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O regime de responsabilidade civil adotado na legislação brasileira é baseado, fundamentalmente, no Código Civil, que define a obrigação de reparação por aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, causa dano a outrem. Essa disposição é complementada por normas especiais do próprio Código e por leis que regulamentam situações específicas, como é o caso da Lei nº 6.404/76, que define as responsabilidades decorrentes da condição de administrador ou acionista de sociedades anônimas.
A Lei nº 6.404/76 confirma o regime geral do Código Civil, estabelecendo que os administradores respondem se atuarem com culpa ou dolo, mesmo que o façam dentro de suas atribuições.
Já em relação aos acionistas, a Lei nº 6.404/76 prevê a responsabilidade por danos causados à companhia por abuso do direito de voto. E cuida particularmente dos acionistas controladores, que respondem por outras condutas abusivas no exercício de seu poder de controle. Também aqui a Lei nº 6.404/76 não modifica o regime de responsabilidade subjetiva do Código Civil.
Por disposição expressa da lei societária, a titular do direito à indenização é a própria companhia, que sofre o dano direto decorrente da má conduta praticada, não havendo direito à indenização de dano indireto ao patrimônio de seus acionistas. A lei ressalva, contudo, a hipótese de o acionista sofrer um dano direto, caso em que será o titular exclusivo do direito à indenização.
A Lei nº 6.404/76 também disciplina a legitimidade para propor ação de responsabilidade. A ação contra os administradores deve cumprir o pressuposto processual de ser necessariamente deliberada em assembleia geral de acionistas. E apenas se a assembleia decidir não propor a ação é que a Lei nº 6.404/76 atribui aos acionistas, desde que representativos, legitimidade extraordinária - que só existe quando a lei assim o prevê – para postular, em nome próprio, direito alheio, em benefício da companhia, que é a efetiva titular do direito.
Já para a ação de indenização contra os acionistas – controladores ou não –, a lei não exige a assembleia geral para que a companhia exercite sua legitimidade ordinária, como vítima dos prejuízos, mas também atribui legitimidade extraordinária aos acionistas, desde que sejam representativos ou cumpram certas condições.
Apesar desse sistema legal claro, parte da doutrina tem buscado sustentar, no Brasil, que os acionistas são titulares do direito à indenização de danos que sofram indiretamente, quando administradores ou controladores causem prejuízos às companhias e isso importe em queda na cotação das ações em mercado. E, indo mais longe, sustenta-se que o dever de indenizar, nesses casos, deve recair sobre as próprias companhias – que como visto são as vítimas diretas dos prejuízos. Tais opiniões, que fundamentam demandas judiciais e arbitrais, estão em muito baseadas no regime jurídico do mercado de capitais estadunidense – cuja teoria de responsabilidade civil da companhia, além de controversa, vem sofrendo severas críticas de importantes doutrinadores naquele país.
Essas demandas, via de regra, alegam possíveis falhas informacionais por parte das companhias, que supostamente resultaram em danos aos seus acionistas. Parte dos argumentos se baseia no fato de o Código Civil prever, em seu artigo 932, que o empregador é responsável pela reparação civil dos atos dos seus prepostos, e que, dessa forma, a companhia responderia pelos atos ilícitos praticados pelos seus administradores.
Contudo, essa tese ignora o fato de que o regime especial referente às companhias está previsto exaustivamente na Lei nº 6.404/76 – que, por sua vez, não prevê responsabilidade direta da própria sociedade. Pelo contrário, a lei societária, em seu artigo 158, determina expressamente que o administrador e o acionista respondem pelos prejuízos causados quando atuam com culpa ou dolo, e que o titular do direito à indenização é a companhia.
Em outras palavras, se a companhia sofreu um dano imputável ao administrador ou ao controlador, e esse dano repercutiu na cotação das ações e, assim, indiretamente no patrimônio dos acionistas, a titular da indenização é a companhia, e o acionista somente pode atuar em benefício desta, como legitimado extraordinário.
Outro argumento sustentado é que a Lei nº 7.913/89, referente à ação civil pública no mercado de capitais, prevê a possibilidade de responsabilização por omissão de informação relevante por parte de quem estava obrigado a divulgá-la, bem como sua prestação de forma incompleta, falsa ou tendenciosa. Entretanto, esse argumento ignora que a Lei nº 6.404/76 impõe o dever de informar aos administradores e acionistas controladores e, portanto, que a companhia também é vítima quando tal dever é descumprido, pela ocultação, nas informações, de um conteúdo que deveria integrá-las.
O mesmo ocorre na constituição da companhia por subscrição pública ou particular, e em aumentos de capital. A Lei nº 6.404/76 é expressa ao prever a responsabilidade dos fundadores e administradores pela violação da lei, e impor os respectivos prazos prescricionais.
Assim, a única hipótese em que a própria companhia responderá será a de anulação sua constituição ou de aumento de capital, caso em que os valores aportados por acionistas deverão ser restituídos, por deixar de existir justa causa para o aporte patrimonial – sem prejuízo da ação de regresso da companhia (ou seus sucessores) contra os culpados.
De todo modo, nas ações contra administradores e acionistas será sempre preciso provar que a incompletude ou deficiência da informação decorreu de um ato culposo ou doloso do agente, que a divulgação e posterior correção de informações impactaram a cotação das ações e afetaram as decisões de investimento dos acionistas demandantes, além de demonstrar o dano certo e efetivo sofrido. Ou seja, aqueles que alegam prejuízos precisam comprovar não só o ato ilícito e o dano, mas também o nexo causal existente entre esses.
Nesse sentido, fica claro que o Brasil, diferentemente do direito norte-americano, não adota a presunção de que uma informação mal divulgada gera disfunção na formação do preço das ações negociadas no mercado de capitais. Na verdade, nosso sistema legal faz o contrário disso, baseado no princípio da função social da empresa, hoje protegido constitucionalmente, e pioneiramente inscrito nos arts. 116, parágrafo único e 154 da Lei nº 6.404/76, que busca preservá-la e protegê-la, responsabilizando seus acionistas e administradores. Buscar responsabilizar a própria companhia por prejuízos decorrentes de atos ilícitos praticados por seus acionistas ou administradores é ignorar um sistema que privilegiou a indenização direta à própria companhia, que é quem efetivamente sofre o dano, e produz empregos e riqueza.
Marcelo Fernandez Trindade
é advogado e professor da PUC Rio, bacharel em Direito pela PUC Rio, foi presidente e diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
mtrindade@trindadeadv.com.br
Bernardo Fabião Barbeito de Vasconcellos
é advogado, assistente de pesquisa da FGV Direito Rio e membro da Comissão Jurídica da ABRASCA.
bfabiao@petrobras.com.br
Bruno Miranda Gontijo
é advogado, bacharel e mestre em Direito pela UFMG.
brunomiranda@abrasca.org.br