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VOTO PLURAL É TENDÊNCIA INTERNACIONAL

Nos Estados Unidos, onde é comum o voto plural, empresas como Google, LinkedIn, Facebook e Snapchat adotam duas classes de ações, em que o voto dos fundadores vale até 150 vezes o dos novos investidores. A lógica deste modelo é baseada no princípio de que o acionista fundador possui competência diferenciada de gestão por ser o maior interessado e o mais comprometido com o sucesso de longo prazo da companhia.

Atualmente dispositivos como o §313.00 do NYSE Listed Company Manual, proíbem a emissão de nova classe de ações sob o regime de voto plural que venha a diminuir o poder de voto dos acionistas. Todavia, esse mesmo dispositivo permite que ações com poder de voto diferenciado possam ser emitidas (i) antes de um IPO; (ii) após a companhia ter realizado um IPO desde que tenham as mesmas características das ações com voto plural já emitidas; (iii) respeitando a composição pré-existente do capital votante de forma a preservar a mesma proporção entre ações com voto plural e as demais ações; e (iv) sob certas condições, em caso de aquisição da companhia.

Há ainda outros exemplos como os da França e Itália, cujas legislações, tradicionalmente, vedavam o voto plural, mas mudaram recentemente.

A legislação francesa, que em 1933 havia abolido o voto plural, voltou a aceitá-lo por meio da Lei Florange (Lei nº. 2014-384, de 29 de março de 2014) como reação à crescente perda de espaço das empresas francesas no mercado. Com a mudança legislativa, hoje é possível conferir o direito ao voto duplo (dois votos para cada ação) (i) ao acionista que mantiver seus papéis por, no mínimo, dois anos em uma companhia fechada e (ii) ao acionista que mantiver suas ações por ao menos quatro em uma companhia aberta, desde que haja previsão estatutária autorizando.

Na Itália, a mudança ocorreu em 2014 por meio do Decreto nº 91/2014 (convertido posteriormente na Lei nº 116/2014), permitindo também a inclusão de disposição estatutária assegurando o voto plural, contudo, de maneira mais ampla e detalhada. Para as companhias listadas, foi imposta a lógica das loyalty shares, na qual limita-se o número de votos por ação a dois, sendo tal benefício exclusivo para os acionistas com mais de dois anos de investimento na companhia. Caso haja transferência de ações a terceiros, a prerrogativa do voto plural é extinta. Para as companhias fechadas, possibilitou-se a emissão de ações com até três votos, com circulação livre, sem restrição quanto ao tempo durante o qual o acionista deve manter seu investimento na companhia para que usufrua do voto plural. No entanto, nos termos da lei italiana, a inserção dessa cláusula em companhias fechadas deve ser aprovada por mais de dois terços dos sócios, sendo ainda necessária oferta pública de ações aos demais acionistas, caso um acionista reúna mais de 30% do poder deliberativo.

Há outros países que tradicionalmente admitem ações com voto plural, como por exemplo, a Suécia, onde normalmente as ações de classe A carregam poder de voto referente a dez ações ordinárias de classe B – limite este imposto pela lei. A Finlândia, por sua vez, não impõe limite legal sobre as ações de voto plural, sendo até mesmo normal que ações de classe A carreguem poder de voto referente a 20 ações ordinárias de classe B.

Para entender o benefício do voto plural para a economia, cabe usar como exemplo uma startup ou uma companhia familiar que procura investidores para alavancar alguns de seus projetos. Os fundadores, contudo, não pretendem vender suas ações, uma vez que isso implicaria na perda do poder de controle.

Se o nosso ordenamento jurídico permitisse o voto plural, o qual possibilita dissociar o poder político do econômico, seria muito mais fácil para essas companhias receberem novos investimentos. Isso porque os investidores confiam no know-how e na expertise dos fundadores, estando interessados, na realidade, no lucro que o investimento poderá lhes render, e não em assumir o controle daquele negócio. Portanto, atribuir o voto plural a uma classe de ações é uma estratégia com elevado potencial de incentivar a listagem em bolsa.

Essa foi a estratégia empreendida pelas empresas brasileiras que buscaram listagem nas bolsas norte-americanas ao longo dos últimos três anos: XP, Stone, PagSeguro, Arco Educação, Nexa Resources e Afya Educação.

Recente reformulação da regulamentação de Brazilian Depositary Receipts - BDRs flexibilizou o conceito de emissor estrangeiro e deixou de exigir a existência da maioria dos ativos da companhia no exterior, voltando a prestigiar a localização da sede social e facilitando o acesso ao investidor local para as companhias listadas em bolsas internacionais.

As mudanças, em nossa visão, contribuem para a internacionalização do nosso mercado de forma a elevar a oferta de ativos para os investidores locais e eliminar uma barreira à listagem de empresas locais no mercado norte-americano, ampliando a necessidade de modernização da legislação societária brasileira.

A ABRASCA apoia a proposta de flexibilização da legislação societária, possibilitando a alavancagem de capital pela adoção do voto plural. Contudo, a proposta de aumentar a liberdade do empreendedor de definir a estrutura de capital da sua companhia no momento do IPO, conforme apresentada no âmbito do GT IMK – Iniciativa de Mercado de Capitais, coordenado pelo Ministério da Economia, prevê restrições importantes que podem acarretar seu fracasso.

As duas principais são a limitação de dez votos que a ação pode reunir e o tempo, limitado a dez anos, de validade deste direito atribuído à ação. Nos dois casos são restrições importantes que reduzirão a capacidade da jurisdição brasileira de atração de empreendedores.

São as companhias e seus investidores quem deve decidir o valor relativo entre as diversas classes de ações e por quanto tempo aquele empreendedor deveria deter maior poder de voto que os demais. Por mais ampla que seja a visão refletida em um projeto de lei, sempre teremos melhores respostas em termos de inovação, concorrência, competitividade e de formação de preços dos ativos no mercado, com suas relações voluntárias de troca e investimentos.

É esse o pleito das empresas modernas.

Nair Saldanha
é presidente da Cojur da Abrasca e sócia do Madrona Advogados.
Eduardo Lucano da Ponte
é presidente Executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca).
abrasca@abrasca.org.br


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