Sustentabilidade

RELATÓRIO 2020 GLOBAL SUSTAINABLE INVESTMENT ALLIANCE

Em julho de 2021, foi lançado o relatório 2020 da Global Sustainable Investment Alliance. O documento é bianual e é uma das principais referências internacionais sobre o fluxo de recursos direcionado para produtos e estratégias ESG. A pesquisa abrange especialmente os países desenvolvidos – EUA, Canadá, Europa, Australasia e Japão – e infelizmente ainda não existem dados consolidados do mercado latino-americano, embora a Anbima e a Abrapp façam pesquisas nessa linha.

Os resultados estão alinhados com o que acreditávamos: o investimento sustentável global atingiu US $ 35,3 trilhões, um aumento de 15% nos últimos dois anos (2018-2020). Isso significa que os ativos sob gestão que adotam alguma estratégia ESG no processo de análise e decisão de investimentos representam 35,9% do total de ativos sob gestão, ante 33,4% em 2018.

Crescimento AuM (Assets under Management) total – 2016 a 2020

Retrato dos ativos globais sob gestão 2016-2018-2020 (bilhões de dólares)

Algumas regiões chamam a atenção pela aceleração do crescimento e participação dos investimentos sustentáveis. O Canadá teve o maior aumento em termos absolutos nos últimos dois anos (crescimento de 48%), seguido pelos Estados Unidos (crescimento de 42%), Japão (crescimento de 34%) e Australásia (crescimento de 25%) de 2018 a 2020.

Ao contrário do que se esperava, a Europa relatou um declínio de 13% no crescimento de ativos de investimento sustentável em 2018 a 2020. A razão da queda, no entanto, deve-se a uma alteração na metodologia de medição dos dados que foram elaborados para o relatório deste ano. Isso reflete um período de transição referente à revisão de investimento sustentável incorporado na legislação da União Europeia, como parte da Plano de Ação de Finanças Sustentáveis (Sustainable Finance Action Plan). Com o aumento da régua, alguns fundos deixaram de se classificar como sustentáveis, o que reflete a redução no número de ativos sob gestão.

Crescimento por região – 2016 a 2020

Retrato dos ativos de investimento sustentável global, 2016-2018-2020 (bilhões de dólares)

Em termos da participação no volume total de ativos sob gestão, o Canadá é agora o mercado com a maior proporção de ativos de investimento sustentável em 62%, seguido pela Europa (42%), Australásia (38%), Estados Unidos (33%) e Japão (24%). Em volume total, os Estados Unidos e a Europa continuam a representar mais mais de 80% dos ativos de investimento sustentável global durante 2018 a 2020, assim como acontece no mercado de investimentos mainstream.

No estudo se consideram as principais estratégias de investimentos responsáveis, dos screenings negativos (exclusões) até a integração transversal e o engajamento e voto dos investidores em assembleias. A adoção destas diferentes estratégias ao longo do tempo também reflete um amadurecimento dos investidores em relação à agenda ESG. Na última pesquisa, a Integração ESG – mais transversal e abrangente em relação à adoção de critérios ESG no processo de investimento – superou as estratégias de screening negativo e com base em normas, bem como as estratégias de invetsimento temático e de engajamento e voto.

Um importante ponto conceitual levantado pela Global Sustainable Investment Alliance é que existe uma tendência de que o investimento sustentável seja definido não apenas pelas estratégias envolvidas, mas pelos impactos de curto e longo prazo que são obtidos pela sua abordagem de investimento sustentável. O relatório também trouxe uma atualização das estratégias, detalhando um pouco mais a estratégia de investimento de impacto, conforme a seguir:

Integração ESG: A inclusão sistemática e explícita pelos gestores de investimento dos fatores ambientais, sociais e de governança na análise financeira.

Engajamento e Voto: Empregar o poder dos acionistas para influenciar o comportamento corporativo, inclusive por meio do engajamento corporativo direto (ou seja, comunicar-se com a alta administração e/ou conselhos de empresas), apresentação de propostas de acionistas e votação guiada por diretrizes ESG.

Screening com base em normas: Triagem de investimentos em relação aos padrões mínimos de negócios ou prática do emissor com base em normas internacionais, tais como aqueles emitidos pela ONU, OIT, OCDE e ONGs (por exemplo, Transparência Internacional).

Screening negativo/Exclusão: A exclusão de determinados setores, empresas, países ou outros emissores com base em atividades consideradas não-investíveis. Os critérios de exclusão (com base em normas e valores) podem se referir a categorias de produtos (por exemplo, armas, tabaco), práticas da empresa (por exemplo, testes em animais, violação dos direitos humanos, corrupção) ou controvérsias.

Best-in-class/Screening positivo: Investimento em setores, empresas ou projetos selecionados pelo desempenho ESG positivo em relação aos pares da indústria, e que alcançam uma classificação acima de um limite definido.

Investimento temático: Investir em temas ou ativos contribuindo especificamente para soluções sustentáveis - ambientais e sociais (por exemplo, agricultura sustentável, edifícios verdes, portfólio direcionado para baixo carbono, igualdade de gênero, diversidade).

Investimento de impacto e investimento em comunidades
Investimento de impacto - Investir para alcançar impactos sociais e ambientais positivos - requer medição e relatórios em relação a esses impactos, demonstrando a intencionalidade do investidor e ativo/investida, bem como a contribuição do investidor.

Investimento em comunidades - O capital é direcionado especificamente a indivíduos ou comunidades carentes, bem como o financiamento que é concedido a empresas com um objetivo social ou ambiental claro. Alguns investimentos na comunidade são investimentos de impacto, mas o investimento na comunidade é mais amplo e considera outras formas de investimento e atividades de empréstimo direcionadas.

Crescimento por estratégia – por região em 2020

Retrato dos ativos de investimento sustentável global, 2016-2018-2020 (bilhões de dólares)

Crescimento por estratégia – 2016 a 2020

Retrato dos ativos de investimento sustentável global, 2016-2018-2020 (bilhões de dólares)

Direcionadores e referências para os Investimentos Sustentáveis
Alguns acordos e iniciativas têm sido apontados como drivers importantes para o crescimento da agenda ESG no mercado de investimentos. Entre os principais, sem dúvida emerge a questão climática. O número de estudos disponíveis, a preocupação internacional com as consequências das mudanças do clima e os riscos que a agenda representa para a economia real e o setor financeiro levaram o mundo a se aprofundar e considerar o tema também no seu processo de decisão de investimento. Além do Acordo de Paris, principal acordo global sobre o tema, a Task Force on Climate-related Financial Disclosure, TCFD, ajudou a tangibilizar o tema em relação a seus riscos e oportunidades de negócio para as empresas e o setor financeiro. A partir da TCFD, investidores aumentaram as demandas sobre empresas e até mesmo sobre países em relação à sua agenda climática – como foi o caso do engajamento de investidores internacionais junto ao governo brasileiro em 2019, sobre a preservação e redução do desmatamento na região amazônica.

De forma mais abrangente e incluindo importantes tópicos na agenda social, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, ODS, também começam a pautar as estratégias de investimentos responsáveis no mundo. Embora contem com uma agenda relevante de políticas públicas, muitas das metas dos ODS passam pelas boas práticas do setor privado, pelo desenvolvimento de novas tecnologias e pela colaboração multistakeholder para atingirmos objetivos tão básicos como saúde, educação, erradicação da fome e da pobreza.

Como pauta para o setor financeiro, a iniciativa da UNEP-FI, Sustainable Finance Roadmap, completa o conjunto de direcionadores analisado pelo relatório da GSIA. A iniciativa traz um conjunto de demandas para o setor financeiro, com o objetivo de alavancar a agenda das finanças sustentáveis no mundo. A iniciativa conta inclusive com capítulos locais para o desenvolvimento de roadmaps em mercados específicos, como é o caso de Luxemburgo e França, por exemplo.

A agenda é acompanhada de perto pelos reguladores do sistema financeiro internacional, como o Bank for Internacional Settlement (BIS) e uma rede de Bancos Centrais que compõe um grupo chamado Network for Greening the Financial System, NGFS, que conta com a participação do Banco Central do Brasil. O tema já se refletiu em consultas públicas do BC em 2020/2021, bem como da CVM, que visaram ao aprimoramento da análise, gestão de riscos ESG e disclosure de informações ao mercado. Além de BC e CVM, o tema está na pauta regulatória da Susep em 2021, abrangendo os setores de seguros, previdência complementar aberta e capitalização, regulados pela autarquia.

O mercado brasileiro se consolida cada vez mais e aumenta a visibilidade sobre as questões ESG por meio do lançamento de fundos específicos que adotam alguma das estratégias já mencionadas. Além disso, aumenta o número de gestores que busca integrar as questões ESG transversalmente ao seu processo de análise e gestão, independente da classe de ativos. Antes um tema predominantemente voltado para o mercado de ações, hoje vemos crescer o mercado de crédito privado, private equity/venture capital e até mesmo produtos estruturados que trazem no processo de investimentos critérios de análise ambiental, social e de governança corporativa – como FIDCs e fundos imobiliários.

O aumento da complexidade de análises requer cada vez mais informações das empresas e o preparo de todos os atores deste mercado. Associações como Anbima e Apimec já se estruturam para abordar o tema em capacitações e certificações de profissionais que atuam no mercado de investimentos. Grupos como o Laboratório de Inovação Financeira, coordenado pela ABDE, BID, CVM e GIZ, trazem discussões importantes para aumentar a transparência de informações, integrar variáveis ESG à gestão de riscos e fomentar o desenvolvimento de produtos que atendam à crescente demanda pela agenda de finanças sustentáveis no mercado local. Devemos seguir crescendo nos próximos anos, com o tema cada vez mais migrando para uma agenda de oportunidades de mercado e o fortalecimento das demandas regulatórias. As questões ESG se consolidam como uma estratégia transversal e abrangente de olhar para os investimentos, no Brasil e no mundo.

Luzia Hirata
é Head de Investimentos ESG da Resultante. Atua há 20 anos na área de sustentabilidade e foi analista ESG do Santander Asset Management. É engenheira química e tem mestrado em Finanças"
luzia.hirata@resultante.com.br


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