Desenvolvimento Sustentável

CONSOLIDANDO A SUSTENTABILIDADE NO SETOR FINANCEIRO BRASILEIRO

A necessidade de abordar a sustentabilidade no desenvolvimento econômico e social tem se evidenciado cada vez mais nos últimos anos. Os tratados internacionais, como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS e o Acordo de Paris desempenham um papel importante a esse respeito. O cumprimento das metas estabelecidas expõe a necessidade de um rápido reajuste na sociedade, que significa a adoção de práticas socioambientais sustentáveis que assegurem um bem-estar social, baseado, entre outros, na manutenção da biodiversidade, na qualidade das águas e na diminuição da emissão de gases de efeito estufa.

A busca por uma transição sustentável requer uma reforma econômica profunda. Esse processo representaria uma metamorfose estrutural, com reordenação do modo de produção e consumo. Será necessária uma coordenação sistemática entre os agentes econômicos, sociedade, mercado e Estado. Diferentes atividades econômicas têm diferentes tempos de maturação. Dentre os desafios de um processo de transição sustentável está a percepção, identificação e tratamento de impactos socioambientais. Tal fato poderá levar ao fechamento de setores tradicionais da economia, que serão substituídos integralmente por novos, ou passarão por (r)evoluções tecnológicas.

Somente o investimento global adicional para atingir os ODS, com particular importância da infraestrutura, é estimado em 1,3% do PIB global por ano, levando a um montante acumulado superior a US$20 trilhões até 2040 (Fiscal Monitor - April 2020). Neste cenário, o setor financeiro é essencial para realocar recursos – públicos e privados – na busca por esta economia sustentável. Isso significa rearranjo dos fluxos financeiros e de capitais, assim como uma reprecificação de riscos e ameaças. As finanças sustentáveis objetivam compreender, mensurar e gerenciar os riscos socioambientais, minimizando os riscos físicos e de transição para uma economia sustentável e de baixa emissão de gases de efeito estufa. Os riscos financeiros incorridos nesse processo são relevantes e já estão sendo traduzidos, por exemplo, na crescente existência de stranded assets - ativos que sofreram de baixas inesperadas ou prematuras, desvalorizações ou conversão para passivos.

Especificamente para o Brasil, a transição sustentável proporciona novas oportunidades em termos de desenvolvimento, inovação, competitividade, empregos e bem-estar social. Tendo isso em mente, o Projeto FiBraS, no relatório recém-divulgado “Consolidando a Sustentabilidade no Setor Financeiro Brasileiro” enumera de forma pragmática, diversas propostas de ações, intervenções e pontos de atenção que o mercado financeiro do país deveria observar na busca pelo desenvolvimento das finanças sustentáveis. Seria correto inferir que a publicação apresenta um roteiro, um roadmap, para os stakeholders – principalmente do setor financeiro sobre a integração e fortalecimento da sustentabilidade em suas ações e princípios. Representando o maior setor financeiro da América Latina, o Brasil tem o potencial de se tornar um dos maiores centros financeiros sustentáveis do mundo e certamente um polo regional.

O caminho é longo, mas já foi iniciado. O Brasil está relativamente avançado no processo de integração de questões de sustentabilidade no setor financeiro. Recentes desenvolvimentos no setor público, como o ingresso do Banco Central do Brasil na Central Banks and Supervisors Network for Greening the Financial System (NGFS) e o lançamento de sua agenda sustentável, que se concentra no desenvolvimento e aprimoramento de instrumentos regulatórios e de supervisão, podem ser citados como exemplos. Outro destaque positivo foi a ampliação da aplicação temática do Decreto Nº 10.387, por parte do Ministério da Economia, que dispõe sobre os incentivos ao financiamento de projetos de infraestrutura com benefícios ambientais e sociais.

A regulação financeira no Brasil tem se aperfeiçoado no sentido de considerar os riscos ambientais, e sem dúvida os reguladores do sistema financeiro nacional, destacando aqui o Banco Central, têm atuado na vanguarda desse movimento. Ainda assim, apesar dos consideráveis avanços, os desafios para efetiva implementação de uma agenda de finanças sustentáveis no Brasil (e no mundo) ainda são muitos.

De acordo com a análise apresentada no relatório, existem seis principais áreas de ação em que o Brasil precisaria agir na busca pela consolidação das finanças sustentáveis. A primeira refere-se às “Exigências Prudenciais e Gerenciamento de Riscos”. Embora esse assunto ainda seja incipiente na maior parte do mundo, essa é uma questão central e é objeto de análise entre as principais autoridades de supervisão globais. Domesticamente, as regulamentações já publicadas pelos órgãos regulatórios ainda são imprecisas e não endereçam propriamente o greenwashing nem a omissão de informações. Como consequência, observa-se uma lacuna em termos de especificações e métricas que determinem os riscos socioambientais.

A segunda área trata do problema da “Padronização de Dados e Divulgação”. Enquanto práticas como as recomendações da Força-tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas às Mudanças Climáticas – TCFD, para a divulgação de riscos e oportunidades relacionados ao clima e a Global Reporting Initiative (GRI) já se tornam rotineiras no âmbito internacional, o Brasil não se destaca de forma positiva nesse quesito. Há grande espaço para melhorias na divulgação de dados e informações socioambientais, especialmente em termos da padronização e definição de exigências mínimas com relação à métricas e critérios de transparência e reporte. Ponto fundamental para o avanço nesta agenda seria a elaboração ou adoção/adaptação de uma taxonomia para as finanças sustentáveis que pudesse nivelar tecnicamente as ações e iniciativas e apresentar critérios de análise e comparabilidade.

Sobre a “Conscientização e Definição de Agenda”, considerando-se a realidade de uma crescente integração dos mercados financeiros internacionais, liderados especialmente pelos organismos multilaterais e países europeus, é necessário que o Brasil esteja presente no debate, por meio de instituições financeiras engajadas na promoção e divulgação das finanças sustentáveis em fóruns nacionais e internacionais. No entanto, há um longo caminho a percorrer, especialmente no que diz respeito ao chamado Walk the talk, pois tais instituições devem demonstrar e liderar pelo exemplo.

Na área de “Capacitação” o Brasil vem demonstrando importantes e relevantes avanços, como workshops e materiais de orientação, promovidos especialmente pelo Laboratório de Inovação Financeira - Lab e seus membros. Por outro lado, há ainda muito espaço a ser percorrido dado que ainda não existe, de forma consolidada, cursos e treinamentos profissionais ou acadêmicos em finanças sustentáveis para o setor público e para os participantes do mercado financeiro.

No que se refere a área de “Instrumentos de Apoio ao Mercado, entende-se que a criação de novos instrumentos, principalmente públicos, de financiamento poderia estimular o investimento em projetos com impacto socioambiental positivo, alavancando assim a criação e o desenvolvimento de um pipeline de projetos. Utilizar conceitos de “blended finance” na proposição e desenvolvimento de novos instrumentos, pode ser uma forma efetiva de utilizar os limitados recursos financeiros públicos, na busca de um maior impacto nos investimentos. Incentivos fiscais e de mercado para a economia real também possuem efeito multiplicador do capital privado para investimentos sustentáveis. Melhorias operacionais em planos e programas já existentes, tais como o Programa ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono) do Governo Federal, podem catalisar esse processo.

Finalmente, na área “Liderança pelo Exemplo é recomendado que o setor público exerça uma coordenação central e inclusiva, na busca pelo desenvolvimento das finanças sustentáveis. As estratégias de finanças sustentáveis devem acontecer em um ambiente de cooperação e coordenação entre a iniciativa privada e o Estado, abordando fatores econômicos, políticos, financeiros e socioambientais, o que se traduz em estratégias tangíveis e pontos de referência socioambientais que garantam soluções coerentes e operacionais para as instituições financeiras.

O sistema financeiro nacional possui as bases para a construção de soluções sustentáveis, mas, a harmonização regulatória por meio da coordenação das soluções e políticas sustentáveis, pode ser mais eficiente. O planejamento de longo prazo requer sinergia e coordenação entre os formuladores de políticas econômicas de curto prazo e as políticas de Estado. Isso se aplica especialmente à transição sustentável, dado que envolve mudanças que combinem uma conversão a processos e comportamentos de produção favoráveis ao meio ambiente e à sociedade.

Uma abordagem compreensiva necessita de uma narrativa clara e coerente assim como uma visão e metas concretas. Implica no abandono do pensamento individualista na busca pela inclusão de todos os stakeholders relevantes no diálogo durante o seu desenvolvimento. O amplo diálogo permite que as concessões que precisam ser feitas entre objetivos diferentes e muitas vezes concorrentes possam ser discutidas, e os planos de ação, formulados. O sistema financeiro, altamente complexo está intimamente interconectado a todos os setores econômicos e todas as estruturas sociais, oferecendo uma gama de serviços que não podem ser gerenciados de maneira isolada. Idealmente, todos os atores deveriam estar reunidos em um fórum próprio, adotando e planejando uma estratégia de finanças sustentáveis que enderece as especificidades e potencialidade do Brasil. Buscar mudanças estruturais requer uma coordenação forte e legitimada, desta forma, recomenda-se que tal grupo precisaria de um mandato claro e uma estrutura de governança sólida que garanta transparência, alto conhecimento técnico e entrega de resultados concretos durante o processo.

Nesse sentido, o relatório “Consolidando a Sustentabilidade no Setor Financeiro Brasileiro” elaborou uma série de sugestões, cujo objetivo seria a implementação e consolidação de um ambiente robusto de finanças sustentáveis e verdes no Brasil. Ao se considerar as seis dimensões previamente analisadas, assim como as recomendações listadas abaixo, expõe-se a grande (e necessária) amplitude de ações, temáticas e atores, torna-se então, condição sine qua non a elaboração de uma estratégia nacional na busca pelas finanças sustentáveis. Para tanto, e como ponto de partida, o referido relatório apresenta nove recomendações de políticas públicas para finanças sustentáveis que podem ser colocadas em prática nos curto e médio prazos e ao mesmo tempo abrir caminho para ações mais abrangentes no longo prazo.

As recomendações são exploradas no quadro abaixo:

# Ação recomendada
em políticas públicas
Líder/Atores Tempo para
implementação
Complexidade Impacto
1 Definir um posicionamento com relação a uma taxonomia socioambiental que abranja a economia como um todo Comitê misto
do setor público
Médio prazo Média a alta Alto
2 Refinar e expandir a divulgação ASG de empresas financeiras e não financeiras B3, BCB e CVM Médio prazo Média Alto
3 Ampliar a transparência e as orientações
da supervisão socioambiental
BCB Médio prazo Alta Médio
4 Harmonizar a regulação socioambiental
em todo o setor financeiro
CNSP/SUSEP,
PREVIC/CNPC
Médio prazo Média a alta Alto
5 Disponibilizar dados socioambientais
agregados para o público
Comitê misto
do setor público
Curto prazo Média Alto
6 Promover um pipeline de infraestrutura sustentável Ministério da
Agricultura
Médio prazo Média Médio
7 Promover investimentos sustentáveis no agronegócio Ministério da
Agricultura
Médio prazo Média Médio
8 Refinar e expandir os rótulos oficiais de sustentabilidade para fundos CVM e Anbima Curto prazo Média Baixo a médio
9 Estabelecer uma forte presença brasileira em fóruns de finanças sustentáveis ME, BCB, LAB Curto prazo Baixa Médio

O avanço da regulamentação e da incorporação das finanças sustentáveis no Brasil foi considerável nos últimos anos, tornando o país numa referência na América Latina. Muito já se fez, no entanto, este é só o início. Os desafios impostos para efetiva adoção das melhores práticas passam por um processo coordenado de políticas públicas em sincronia com o mercado privado. Nesse sentido, as recomendações sugeridas focam no aprimoramento dos dados e em sua padronização, na consolidação/consideração de uma taxonomia própria, na transparência e divulgação, das exigências prudenciais e do gerenciamento de riscos e de instrumentos de apoio ao mercado.

O desenvolvimento de um mercado consolidado para as finanças sustentáveis exige novos paradigmas que, necessariamente, encontram início na capacitação de equipes e gestores de autoridades públicas, de instituições financeiras e do mercado financeiro mais amplo, das comunidades acadêmicas e da sociedade civil. Dessa forma, o objetivo é de proporcionar o conhecimento e habilidades necessárias para determinar as condições de base e supervisionar a operacionalização das finanças sustentáveis.

A consolidação das finanças sustentáveis e verdes é essencial para permitir a transformação global, tanto na recuperação econômica do cenário pandêmico que vivemos, quanto na caminhada em direção ao processo de transição sustentável. As finanças sustentáveis são instrumentos para um fim, tanto na consolidação de setores sustentáveis, quanto na necessária transição econômica sustentável e de baixo carbono, garantindo um bem-estar social e ambiental. Para a efetiva transição sustentável, é necessário um mecanismo de coordenação entre todos os agentes econômicos, políticas públicas e seus instrumentos para integrar sustentabilidade em todo o ciclo econômico, também além do setor financeiro. O diálogo entre o setor público e privado é essencial, a existência de métricas bem definidas e aceitas universalmente é imperativa. Tudo isso, poderá ser consolidado e coordenado em torno de uma estratégia nacional de finanças sustentáveis.

Nota: Texto baseado no relatório “Consolidando a Sustentabilidade no Setor Financeiro Brasileiro - Plano de ação para políticas públicas de suporte” que pode ser encontrado no site do Laboratório de Inovação Financeira - Lab: www.labinovacaofinanceira.com.


Sebastian Sommer
é diretor do projeto FiBraS na GIZ Brasil. Especialista em Desenvolvimento do Setor Financeiro com cerca de 15 anos de experiência no ramo, atuando exclusivamente em Finanças Verdes/Sustentáveis. Dentro da GIZ ele assume um papel de liderança no estabelecimento da carteira de projetos financeiros verdes/sustentáveis. É Mestre em Gestão do Desenvolvimento e possui dois Bacharelados. Ao longo de sua carreira, ele assessorou e treinou ministérios, reguladores, bancos e associações em missões de curto e longo prazo.
sebastian.sommer@giz.de

Daniel Ricas
é especialista em finanças verdes e sustentáveis, com formação e especialização em gestão pública e privada. Possui mais de 20 anos de experiência, sendo que os últimos 15 focados em produtos financeiros climáticos, verdes e sociais, e no desenvolvimento e implementação de projetos locais, regionais e globais, junto ao setor público e privado. Sua atuação junto ao mercado é pautada na disseminação dos conceitos e princípios das finanças sustentáveis.
danielric@iadb.org

Fernanda Feil
é assessora técnica sênior no projeto FiBraS na GIZ Brasil. Economista especialista em sistema financeiro, desenvolvimento econômico, finanças verdes e análise macroeconômica. Atualmente, é pesquisadora do Pós-doutorado na UFF e do Grupo de Pesquisa sobre Finanças e Desenvolvimento – FINDE. É doutora em economia pela UFF, onde pesquisou o papel do Estado na intermediação financeira e o processo de desenvolvimento sustentável.
fernanda.feil@giz.de


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