esporte dos Reis no Rio de Janeiro.
Com meu retorno a São Paulo, após a CVM, nossos contatos ficaram mais escassos, mas acompanhava seus artigos nos jornais e revistas. Num país que não valoriza sua história, Ney ocupou em espaço relevante e nos deixou um excelente legado. Sentiremos saudades!
Roberto Teixeira da Costa
é Economista e foi o primeiro presidente da CVM – Comissão de Valores Mobiliários.
teixeiradacostaroberto@gmail.com