Sustentabilidade

MENOS SIGLAS ETÉREAS E MAIS CIÊNCIA CONCRETA

32 anos separam o nosso hoje do início da agenda internacional que discute mudança climática com a criação do IPCC, um braço de Meio Ambiente da ONU (na sigla em inglês Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Neste período, assistimos desde a queda do muro de Berlim ao aumento exorbitante da concentração de gases e efeito estufa na atmosfera e seu consequente aumento gradativo da temperatura da Terra, passando pelas mais diversas questões no meio do caminho... o retorno da discussão sobre o formato do planeta, o fim de Game of Thrones e, não menos importante, uma pandemia que travou mercados e nos trancou em casa para nos convencer a ter fé em um dogma salvador: a CIÊNCIA.

Aos que pensam que o assunto acabou de chegar, volto no tempo para lembrar que, em 1992 (sim, na Eco 92), durante a primeira reunião da recém-formada UNFCC ou Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 175 países ratificaram um documento que reconhecia a necessidade de esforços globais para o enfrentamento das questões climáticas. Neste evento foi criada também a agenda das COPs, as convenções anuais de trabalho para garantir, além de metas, implementação prática de ações de transição para uma economia de baixo carbono.

Fast foward para 2015... o promissor encontro na COP21, em Paris, fez com que 195 países se comprometessem com ações para manter abaixo de 2°C o aumento médio da temperatura da Terra. Até aqui, conhecimento e tomada de decisões foram baseados em dados científicos, com a conclusão alarmante e ainda largamente desacreditada de que as mudanças climáticas podem sim determinar a manutenção de nossa estada no planeta. A partir desse ponto a inação deixou de ser uma opção, especialmente para players da sociedade com tamanho, volume e recursos capazes de mover as peças nesse tabuleiro.

A questão chave em debate atualmente é a reação lenta do setor empresarial e financeiro na agenda. O Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) 13, da ONU, diz que devemos “tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos”. A urgência, agora, precisa considerar o crescimento constante e a expectativa de curto prazo das análises trimestrais do mercado corporativo e financeiro.

O mercado esperava a virada em 2017, quando o FSB (Financial Stability Board) criou a TCFD (Task Force on Climate-related Financial Disclosures), um framework que tem como objetivo “desenvolver recomendações para divulgações relacionadas ao clima mais eficazes que poderiam promover decisões mais informadas de investimento, crédito e subscrição de seguros e, por sua vez, permitir que as partes interessadas compreendam melhor as concentrações de ativos relacionados ao carbono no setor financeiro e as exposições do sistema financeiro a riscos relacionados ao clima”. Peço licença pelas siglas e parágrafos longos nesse ponto, mas vale pela ilustração. O tema é mesmo complexo a esse ponto: é difícil entender até o nome da iniciativa.

A missão é ampla e aprofundada! O setor financeiro como um todo – incluindo bancos, seguradoras, asset managers e asset owners – terá de avaliar e monitorar dentro das suas operações a exposição ao tema de mudança climática, bem como dar devida transparência a essas informações. Isso leva a uma nova demanda para as empresas, de reporte dessas informações ao mercado. Para alguns setores listados na TCFD – energia, transporte, materiais e edificações, agricultura, alimentos e produtos florestais – existem recomendações específicas para que as companhias possam demonstrar como estão lidando com a governança, riscos, oportunidades, gestão, metas e métricas climáticas nas suas operações.

Oras, não é de estranhar que esse movimento tenha atraído a atenção dos reguladores do sistema financeiro. Seguindo mercados internacionais como Europa, Reino Unido e, mais recentemente Estados Unidos, a agenda de regulação e supervisão do mercado tem intensificado a criação de regulamentações para o reporte e transparência das informações. Aqui no Brasil, por exemplo, CVM e Banco Central se movimentam para integrar métricas de risco climático para liberação de atividades financeiras.

Mas, de novo, estamos focando no curto prazo. É necessário ampliar a visão acostumada às cotações diárias do IBOV ou guidances de resultados trimestrais para internalizar um processo de transição planejada para uma economia de baixo carbono, no curto e – principalmente – longo prazo, com ações da porta pra dentro e da porta pra fora, de interesse da empresa e da sociedade. E sim, precisamos repensar os produtos, serviços, modelos de negócio. Os clientes vão cada vez mais optar por produtos oriundos de cadeias menos intensivas em carbono.

As mudanças do clima são urgentes, mas a execução do plano não é para o hoje! Essas ações são para agora, para 2030, 2040 ou 2050. Como os produtos e serviços se adequarão a essa nova realidade? Quais sãos os processos necessários para se chegar lá? A discussão deve ser construtiva, sem pintar a embalagem de verde ou jogar uma meta de neutralidade em carbono para 2050, sem explicar como vai chegar lá!

A importância do setor financeiro é essa: direcionar capital, apoiar e incentivar essa trajetória, movendo seu fluxo de investimentos pra setores relevantes para a agenda e para empresas com melhores práticas. Internamente, é imprescindível avaliar suas carteiras, entender sua exposição ao risco climático e implantar políticas rígidas para restringir o apoio financeiro a projetos intensivos em carbono.

O aumento do fluxo de capitais para a agenda climática não pode ser um oba-oba. Às áreas de RI, é esperado preparo para questionamentos crescentes de investidores a respeito do tema. E não, isso não é só uma prerrogativa dos investidores internacionais. Muitos gestores no Brasil têm consciência cada vez mais clara sobre o tema. Além de saber o que são os ODS, qual é o ODS13, deve saber quais medidas (urgentes) estão sendo tomadas nas suas organizações para combater a mudança climática, a que riscos estão expostos e como mitigam ou tratam os seus impactos. Como fazer isso? Tem muitas formas, mas aqui está um bom começo...

  1. Parece o básico, mas faça seu inventário de emissões. Não podemos falar em mitigação e adaptação das mudanças do clima sem saber o quanto emitimos.
  2. Junte a galera! Riscos climáticos não são propriedade da área de sustentabilidade. Precisamos das áreas de risco, compliance, operações, RI, CFO... cada um terá seu papel para determinar uma estratégia de transição para uma economia de baixo carbono.
  3. Avalie riscos. De que forma as questões climáticas podem representar riscos ao fornecimento de insumos, infraestrutura, mercado consumidor, agenda regulatória, etc? Informe-se sobre como esta agenda está andando no mundo, tem muita coisa disponível para apoiar essa reflexão nas empresas, inclusive a própria TCFD.
  4. Leve a sério! Estabeleça métricas e metas que permitam reduzir sua pegada de carbono, de preferência baseadas em, adivinhem, CIÊNCIA. Antes de falar em compensação, é fundamental cortar gorduras, rever processos e reduzir os impactos.
  5. Comunique! O bom e o ruim, como fazemos com os resultados financeiros. Lucro é lucro, prejuízo é prejuízo. Riscos e oportunidades ligados à agenda climática são parte da operação, e não apenas uma estratégia de comunicação.

Para isso ser discutido seriamente, a mudança do clima não pode ser uma agenda cool (perdão pelo trocadinho... rs). É obrigatório, é urgente, é histórico. A boa notícia é que temos ciência e cada vez mais tecnologia pra isso. Que cheguemos em 2050 com todos os planos de NetZero concretizados para os próximos 32 anos, que abrigarão as gerações menos acostumadas com siglas etéreas e mais versadas na ciência concreta. 


Lauro Marins
é head de ESG Consultancy & Climate Change na Resultante ESG.
lauro.marins@resultante.com.br


Continua...