Não tem sido fácil, aqui e no exterior, fazer previsões. O ano de 2020 foi pródigo em acontecimentos que terão consequências em nosso futuro, e ainda de difícil avaliação. As mudanças de comportamento já estão acontecendo, e continuarão na mesma trilha nos meses e anos seguintes. O mundo mudou, e ainda não está claro o que nos reserva o futuro.
Quando escrevi para a Revista RI, meses atrás, animava-me uma visão que o mundo poderia mudar para melhor (eu sempre prefiro errar sendo positivo e otimista).
Infelizmente, o que temos constatado são problemas fundamentais que nos assediavam como o desnível de rendas e a questão da pobreza, que não estão dando qualquer sinal positivo, por aqui e em outros países. Temos também dificuldades macro econômicas derivadas da pandemia que estão muito longe de estarem com soluções encaminhadas.
Se por um lado a eleição de Biden foi uma benção, os desafios que terá pela frente para recolocar os EUA nos trilhos, onde o multilateralismo volte a imperar, e também em outras áreas priorizadas como a questão climática e seu relacionamento com a China possam ser equacionados. Teremos desdobramentos que, no curto prazo, poderão nos afetar negativamente.
Mas vamos às variáveis que, certamente, tanto do ponto de vista interno como externo, afetarão nosso mercado nos anos vindouros.
- COVID-19 - Quando, e se, teremos uma situação em que essa pandemia estará superada. Será que voltaremos a uma nova normalidade? Qual será? O que imagino é que mesmo com a vacina, dificilmente, teremos um ambiente de tranquilidade que nos permitirá um nível de convivência semelhante ao do passado.
- No que toca a vacina, o que tínhamos ao final de novembro, era o avanço de 4 diferentes vacinas, e que poderíamos iniciar a vacinação ainda no primeiro semestre de 2021. A questão fundamental, além obviamente de sua eficácia, é como ela será distribuída e aplicada. Creio que no nosso país estamos bem posicionados com 2 das 4 vacinas testadas com sucesso. A questão logística de sua distribuição será fundamental. Nesse meio tempo, somos atacados por diferentes análises que, ao invés de nos ajudar, nos confundem.
- Como se comportará a economia mundial? Pelo que se pode verificar em diferentes países, dependendo dessa segunda onda que assolava os europeus, novos programas governamentais talvez sejam necessários para que a economia não perca seu ímpeto de recuperação. O mesmo com os Estados Unidos, onde não tivemos uma segunda onda, mas sim o prolongamento da inicial depois de um recuo de vários meses. O Presidente Biden terá que lidar com o Congresso para aprovar um novo pacote de apoio, que não foi conseguido pela administração anterior, e o papel do Senado será relevante caso não consiga a maioria, inclusive para a formação do seu governo.
- A variável “emprego” será um fator determinante, não só pelo aspecto social como também para que haja demanda pelos consumidores. No caso brasileiro, os números estimados de desemprego para 2021 não são animadores, beirando os 15%.
- A se confirmar as projeções negativas sobre o emprego, resta saber como os governos enfrentarão as tensões sociais. A decisão de uma possível renda mínima esbarra na questão de onde sairão os recursos.
- No caso dos países em desenvolvimento, a questão do câmbio em função do comportamento do dólar é sempre variável importante. No nosso caso, um dólar forte afeta a economia interna e encarece as importações. Positivo, dentro de certos limites, para os exportadores, mas com impacto sobre a inflação interna.
- Taxa de juros - interna e externa é variável chave - no passado, defendemos ao longo de muitíssimos anos que com a taxa de juros que convivemos era impossível criar um mercado de capitais de longo prazo tendo em vista a segurança oferecida, principalmente por diferentes títulos, além da rentabilidade e liquidez. Pois bem, pedíamos que chovesse e o que vimos foi uma inundação. Assim, é que tínhamos uma distorção com taxas de juros que desestimulavam investimentos de longo prazo e agora temos uma situação inversa. Os investidores abandonando em manada os títulos de dívida devido aos rendimentos que consideramos insatisfatórios da renda fixa, com uma taxa básica de juros situada em 2% a.a., e saindo em busca de alternativas mais rentáveis. Isso beneficiou o mercado de novas emissões (IPO’s) que se aproximavam de R$ 100 bilhões para 2020, um número relevante na história do mercado. O número de investidores individuais pulou de 1,7 milhões (2019) para estimados 3,14 milhões! Uma mudança sem dúvida notável, mas que acendeu uma luz amarela de alerta para os riscos de que o mercado de novas emissões possa sofrer retrocesso. No entanto, não chegamos a constatar os disparates do encilhamento de 1971, mas uma palavra de cautela esteve presente. Outros investimentos também se beneficiaram com a queda de juros, tais como letras imobiliárias, certificados de dívida agrária e similares, títulos de dívida privada com a criação de diferentes fundos com diversa especialização. Muitos investidores, apesar do dólar ter mostrado expressiva valorização contra nossa moeda, optaram por diversificar com a aplicação em diferentes investimentos no exterior. Os investidores estrangeiros só reagiram aplicando no nosso mercado a partir de outubro pois até então tinham sido vendedores líquidos e muito cautelosos.
Mas a discussão principal em relação ao fator tomou novo impulso, principalmente a partir de duas variáveis importantes:
- Preocupação com o aumento da dívida interna que se aproximou de 100% do PIB (em função também do crescimento insatisfatório).
- A defasagem entre o IPCA e IGPM que chegou a nível de diferencial superior a 15%. A preocupação fundamenta-se em que à medida essa discrepância poderá afetar a manutenção da taxa de juros na cada dos 2%, sendo que as projeções já estavam na casa dos 3,5%. Havia a preocupação que a inflação voltasse ao horizonte.
Portanto, temos um quadro cheio de incógnitas, onde as incertezas são muito maiores que as certezas.
Olhando a política de governo, seja no plano social, econômico-financeiro, saúde e nas relações exteriores, não encontramos muito em que nos apoiarmos. As reformas econômicas prometidas ficaram nas pranchetas e nas declarações dos ministros.
Passadas as eleições municipais, esperamos que o Congresso possa avançar em algumas reformas aguardadas há longa data pelos mercados.
No que toca nossas relações com o novo Presidente Biden, temos outra grande interrogação, pois até o momento em que escrevia esse comentário, nosso governo, um dos pouquíssimos do mundo ocidental, não havia reconhecido a eleição de Biden substituindo Donald Trump, que buscava a reeleição e era a predileção do nosso Presidente e de qualificados representantes do Ministério das Relações Exteriores.
Terminaria citando um pensamento de Richard Thales, Prêmio Nobel de Economia em 2017, que em longa entrevista ao Estado de São Paulo em 22/11 registrou: “O maior erro dos investidores é excesso de confiança”. Pelo que aqui observo, o fator confiança no quadro atual está em falta!
Roberto Teixeira da Costa
é economista, e conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais e do Conselho Empresarial da América Latina. Recentemente publicou o livro “Valeu a pena: passado, presente e futuro do Mercado de Capitais.
teixeiradacostaroberto@gmail.com
Continua...