Há décadas se fala da necessidade e da importância de uma reforma tributária no Brasil, mudança relevante para colocar o país na via do desenvolvimento sustentável. A Abrasca sempre defendeu um projeto que simplificasse e harmonizasse o atual sistema tributário nacional de forma a garantir eficiência e competitividade ao processo produtivo.
Então, no dia 25 de junho de 2021, o Ministério da Economia encaminhou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2.337/2021, propondo mudanças no imposto de renda de empresas, pessoas físicas e investimentos. O projeto, com a mesma intensidade que durante anos foi desejado, foi de pronto amplamente rejeitado.
Empresas de inúmeros setores e ramos de atividade, de portes diversos, estados e municípios criticaram duramente as propostas que claramente iriam onerar tributariamente ainda mais as empresas e aumentar a complexidade do sistema, comprometendo o investimento e a atividade econômica.
A Abrasca foi a primeira entidade a se manifestar. No mesmo dia em que o governo apresentou o projeto, a entidade divulgou nota alertando que as alterações propostas no imposto de renda das empresas eram muito amplas, complexas e estruturais: “As mudanças implicariam em aumento de impostos e prejuízo à captação de investimento, em um momento crucial quando o país necessita atrair capital e manter sua competitividade”. Foi destacado também que o assunto não poderia ser decidido em caráter de urgência: era preciso análise criteriosa e discussão ampla com a sociedade.
Paralelamente, as Comissões Técnicas da Abrasca foram convocadas a se reunirem. Foi preparado um caderno com quase 30 propostas de ajustes ao texto chamando atenção para os seguintes problemas: favorecimento do rentismo, do endividamento das empresas e da abertura de caminho para mais judicialização por aumento do contencioso fiscal.
Inicialmente, as prioridades da Abrasca foram defender: redução para 15% da alíquota de IRRF na distribuição de dividendos – pelo menos igualar o peso da tributação ao que se propõe para a renda fixa, que é sem risco; a incidência dessa alíquota apenas na distribuição para pessoas físicas e somente sobre lucros a gerados a partir de 2022 –; uma alíquota sobre as pessoas jurídicas total (IRPJ+CSLL) de 24% em 2022 (redução imediata de 10%) e a manutenção da dedutibilidade dos JCP.
O relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), realmente se esforçou para atender muitos pleitos fazendo várias alterações no projeto de lei, diante de grande pressão da sociedade. Ainda assim, mesmo com as mudanças, o projeto continua com sérias distorções.
Sobre a quarta versão do relatório, a Abrasca alertou, em mais uma nota, que as alterações não atingirão os objetivos estabelecidos de neutralidade arrecadatória nem incentivará a retomada do desenvolvimento, a promoção do investimento, a geração de emprego, tão pouco a simplificação tributária.
A redução de alíquota corporativa, de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), menor do que a que constava do substitutivo preliminar, levará a aumento de tributação.
A incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) pela alíquota de 20% sobre dividendos distribuídos a partir de 2022, apenas parcialmente compensada pela referida redução da alíquota corporativa, ao longo dos próximos dois anos, inibirá o investimento das empresas.
A vinculação da queda da alíquota da CSLL à arrecadação é um agravante relevante da incerteza que permeia o sistema tributário brasileiro, já considerado caótico e de carga elevada.
A alíquota sobre dividendos (20%) maior do que a incidente sobre aplicação financeira (15%) é um incentivo ao rentismo, além de tornar mais vantajoso tributariamente o endividamento das empresas em detrimento do fortalecimento financeiro pelo capital próprio, com prejuízo para o mercado de capitais.
E há outros pontos que tornam o projeto fortemente adverso para as companhias abertas, como a cobrança do IRRF sobre os dividendos distribuídos com base em lucros apurados até 2021, já tributados à alíquota de 34%. Isto deve acarretar litigiosidade, além de perturbar a execução de planos de investimento, já que muitas companhias pagarão como dividendos os lucros acumulados até 2021 para evitar a tributação, reduzindo suas disponibilidades, o que poderá gerar efeitos econômicos adversos nos mercados de crédito e de câmbio.
A eliminação dos juros sobre o capital próprio (JCP), que são importante instrumento de equalização do tratamento tributário de capital próprio e de terceiros, abre gap desfavorável às emissões de ações, uma vez que cria incentivo fiscal à captação de crédito pelas companhias abertas. As jurisdições europeias, por exemplo, estão recuperando em suas legislações tributárias o incentivo à recapitalização das companhias através do ACE Allowance for Corporate Equity.
O instrumento ajuda a mitigar as diferenças no tratamento tributário das companhias que se financiam com capital próprio e de terceiros.Reiteramos que as companhias abertas acreditam que a retomada do crescimento do País só vai ocorrer através do investimento privado e de risco realizado por empresas de todos os portes, gerando emprego e renda para a população. E que só uma reforma tributária que vá nessa direção poderá ser um importante catalisador desse movimento.
Eduardo Lucano da Ponte
é presidente executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca)
abrasca@abrasca.org.br