Vivendo no mundo do Impacto e ESG desde 2008, bem antes de se tornar moda, sempre me deparei com a pergunta se existe trade-off entre rentabilidade e impacto positivo. A pergunta não é trivial, e a forma em que é formulada faz muita diferença.
Existem alguns eixos para se pensar na resposta. Do ponto de vista temporal, pode ser que exista no curto prazo, mas no longo prazo não. Afinal, cada vez mais a preferência dos consumidores e investidores está caminhando nesta direção. Em uma perspectiva filosófica, todas as escolhas na vida representam algum trade-off, porque esta seria exceção? No viés empírico, estudos já apontam que portfólios marcados como ESG podem ter retornos superiores quando comparados com carteiras tradicionais (a metodologia para essa marcação é uma outra discussão).
O que me incomoda é a formulação da pergunta que - reflete a miopia do momento em que vivemos. Por estar inserido nesse ecossistema, para mim fica claro que é possível ganhar algum dinheiro (ou mesmo um pouco mais de dinheiro) tendo algum impacto socioambiental positivo (ou mesmo um pouco mais de impacto positivo) quando comparado com outras alternativas de operação ou investimento.
Tomando como partida o modelo tradicional de “capturar ganhos privados e externalizar as perdas”, mais rentabilidade com impacto positivo parece um “Santo Graal”. E melhor ainda, atingível.
Infelizmente, nosso ponto de partida é muito pobre: a Terra está morrendo (na verdade nós a estamos asfixiando) e as sociedades têm um nível de desigualdade e polarização dilacerante para quem estiver disposto a praticar um mínimo de empatia. Portanto, usar o modelo atual como benchmark me parece inaceitável ou, no mínimo, insuficiente.
Para criar um ponto de chegada mais próximo a um mundo e sociedades saudáveis, temos que pensar no que é necessário para isso. E então os trade-offs ficam visíveis: vamos precisar abrir mão de escolhas e produtos rentáveis, teremos que praticar a responsabilidade corporativa e a filantropia em maior escala, e usar parte do nosso tempo para sustentar coletivamente a transformação da sociedade.
O outro trade-off é “de quanto estamos dispostos a abrir mão para criar um mundo saudável?”. Não sou contra o lucro, tampouco defendo que os investimentos devem ter rentabilidade zero. Porém, o nível de transformação necessária, não é aquele que “impacta positivamente a rentabilidade” ou “não prejudica o lucro”. É bem maior do que isso.
Quando discutimos trade-offs e ficamos no nível que “não existe trade-off entre rentabilidade e lucro”, será que, implicitamente, estamos declarando que não estamos dispostos a abrir mão de nada para melhorar o mundo em que vivemos? Em que nível de profundidade queremos - ou precisamos - ter essa discussão?
Leonardo Letelier
é fundador e CEO da SITAWI Finanças do Bem. Foi diretor da iniciativa Cidadania Econômica para Todos na Ashoka e trabalhou na McKinsey por 8 anos. É reconhecido como um dos pioneiros no cenário de Finanças Sociais e Investimentos de Impacto, globalmente e no Brasil, tendo atuado como co-diretor executivo da Força Tarefa Brasileira de Finanças Sociais. Tem MBA pela Harvard Business School e é engenheiro de Produção pela USP.
lletelier@sitawi.net