Fórum Abrasca

OBSERVATÓRIO DE ATIVIDADE DISCIPLINAR DA CVM

Uma contribuição da ABRASCA e ABJ para aperfeiçoamento do mercado de capitais

A Abrasca e a Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) lançaram no início de maio o “Observatório do Mercado de Capitais: atividade disciplinar da CVM”. A iniciativa tem como propósito estudar, medir, discutir e entender os impactos do enforcement das medidas regulatórias no mercado. Nesta primeira etapa foram analisados 1.233 casos julgados pela autarquia nos últimos 20 anos (janeiro de 2000 até março de 2019). Os dados foram classificados de forma a constituir o mais completo e detalhado repositório de informações sobre os julgamentos administrativos praticados no mercado de capitais brasileiro.

A organização da base de dados devidamente sistematizada possibilita pesquisar pontos que são elementos dos processos sancionadores que chegam ao colegiado da Comissão de Valores Mobiliários, como tempo de julgamento, condutas, penas aplicadas, responsabilidade de controladores e administradores, partes dos processos e termos de compromisso.

Todas essas informações foram reunidas e são disponibilizadas gratuitamente em uma plataforma online para consultas, análises, cruzamentos de dados e a realização de pesquisa sobre precedentes a partir da combinação de diversos parâmetros. O trabalho levou dois anos para ser concluído e só foi possível graças ao empenho de especialistas em jurimetria e apoio de importantes escritórios de advocacia especializados em mercado de capitais.

O desafio a partir de agora é iniciar as próximas fases que incluem ampliar o trabalho sobre os novos processos sancionadores julgados pela CVM e estudar outras instâncias recursais, como o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. O “conselhinho”, como conhecido, é um órgão do Ministério da Economia responsável por julgar em segunda instância penalidades aplicadas por órgãos como Banco Central e Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), além da própria CVM.

O que a base de dados revela
Consultas feitas por jornalistas e publicadas na imprensa por ocasião do evento de lançamento da plataforma do “Observatório” mostram, por exemplo, que em 20 anos o colegiado da CVM julgou 960 processos, sendo que 47% dos acusados foram absolvidos. No caso de sanções, o desfecho mais comum foi aplicação de multas (41%). Em seguida vem a pena de advertência (6,4%). As penas de proibição (1,1%), inabilitação (3,9%) e suspensão (0,7%) de atividade foram as menos aplicadas.

Problemas de informação, como falhas na divulgação de fatos relevantes e prestação de informações atualizadas, foram os fatores que geram mais processos administrativos sancionadores pela CVM. Em seguida aparecem questões societárias, ilícitos de mercado, como insider, manipulação de preços, operação fraudulenta e abuso do poder de controle.

A coleta de dados mostra que 79,1% das partes acusadas eram pessoas físicas e apenas 20,9% jurídicas. Entre os CNPJs encontrados, o mais comum é o de administradoras de carteira, que aparecem em mais de um quinto dos casos. Na física, diretores (38,4%) e conselheiros (19,5%) de gestoras, intermediários e companhias abertas são os mais atingidos por processos sancionadores.

Termos de compromisso
Em 20 anos foram encaminhadas à CVM 600 propostas de termo de compromisso e somente 361 foram celebradas. Essa informação é bastante valiosa. Abre a possibilidade de conhecer a razão da rejeição de quase metade das propostas feitas à autarquia. A princípio existem dois pontos para isso, segundo os especialistas: o valor da proposta ou algum óbice jurídico. Porém, conhecer efetivamente as razões permitirá aos acusados formularem propostas de acordo mais concretas e viáveis para solucionar a acusação de ilícito, evitando, desta forma, que o caso vá a julgamento.

O desenvolvimento da plataforma, que contou com um comitê técnico de três ex-diretores da CVM, aponta que cerca de 90% das decisões são unânimes, o que é considerado um bom índice. Ainda assim, existem 10% de casos sobre os quais ocorreram discordâncias entre os membros do colegiado. Esse também é um dado relevante, pois o excesso de divergência nos julgamentos pode ser um sinal valioso, que indica a fragilidade de uma norma.

Na verdade, a observação das decisões tomadas pelo regulador ao longo de duas décadas permite compreensão consistente do enforcement da lei e da regulação da CVM. Os dados dão ainda uma visão objetiva sobre a evolução qualitativa do comportamento da jurisprudência administrativa ao longo do tempo, ou seja, da aplicação das normas na prática. Além disso, quanto mais informações as partes dispuserem, mais racional tende a ser a maneira de litigar. Isso não só ajuda o sistema a funcionar melhor como orienta a formulação de políticas públicas consistentes e objetivas.

É evidente que o “Observatório” lança luz sobre vários pontos no rito dos processos sancionadores da CVM. E essa luz pode ser o guia para um processo transformador na relação entre o órgão regulador e os seus stakeholders. Cabe aqui lembrar o saudoso presidente do Conselho Diretor da Abrasca, Alfried Plöger, que sempre defendeu uma iniciativa como esta. “Plöger sempre dizia que a CVM deveria ter a mesma transparência que exige das companhias abertas”, lembrou Carlos Augusto Junqueira, sócio do Cescon Barrieu Advogados, no seminário de lançamento do projeto, realizado nos dias 10 e 11 de maio de 2021, com mais de 250 participantes.

Nota: Acesse o Observatório do Mercado de Capitais pelo link: https://abjur.github.io/obsMC.


Eduardo Lucano da Ponte

é presidente executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca)
abrasca@abrasca.org.br


Continua...