As empresas enfrentaram desafios sem precedentes em 2020, desde o surto da Covid-19 até a subsequente contração da economia global. Entretanto, em meio uma crise mundial que culminou com uma sequência de circuit breakers na B3 e com o Ibovespa atingindo a mínima do ano de 63 mil pontos, surgem oportunidades únicas no mercado de capitais brasileiro.
Muitas companhias abertas têm aproveitado o momento atípico não só para comunicar com transparência e confiabilidade seus desafios de curto prazo e para ratificar os fundamentos de longo prazo do negócio, mas também aproveitam o momento para reforçar a prontidão empresarial frente às preocupações socioambientais e às incertezas econômicas. Por outro lado, o consumo exponencial de tecnologias nas interações de mercado impulsionou a modernização da comunicação corporativa e da educação financeira no ambiente de negócios.
Sem dúvida, empresas listadas em bolsa com forte ativismo acionário tem potencializado também o aprimoramento contínuo de suas práticas, direcionando a atenção da Alta Administração para oportunidades de crescimento acelerado, perseguindo melhorias constantes em seus resultados financeiros e operacionais, devolvendo capital aos investidores e aprimorando o grau de relato ESG.
Dessa forma, desde o início da pandemia de Covid-19, os altos executivos enfrentam uma série de decisões difíceis. Consideremos, por exemplo, a questão do pagamento de dividendos: normalmente, a decisão seria uma questão relativamente simples de aplicar uma política de dividendos declarada, seguindo a prática anterior ou escolhendo um valor com base nas expectativas dos acionistas e nos ganhos da empresa para o período.
Mas, neste ano, o novo coronavírus, ao dizimar a economia global e aprofundar a desigualdade social, tornou complexas e sensíveis diversas discussões inclusive sobre dividendos, seus efeitos reputacionais e de sinalização de manter versus suspender ou reduzir a distribuição de dividendo; as expectativas e dependência dos acionistas perante à receita de dividendos; a posição de caixa da empresa e seu respectivo plano estratégico; e o que seria prudente em face da incerteza extrema.
O objetivo principal da área de Relações com Investidores, por sua vez, tem sido encontrar um equilíbrio entre fornecer uma avaliação clara e objetiva do impacto macro e microambiental no curto prazo, bem como transmitir confiança e resiliência no longo prazo e fornecer esclarecimentos tempestivos sobre questões que preocupam investidores e analistas de mercado. Por meio de m alto nível de engajamento e de comunicação multicanal, o RI fortalece a credibilidade com a comunidade de investimentos e ratifica os compromissos da Alta Administração, seja no rigor ao dever de diligência, seja em priorizar e maximizar os interesses dos acionistas.
Por outro lado, com o crescimento exponencial de acionistas pessoa física no capital social das companhias brasileiras, totalizando até outubro de 2020 em torno de 3,2 milhões de CPFs e R$ 381 bilhões investidos segundo a B3, os formuladores de políticas públicas e os principais atores do mercado de capitais adotaram também a educação financeira como um antídoto necessário para a complexidade crescente das decisões econômicas dos investidores, que almejam prosperidade e uma relação saudável com o dinheiro.
Educar financeiramente no mercado de capitais é ensinar o investidor a ter escolhas inteligentes na busca de um futuro próspero e seguro. Da mesma forma, é papel da educação financeira: (i) incentivar o consumo consciente, controlando o desperdício e as compulsões; (ii) prevenir fraudes ou golpes; (iii) prover um entendimento claro acerca do cenário financeiro e econômico; e (iv) promover uma relação saudável e transparente com o dinheiro, evitando autossabotagens.
Por outro lado, vale ressaltar que transparência do relato empresarial não é sinônimo de fragilidade ou de potencial exposição dos riscos corporativos, e sim de gestão de risco sensata e de governança madura. Quando a comunicação é realizada de modo eficaz, pode demonstrar, de fato, o domínio da Alta Administração sobre a situação empresarial, sua forte capacidade de liderança frente circunstâncias desafiadoras e de pronta resposta a preocupações e dúvidas legítimas stakeholders, interessados na capacidade de criação de valor sustentável de longo prazo das companhias, conforme se observa nesse momento de retomada da atividade econômica e de geração de empregos.
No mercado financeiro, a recuperação no desempenho do índice Ibovespa foi impulsionada, no contexto global, pelos estímulos monetários e fiscais adotados por diversos países e também pelas perspectivas de desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19; e, no cenário nacional, se relaciona à gradativa redução dos custos de transação e ao aprimoramento das regras de negociação, que alteram a formação de expectativas dos investidores, eliminam ruídos no processo de formação de preços, estimulam as negociações de ativos e ampliam a liquidez de mercado.
Sem dúvida, esse momento completamente atípico também proporcionou mudanças estruturais nos processos corporativos, como: incremento de eventos institucionais realizados na modalidade virtual; tendência de convocação de assembleias digitais ou pelo menos híbridas em temporadas futuras; maior consumo de tecnologias para o atendimento e a divulgação de informações ao mercado; verdadeira avalanche de relato ESG, impulsionada por analistas e investidores socialmente conscientes, assim como maior utilização de redes sociais para comunicação do RI com a sociedade em geral.
Em face do grande reset no mercado financeiro em 2020, a área de RI deve ter processos inteligentes, orientados por dados confiáveis e executados por talentos sempre atentos a mais efetiva “pesquisa de satisfação” do mercado de capitais: a cotação da ação da sua companhia!
Andre Vasconcellos
é diretor adjunto-RJ do IBRI e especialista em direito societário e mercado de capitais.
andre.vasconcellos@eletrobras.com