Retomada do crescimento econômico, novo recorde de IPOs, manutenção da taxa de juros em patamar historicamente baixo, chegada de mais investidores na Bolsa. Estas são algumas tendências que marcam as perspectivas para o mercado de capitais em 2021. É esperado ainda que mais iniciativas voltadas para a educação financeira aconteçam, qualificando os novos entrantes e as práticas ESG se consolidem como algo comum entre as empresas, ao invés de um diferencial para aquelas que levam a sigla a sério.
Pela primeira vez na história recente da economia brasileira, durante uma crise econômica, o Banco Central do Brasil foi na mesma direção do mercado externo: ao invés de subir a taxa de juros para atrair capital estrangeiro e controlar a desvalorização da moeda, cortou a Selic reunião após reunião. Hoje a taxa se encontra no menor patamar da história (2%) e a consequência positiva foi sentida imediatamente: o mercado de capitais passou a cumprir seu papel de financiador de longo prazo das empresas brasileiras.
“Por diversas vezes falávamos: agora o CDI vai ficar baixo. E aí voltava. Esta foi a primeira crise que a gente passou que o Banco Central baixou os juros para fomentar a atividade. Nas outras, a medida era dar um salto nos juros para cima. Agora nos comportamos como primeiro mundo. Então, tudo indica que esses juros atuais são estruturais e isso mudou a cabeça do investidor”, avalia o gestor da Vitreo Rodrigo Knudsen.
Por quanto tempo este cenário vai se manter ainda é uma incógnita, mas não é esperado nenhum sobressalto dos juros para cima de forma a mudar a conjuntura atual e provocar uma nova migração dos investidores para a renda fixa. “A situação do Brasil é um pouco particular. Quando me perguntam quanto tempo esses juros baixos duram, eu digo: não sei, mas no Japão começou em 1990 e dura até agora. Então, é complicado saber quanto tempo permanece essa conjuntura de juros baixos. No Brasil, a situação não é a mesma dos EUA, da Zona do Euro, ou do Japão. Nós temos uma taxa de poupança muito reduzida, a situação fiscal é complicada e há uma certa incapacidade do governo de propor soluções para melhorar a situação fiscal, afirma o economista José Alexandre Scheinkman.
Para ele, o mercado de capitais como fonte de transformar poupança privada em investimento funciona razoavelmente bem no Brasil, mas há dois problemas. Primeiro, o governo absorve parte desta poupança para financiar o seu déficit, valor que fica indisponível ao mercado de capitais. Segundo é que o Brasil está obtendo uma reputação muito ruim junto aos investidores internacionais.
“Este é um fenômeno relativamente novo e o governo tem uma responsabilidade muito grande, pois não parece entender como funciona este mercado de grandes investimentos do resto do mundo. A maior parte do dinheiro pertence a fundações e diversos pools em que o investidor final é um agente e não um autônomo do dinheiro”, explica.
Por esse motivo, quando um fundo de pensão de bilhões de dólares quer tomar uma decisão de investimento, é preciso considerar o que as pessoas proprietárias deste fundo pensam sobre o Brasil. “Não é uma decisão do presidente dos EUA, ou do governador onde está este fundo e nem do próprio gestor sozinho. É preciso ver a reputação do país porque as pessoas que detém o dinheiro acabam mandando o gestor embora. É diferente do Brasil onde os gestores dos fundos de pensão tomam as suas próprias decisões”, explica Scheinkman. Assim, enquanto o Brasil não mudar sua postura e continuar permitindo o que está acontecendo com a Amazônia, por exemplo, pagará o preço.
“Por enquanto o Brasil vai depender de recursos internos. Vai haver inversão externa, mas para ter um fluxo importante para financiar a economia e projetos, vamos precisar mudar a atitude do governo. Precisamos também melhorar a segurança jurídica do Brasil e a questão dos impostos. Isso requer reforma. Há muita coisa para fazer”, alerta Scheinkman.
A restrição dos investimentos externos para o Brasil e o elevado déficit fiscal, podem até impactar a taxa de juros pela maneira como os mercados funcionam, mas não há previsão de mudança relevante no patamar dos juros no próximo ano. Aparentemente, os juros de um dígito vieram para ficar e isso mudou o comportamento dos investidores.
Antes acostumados a receber rentabilidade de dois dígitos sem fazer esforços, os brasileiros passaram a buscar a diversificação. Assim, a bolsa registrou uma enxurrada de novos CPFs e hoje conta com mais de 3 milhões de pessoas físicas. No acumulado do ano até outubro, o número de cadastrados cresceu 82,4%. O perfil também mudou. A maioria dos ingressantes é da faixa etária mais jovem. Do total, 33,7% possuem entre 26 e 35 anos. No início do ano passado, prevalecia a faixa entre 36 e 45 anos, 27,5%.
Junto com esse movimento, dois outros ocorreram concomitantemente: o aumento das inciativas de educação financeira e a disseminação do mercado através do uso das mídias sociais, além do crescimento do número de empresas que optaram por captar recursos via equity. “Apesar de acreditar que a queda de juros seja um grande motivo para o aumento de pessoas físicas na Bolsa, não acho que seja o único fator. O crescimento de plataformas digitais, que facilitam a escolha de investimentos, deve ser levado em conta, juntamente com a educação financeira, mais o infinito conteúdo educacional na internet e o maior número de ferramentas e bancos digitais que auxiliam os usuários na tomada de decisão”, avalia Gustavo Carrijo, novo superintendente de RI do Banco Pine.
Educação Financeira
Um dos grandes desafios do mercado é preparar os novos entrantes a entenderem como funciona a renda variável. Neste sentido, crescem as iniciativas de educação financeira. Esta é uma das bandeiras levantadas pela XP Investimentos. “O maior investimento brasileiro ainda é a poupança que soma R$ 1 trilhão. Mas, a poupança hoje rende negativamente em relação a inflação. As pessoas estão começando a entender que o Brasil mudou e que esse cenário de juros a 2% requer mais tomada de risco. Não é igual a 10 anos atrás em que a taxa de juros era de 14%.”, afirma Izabella Mattar, head de educação da XP.
A migração de capital demanda mais conhecimento dos investidores. “É interessante para nós termos a educação como um pilar do sistema financeiro para ajudar essas pessoas a tomarem as melhores decisões e o Brasil a prosperar como um todo. Queremos que o cliente tenha rendimentos positivos para que se sinta cada vez mais encorajado a colocar mais dinheiro e não o contrário. Se o cliente entra despreparado, ele perde dinheiro e vai ficar com medo de colocar mais capital no risco. A gente quer que as pessoas venham cada vez mais. A educação é um pilar do ecossistema muito relevante”, resume.
Em 2020, a XP lançou a Xpeed School, uma empresa independente e 100% voltada à educação financeira. A empresa nasceu com cinco escolas, mais de 100 professores e 195 mil alunos impactados. Há a escola de educação financeira, de investimentos, de trade, de empreendedorismo, além do Xpeed Pro, que oferece cursos de pós-graduação. “Temos inúmeros cursos, inclusive gratuitos para oferecer ao potencial cliente uma completa noção do mercado de investimentos de forma geral, além de todos os influencers que estão ligados à XP. Temos uma série de vozes no mercado, o que ajuda muito”, diz Carlos Lazar, diretor de RI da XP.
O gestor da Vitreo Rodrigo Knudsen, explica que o aumento das iniciativas de educação financeira foi causado pela conjuntura de juros estruturais baixos e pela própria busca de autonomia por parte do investidor. “As pessoas começaram a se mexer, a sair da poupança e as plataformas de investimentos atraíram os clientes que estavam buscando por mais retorno e, por consequência, correndo mais risco”, conta.
Inicialmente, o movimento de migração para a renda variável ocorreu de forma desordenada e à mercê de interesses, pois muitos agentes eram comissionados e nem sempre indicavam a melhor opção ao investidor. Agora com as redes sociais e com o público mais jovem ingressando na bolsa, a tendência é que o agente autônomo seja retirado do caminho e as pessoas busquem informação para investir por conta própria. “É o que chamamos de “Indústria 3.0”. A nova geração tem interesse em conteúdo. Tudo isso vai levar para uma educação financeira de forma que a pessoa vá buscar aprender a investir sozinha. O desejo é por produtos baratos, de fácil acesso e entendimento. Esta é a principal tendência de 2021”, defende Knudsen.
Ele lembra que todas as casas estão se mexendo para prover educação. “É mostrar o risco do produto e que este possa ser comparado. Com o tempo, as pessoas vão entender. A pandemia já foi um grande aprendizado. Quem esperou praticamente já recuperou tudo”, ressalta.
Segundo o presidente da B3, Gilson Finkelsztain, o comportamento do investidor durante a pandemia mostrou que o público está cada vez mais informado sobre os meandros do mercado acionário. “O investidor pessoa física este ano deu show, calou a boca de muita gente que achava que na primeira crise ele iria colocar a viola no saco e ir para casa”, declarou em live promovida pela Empíricus e a Vitreo. De acordo com o executivo, a grande contribuição da crise é que as pessoas passaram a dedicar tempo e serem protagonistas em seus investimentos. “O que para nós aconteceria em dois, três anos, aconteceu em quatro meses, catalisado pela crise”.
Mesmo diante desta postura, o acesso a conteúdos sobre educação financeira ainda é um problema no Brasil. Dados do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) que realizou um levantamento, realizado com 975 consumidores, destacam que 41% dos entrevistados nunca receberam informações sobre o tema por meio dos canais dos bancos, embora tenham ciência que as instituições possuem canais sobre educação nos sites e nos aplicativos. No ano passado, o BC emitiu o comunicado nº 34.201, o qual recomenda que as instituições autorizadas assumam mais responsabilidade na distribuição de materiais sobre educação financeira para os clientes. Não há obrigatoriedade.
De cemitério a roupas usadas
Junto com o crescimento das pessoas físicas, o ano de 2020 também foi marcado pela onda de IPOs. Apesar da pandemia, até novembro, 25 empresas ofertaram suas ações, movimentando R$ 31,7 bilhões. Esses números só ficam atrás do recorde de 2007, que registrou 64 IPOs, com captação de R$ 55 bilhões. Somente nos meses de outubro e novembro, 19 empresas protocolaram seus pedidos na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). No total, 32 companhias aguardam na fila para terem suas ações negociadas na B3, mas o número de intenções é muito maior.
Para se ter uma ideia, a MZ Group, maior consultoria brasileira para a área de RI já assinou contratos de intenção com 110 empresas que desejam fazer IPO, com horizonte de listagem até meados de 2021. “No nosso lado da MZ, nós costumamos participar entre 90% e 95% dos IPOs realizados. Com certeza nem todos vão para frente porque tem muita a questão do modelo de negócios e da estratégia de investimentos da empresa, mas a gente está vendo muito case novo. Desde 2007, quando tivemos o recorde de IPOs, nunca vimos o mercado tão otimista”, afirma PH Zabisky, CEO da MZ Group.
Segundo o executivo, há muitos cases de tecnologia entrando e de empresas que demonstraram uma resiliência neste momento de pandemia em que era preciso ser rápido em se adaptar. “As empresas que fizeram um bom trabalho durante este ano devem ser vistas com carinho pelo investidor”, diz.
Chama a atenção a diversidade de setores que passaram a fazer parte do radar dos analistas de mercado. Ao mesmo tempo, empresas com pouca visibilidade passaram a ser conhecidas pelos investidores de todo o Brasil por terem uma boa história para contar. Neste movimento, destaca-se a rede de supermercados Matheus, quarto maior atacarejo do País, mas que tem atuação local: são 137 lojas no Maranhão, Pará e Piauí.
Outro case foi o da Enjoei.com. A empresa nasceu como um blog em 2009, que vendidas roupas usadas, mas o marketplace conseguiu movimentar R$ 1,13 bilhão em sua oferta inicial de ações, com um valor de mercado de R$ 2 bilhões. Também com receita baixa e de um segmento inusitado, o Grupo Cortel, empresa de cemitérios e serviços funerários, fundado há 57 anos, protocolou seu pedido junto à CVM.
“O mercado está encontrando cases diferentes. Há os tradicionais de empresas sólidas, mas há aquelas que tem receitas menores e que, apesar disso, estão conseguindo acessar a B3. Há a parte de tecnologia que antes tinha uma tendência de buscar as bolsas estrangeiras e agora fazendo listagem aqui e lá fora”, diz Zabisky.
Otimista com o futuro do mercado de capitais, o CEO da MZ, acredita que o cenário daqui para frente será muito diferente do passado. “Teremos um Brasil diferente, em que empresas não tão grandes vão conseguir ter acesso ao mercado de capitais. Isso significa mais governança e capital para crescimento. Também faz com que o mercado de private equity e venture capital cresça muito porque estes fundos acabam vendo possibilidade de saída. É um momento muito bom”, comemora.
Para ele, se o Brasil fizer a lição de casa, tem tudo para registrar uma média de 100 IPOs por ano. “A gente tem um potencial de abertura de capital enorme no Brasil. Quebramos um paradigma muito importante: você não precisa ser uma empresa na casa “bi” de receita para acessar o mercado. Isso abre um horizonte novo para o país. Em ofertas de valores menores, o varejo consegue absorver grande parte”, observa Zabisky.
Para Bruno Brasil, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI) e RI & Controller da Itaúsa, o cenário para 2021 ainda é de muita volatilidade do mercado, mas a expectativa é de que ocorram algumas dezenas de IPOs no primeiro semestre. “Felizmente tem vindo um pouco de tudo, de petshop a startups. Não vejo restrição a setores, mas sim o mercado tentando entender cada negócio. Então, o papel do RI neste processo de IPOs, se torna ainda mais importante”, observa.
ESG é o novo normal
As novas ingressantes vão se deparar com um mercado muito mais exigente, em que o segmento máximo de governança corporativa, o Novo Mercado, deixou de ser algo especial para ser praxe entre as companhias mais recentemente listadas. “Se você for pensar na lista de prioridades do RI, o ESG saltou umas tantas posições nos últimos meses. Esta posição, no mínimo, se mantém em 2021 e vamos ver o engajamento acontecendo”, destaca Bruno Brasil.
Quando o Novo Mercado foi criado, lá no início dos anos 2000, havia muitos céticos que acreditavam que as regras eram duras demais e, por este motivo, afugentariam as empresas que pretendiam abrir capital. Foi exatamente o contrário que aconteceu. O segmento se consolidou como o mínimo de governança que a empresa precisa oferecer a seus investidores.
Mas os investidores de agora ainda não estão plenamente satisfeitos e não se contentam com as regras do Novo Mercado. Pelo contrário, exigem bem mais e é aí que a sigla ESG, ou ASG, entra em cena como uma tendência que veio para ficar. A pandemia apenas acelerou o processo e a importância das práticas sustentáveis nos campos do ambiental, social e da governança.
“Depois da Covid, esta foi a agenda que mais ganhou destaque no mercado esse ano. A sigla ESG se tornou latente e as empresas vem tentando fazer uma evolução com afinco, mas é preciso ter cuidado para entender o que é um ESG de verdade e o que é um ESG de marketing”, afirma Lazar. A tendência ficou clara em meio ao boicote de clientes e investidores em casos amplamente divulgados na mídia.
“Isso é inevitável dentro das perspectivas do Novo Mercado. Os investidores vão procurar as empresas ESG da mesma maneira que no início dos anos 2000, quando a Bovespa lançou o Novo Mercado. Isso virou tão importante que todos os novos IPOs saem no Novo Mercado e poucas companhias mantém as PNs, só as mais antigas ou aquelas por restrição regulatória. Eu acredito que o modelo ESG vai ser um selo para as ações, assim como foi o Novo Mercado”, defende Knudsen, da Vitreo.
Desde sua criação, o Novo mercado virou mainstream e com o ESG deve acontecer a mesma coisa, mas não no curto prazo. “Isso ocorrerá mais para frente. O ano de 2021 vai ser um preparatório até porque não se sabe o que as empresas têm que fazer para ter o selo ESG. Já tem muita gente olhando para isso e ainda não existe um consenso. O Novo mercado tem regras claras. Já o ESG não tem regras e não há nenhum legislador pronto para elaborar as regras”, explica.
Para Knudsen, este é um caminho sem volta. “O passado foi marcado por empresas falando que eram por fora, mas por dentro nada tinha mudado. Quais práticas vão ser exigidas no tema social, ambiental. O que é suficiente? Quais são as práticas reais que as empresas precisarão fazer para se considerar ESG? Isso vai ser definido pelo mercado. As empresas entenderam que só falar bonito não funciona mais até porque logo são rebatidas. Ainda há muito a ser feito porque muito foi falado. As empresas não se transformaram de fato, o que deve acontecer em 2021”, projeta.
O World Economic Forum divulgou há alguns meses um framework para elaboração e divulgação de informações relacionadas a ESG, o que representa importante avanço nessa temática. Mais recententemente, o International Integrated Reporting Council (IIRC) e o Sustainability Accounting Standards Board (SASB) anunciaram a intenção de se fundir em uma organização unificada, a Value Reporting Foundation, fornecendo aos investidores e empresas uma estrutura abrangente de relatórios corporativos em toda a gama de valor empresarial drivers e padrões para impulsionar o desempenho de sustentabilidade global.
A XP tem feito um trabalho de educação, tanto dos gestores como dos agentes autônomos, para preparar o mercado a fazer análises baseadas nos princípios ESG. “É uma educação voltada para como avaliar uma empresa ESG e quais indicadores fazem sentido você considerar, o que depende do perfil da empresa. Colocamos em prática um ciclo de reuniões e apresentações junto ao mercado. Também alimentamos o ciclo ESG junto a startups. Queremos colocar a sigla em evidência e tudo o que ela fomenta”, afirma Lazar.
A XP firmou recentemente uma parceria com a gestora europeia Nordea para ofertar ao mercado um programa de treinamento digital sobre as práticas ESG, chamado de Universidade XP (U-XP). A companhia estima potencial de impacto na disseminação de conhecimento sobre ESG para mais de 500 mil investidores.
O assunto está muito novo e como tudo que está acontecendo, muito rápido. As empresas sabem que os investidores vão procurar por isso assim como os próprios consumidores que fazem os boicotes. O cenário exige mudanças, mas ainda está no começo. Pesquisa de uma consultoria internacional revelou que o número de investidores que fazem uso de métricas não-financeiras em suas decisões aumentou de 27% para 43% entre 2016 e 2020, tornando os relatórios ESG uma preocupação cada vez mais vital. Apenas 9% dos investidores não usaram o desempenho não-financeiro como parte de sua tomada de decisão, enquanto apenas 2% dos investidores não vêem a necessidade de uma estrutura formal para medir e comunicar o valor intangível.
“É notável que as empresas que têm uma classificação ou práticas ruins de ESG estão tendo uma vida mais difícil e acabam tendo de arcar com mais custos. Mas vale ressaltar que não é necessário abrir mão de rentabilidade para investir segundo os parâmetros ESG, pois você tem que procurar empresas que vão dar um retorno acima da média e que ainda tenham uma boa classificação ESG, afinal não existe mais a opção de escolher entre ganhos e fazer o certo”, ressalta Gustavo Carrijo.
Ele também vê como um dos maiores desafios para o mercado a definição de termos como: “verde” e “sustentável”. “Ainda não há um padrão internacional único e uniformemente implementado, embora diversas organizações se dediquem ao tema. O principal risco é o “greenwashing” (lavagem verde), isto é, que empresas e produtos sejam apresentados como sustentáveis apenas para fins de marketing”, diz.
Para Carrijo, nos últimos anos têm sido gritante o descasamento entre o discurso de sustentabilidade declarado pelas instituições financeiras e suas ações para implementar uma Política de Responsabilidade Social e Ambiental (PRSA). Entre as principais barreiras à implementação da PRSA, destacam-se o custo, a complexidade da análise ESG e a falta de capacitação dos colaboradores.
Não há como negar que o Investimento Sustentável virou formalmente o “novo normal”. Uma pesquisa recente mostrou que metade dos investidores individuais dos EUA são adeptos ao tema, e 80% das assets estão integrando variáveis de sustentabilidade em seu processo de investimento. Os fatores que impulsionam a adoção incluem uma crença crescente de que apoiar empresas com fortes práticas de sustentabilidade pode ser um investimento de longo prazo melhor do que os fundos tradicionais.
“Para mim, em 2020 ficou mais claro ainda que não adianta a empresa ter uma boa nota ESG e ter um negócio ruim. Se o business for bom, provavelmente a nota ESG também será boa, porque a empresa vai ter uma relação saudável com todos os stakeholders. Como profissional de RI de um banco, vejo o setor financeiro com um papel essencial na mobilização e alocação do capital necessário para gerar cada vez mais valor”, complementa Carrijo.
Em 2020, motivado pelas várias discussões no mercado relacionadas ao tema ESG, o Pine acelerou o debate de pautas internas que englobam temas relacionados à sustentabilidade por meio da criação da Comissão ESG e revisão da PRSA. Estas questões já eram consideradas no planejamento estratégico, no entanto, o banco está buscando aprofundar a compreensão dos impactos desse tema, uma vez que o considera essencial para a perenidade de seus negócios.
No caso da Minerva Foods, por liderar a exportação de carne bovina na América do Sul e exportar os produtos para mais de 100 países, há a preocupação em atender aos mais exigentes padrões de operação com o menor impacto ao meio ambiente, com suporte às comunidades onde atua, além de adotar as melhores práticas de transparência e governança corporativa, histórico esse que proporcionou a possibilidade de ser a única empresa do setor na América Latina atualmente financiada pela IFC, do grupo Banco Mundial.
“Sob a ótica de negócios, o ESG em nossa indústria representa oportunidades, abertura de novos mercados, capacidade de acessar novos clientes e de posicionar com destaque, especialmente no exigente mercado internacional, a Minerva e nossos produtos”, afirma Danilo Cabrera, head de Relações com Investidores da Minerva Foods. Ele defende que o processo educativo na pauta de ESG se tornou tão importante quanto a discussão da tese de investimento, da estratégia e dos números da companhia.
Modelo virtual
Outra tendência que veio junto à pandemia e ganha tração é a mudança na forma de comunicação com os investidores, em que cresce a presença do digital. “Estar frente a frente com o investidor, sempre vai ser muito valioso e fundamental, contudo, a interação via reuniões virtuais, vídeo conferências etc. também se provaram bastante efetivas. Alguns investidores se aproveitaram do momento e se aproximaram ainda mais das companhias. A facilidade e a flexibilidade de reuniões via vídeo estreitaram laços e aumentou a frequência dos contatos, creio que esse modelo de discussão virtual vai ser um vetor bastante relevante dentro da atuação da área de RI”, observa Cabrera.
Ele recorda que o crescimento das pessoas físicas no mercado, demanda novas formas de comunicação e interação – incluindo o uso frequente de meios digitais, como lives, webinars, podcasts, redes sociais. “Nós na Minerva Foods desenvolvemos uma série de iniciativas para aproximar a companhia desse perfil de investidor, em particular via abordagem educativa, procurando disponibilizar informações e esclarecer dúvidas tanto sobre a Minerva como sobre o mercado em si”, ressalta.
Bruno Brasil lembra ainda que a comunicação mudou bastante. “A comunicação externa ganha peso e ficou mais complexa com a chegada dos novos investidores e uma diversificação tanto de público quanto de temas. Vejo como uma tendência a aproximação do RI com a comunicação corporativa. Haverá uma unificação de canais, o que leva a ganhos de comunicação”, diz. A segunda tendência é repensar o uso das ferramentas tradicionais. “É se questionar ao quanto são eficazes. Não tem mais material distinto para pessoa físicas e institucionais”, observa.
Macroeconomia
Projeções dos economistas, indicam que o cenário para 2021 é de manutenção dos juros baixos com retomada da economia. Segundo dados do Monitor do PIB-FGV, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o PIB caiu 4,4% nos nove primeiros meses do ano em comparação com o mesmo período de 2019. O IBGE ainda não divulgou os dados.
A estimativa para o ano de 2020 é de queda de 4,5%, segundo o relatório Focus do Banco Central. No sistema de expectativas do BC, a média da projeção da queda do PIB esperada para este ano chegou a 6,5% em junho e passou por um processo constante de revisões.
“A atividade econômica continua em processo de recuperação. Aumentamos nossas projeções de crescimento do PIB de -4,5% para -4,1% este ano e de 3,5% para 4,0% em 2021”, afirma a equipe econômica do Itaú em relatório publicado em novembro de 2020. Para 2021, a projeção é de alta de 4,0%. A visão é de que o consumo de serviços, que ainda vive recuperação lenta, deva ganhar tração à medida que a epidemia desacelera e o isolamento social recua. Já a projeção da XP Investimentos para o PIB é de queda de 4,6% este ano e alta de 3,4% em 2021.
Mas algumas incertezas ainda pairam. A principal é se ocorrerá uma segunda onda da Covid-19 que levará a novas quarentenas. Na Europa e EUA, o preço do novo confinamento já tem sido sentido. No Brasil, a situação parece estar sob controle. “Uma primeira onda mais prolongada, a sazonalidade favorável − com temperaturas mais elevadas no Hemisfério Sul − e avanços em testes para uma vacinação ao longo do primeiro trimestre de 2021 diminuem o risco de uma segunda onda do vírus no curtíssimo prazo”, afirmam os economistas do Itaú.
Scheinkman acrescenta que no Brasil não se sabe se vai haver uma segunda onda ou se a primeira onda continua. A pandemia ainda vai ser um problema para o país. “Há uma total incapacidade do governo de gerir uma política de saúde”, acrescenta.
Outro fator de preocupação é a situação fiscal do país. O elevado déficit pode, inclusive, pressionar a taxa de juros, que deve subir em 2021. Mesmo assim, a Selic ainda ficará bem abaixo dos dois dígitos, reforçando o fluxo de recursos para a renda variável.
A projeção do boletim Focus é de que a taxa encerre 2020 em 2% e suba para 3% em 2021. Já os economistas do Itaú também prevêem que nada muda até o fim do ano. “Esperamos que a taxa básica de juros permaneça inalterada em 2,0% até perto do fim de 2021, quando seria elevada para 3,0% – mas o risco, na ausência de uma solução satisfatória para o dilema fiscal do Brasil, é de uma alta antecipada”, afirmam os economistas do Itaú.
Ao mesmo tempo, a Selic baixa reduz o custo dos juros com a dívida, conforme lembra a Carta Conjuntura do IPEA de 19 de novembro. “O contexto de taxas de juros baixas atenua o impacto sobre a conta de juros da dívida no curto prazo”. De fato, a crise ensejou redução nas taxas de juros e a despesa com juros da dívida pública deve cair, em relação ao cenário pré-pandemia, 0,91% do PIB na média de 2020 a 2022, com base nas projeções de resultado primário e nominal do Focus/BCB.
Em 2021, a incerteza em relação ao cumprimento do teto de gastos deve permanecer até março, quando é esperado que o Orçamento do ano seja aprovado. “Até lá, esperamos que o teto de gastos seja respeitado. Em particular, o primeiro trimestre do ano deve contar com uma redução do auxílio emergencial. O novo montante deve permitir uma transferência de R$ 250 para cerca de 22 milhões de famílias, ao custo mensal adicional ao Bolsa Família de R$ 2,7 bilhões”, complementa o relatório do Itaú.