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Com o desafio de transformar a pobreza da favela em ‘peça de museu’, antes de Elon Musk colonizar Marte, o “falcão” Edu Lyra fisga corações e mentes no mercado de capitais.
Alguma vez já parou para pensar qual é a diferença entre um falcão e uma águia? Sem desmerecer as águias - símbolo de coragem e força - os falcões se caracterizam por terem uma visão de longo alcance, capaz de enxergar seus objetivos em longas distâncias. Além de serem extremamente rápidos, mergulhando no ar com velocidade que pode superar os 300 km/hora. Essas são as mesmas características que se destacam em Edu Lyra, empreendedor social de 33 anos, que tem o sonho - e o desafio - de transformar a pobreza da favela em ‘peça de museu’ antes de Elon Musk colonizar Marte. A meta do dono da Tesla é conseguir fazer isso até 2050.
Talvez proposital ou acidentalmente, foram estas características, que levaram Edu Lyra a criar, há 10 anos, a ONG Gerando Falcões, para unir essa visão de um futuro menos desigual para o Brasil com a urgência de conquistar esse sonho, uma mistura de visão de longo alcance e velocidade, a exemplo dos falcões.
Para alcançar este objetivo, Lyra destaca, em entrevista à Revista RI, que sua principal estratégia será implementar o projeto Favela 3D (Digna, Digital e Desenvolvida) que tem como meta a criação e desenvolvimento de soluções para os principais problemas que afetam comunidades e favelas, entre estes, moradia, fome e educação, melhorando a qualidade de vida desses moradores, transformando completamente seu ecossistema.
Esse objetivo tem fundamentos sólidos. Se você já mergulhou no universo da economia comportamental provavelmente se perguntou: Por que pessoas pobres tomam piores decisões que pessoas ricas? Estudos comprovam que em condições de vida semelhantes, ricos e pobres são capazes de tomar as mesmas decisões, principalmente financeiras.
Longe de querer apontar que pobreza é sinônimo de inexperiência, um estudo feito há alguns anos pelo IPC-IG “Insights comportamentais e políticas de superação da pobreza”, defende que em situações de pobreza, existe uma maior sobrecarga mental. As pessoas estão preocupadas em garantir a sobrevivência, ter alimentos para comer, ter água de qualidade, o medo de perder o emprego, todo esse ciclo de problemas que pessoas, com condições minimamente dignas não possuem, faz com que a desigualdade entre as classes sociais seja cada vez maior.
Da Favela à Faria Lima
Você sabia que a distância da favela à Faria Lima é de 9 gerações? Segundo Hugo Bethlem, co-fundador e presidente do conselho do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, o estudo “O Vírus da Desigualdade” da Oxfam revela que um pobre no Brasil, levaria 9 gerações para sair da pobreza. “Isso representa mais de um século”, avalia.
Bethlem aponta que atualmente o Brasil tem oficialmente mais de 13 mil favelas em mais de 700 municípios, isso representa mais de 5 milhões de domicílios nestas comunidades, totalizado cerca de 15 milhões de brasileiros que vivem nestas condições. E, a pandemia só agravou este cenário, aumentando a desigualdade. “Vimos declarações estapafúrdias do Governo Federal, quando foram conceder o Auxílio Emergencial, que "descobriram" 40 milhões de brasileiros e brasileiras invisíveis”, critica ele.
Não foi a única discrepância que trouxe à tona a pobreza brasileira, segundo Bethlem quando foi sancionado o novo Marco Regulatório de Saneamento, em 2020, 47% dos domicílios brasileiros não tinham esgoto.
Para Edu Lyra, da Gerando Falcões, um dos principais desafios para vencer a desigualdade no Brasil é dar espaço para que não apenas a elite possa conquistar vagas em grandes empresas, mas também quem vem de favela e possui uma história de vida diferente. “Na favela há mentes brilhantes e que merecem oportunidades. Criando pontes e destruindo muros conseguiremos mudar a realidade que vivemos hoje”, afirma. Para isso, primeiro é necessário garantir o básico, de forma com que os mais vulneráveis recuperem a capacidade de sonhar e correr atrás do futuro.
Hugo Bethlem, reforça este aspecto. Ele cita que a grande maioria da população digna e trabalhadora, mas que muitas vezes vive ameaçada e controlada pelo tráfico de drogas e milícias, quer progredir na vida. “Um estudo do Data Favela comprova que elas buscam oportunidades sérias para empreender ou trabalhar e assim gerar riqueza e inclusão social, elevando a sua dignidade e a dos seus entes queridos”, um objetivo que faz todo sentido com o projeto Favela 3D.
Um problema de todos
Nascido na favela Jardim Vila Nova Cumbica, em Guarulhos, bairro da grande São Paulo, Edu Lyra passou boa parte da sua infância morando em um barraco e dormindo em uma banheira. Seu pai, Márcio Luiz de Oliveira Lyra, se envolveu com o crime na época e foi preso. Restou a mãe, Maria Gorete Brito Lyra, a missão de sustentar a família como diarista. Em meio a tanta dificuldade, Lyra poderia ter desabado, mas foi sua mãe quem o inspirou a seguir em frente e mudar o destino precário que lhe esperava. “Minha mãe sempre falava: Não importa de onde você vem, mas sim para onde você vai. Eu acreditei”, lembra.
Já adulto, Lyra conheceu a cidade colombiana de Medellín, que foi marcada por décadas de violência e forte presença de cartéis de drogas que impactaram principalmente as comunidades vulneráveis. Medellín era um perfeito cenário de guerra, que só cessou quando o governo colombiano começou a negociar com as milícias populares, e ONGs, movimentos sociais e culturais se uniram para lutar contra a violência.
Anos depois Medellín se tornou uma cidade reconhecida por superar desafios sociais e ter um olhar inovador. Foi essa cidade colombiana que inspirou Edu Lyra a idealizar o Favela 3D, que busca unir empresários, sociedade civil e governo para conseguir vencer a pobreza brasileira. Segundo ele, o combate à pobreza é uma agenda de longo prazo, um projeto das comunidades com o governo. “Os colombianos foram os mais efetivos da América Latina. Não descontinuaram políticas públicas”, aponta.
Para Hugo Bethlem, da mesma maneira que o Brasil sofre influência e tutela de facções do crime organizado e das milícias infiltradas nas favelas, a Colômbia também. “Mas com pulso firme do governo, a indignação da sociedade e apoio financeiro das empresas privadas foi possível fazer essa mudança”, defende.
Além de Medellín, outro exemplo de transformação de favelas, aconteceu na Índia, nas comunidades de Mubai, explica Bethlem, comprovando que a transformação é possível. Já no Brasil, ele aponta que houve algumas tentativas de mudança em Paraisópolis em São Paulo e no Morro do Alemão no Rio de Janeiro, mas que nos últimos anos regrediram ou estão andando de lado.
Bethlem defende que não se muda uma favela por decreto, nem por vontade de apenas um stakeholder, mas pela união de todos os membros da sociedade, Poder Público, Iniciativa Privada, ONGs e cidadãos que moram dentro e fora das favelas. “Não é um problema apenas deles, mas de toda a sociedade”, destaca.
Favela Digna, Digital e Desenvolvida
O Favela 3D (Digna, Digital e Desenvolvida), começou a ser gestado em setembro de 2020, com parceria do Instituto Tellus e da Accenture, o objetivo é transformar as favelas em comunidades inteligentes com a união do poder público e privado. Com o projeto, Lyra busca reestruturar as favelas por meio de uma transformação completa, focada na melhoria da qualidade de vida de seus moradores.
O Favela 3D possui alguns pilares, entre os quais: moradia digna, acesso à saúde, direito à educação, cidadania e cultura de paz, primeira infância, autonomia da mulher, geração de renda e cultura, esporte e lazer. Embora idealizado desde setembro de 2020, foi em maio deste ano que o projeto começou. A primeira etapa ocorre na Vila Itália, uma comunidade com cerca de 250 famílias e 634 moradores, localizada na cidade de São José de Rio Preto, município no estado de São Paulo.
Enquanto Elon Musk trabalha na sua corrida espacial para colonizar Marte, a Vila Itália iniciou sua própria “corrida social” para vencer a pobreza. Nos primórdios do projeto, durante uma reunião do comitê da Vila Itália com a Gerando Falcões, o líder comunitário Benvindo Nery, que mora desde 2016 na ocupação, questionou como era possível empresários pensarem em habitar Marte, sem antes resolver os problemas da Terra, com milhares de pessoas passando fome e frio. Foi a partir dessa fala de Nery, que a Vila Itália trocou seu nome, para Favela Marte.
Pioneira no projeto, Lyra explica que a Favela Marte será o laboratório de soluções de combate à pobreza, um protótipo. A comunidade carrega uma grande responsabilidade, porque os resultados que ocorrerem nela deverão influenciar a construção de soluções para outros territórios vulneráveis dentro do Brasil.
Para entender melhor as necessidades de cada uma das 250 famílias que moram na Favela Marte, e criar um planejamento estratégico de acordo com estas, Lyra mobilizou uma equipe multidisciplinar para acompanhar a jornada dos moradores, identificar as necessidades de moradia, geração de renda, e tentar articular soluções, unindo a comunidade local, setor privado, poder público, universidades e organizações do terceiro setor.
A meta é interromper o ciclo de pobreza na Favela Marte em um prazo de até 3 anos, quando todas as soluções devem ter sido implementadas. Recentemente, o projeto já acumulou R$ 42 milhões em captações e patrocínios públicos e privados. Lyra explica que a construção dessa transformação na Favela Marte ocorre em parceria com a prefeitura de São José do Rio Preto, o governo de São Paulo, o Instituto As Valquírias, a população local e seu líder comunitário Benvindo Nery Pereira.
Além de doadores do setor privado, em setembro último, Lyra participou de um jantar beneficente em Nova York para angariar fundos para o Favela 3D. O evento teve como anfitriões os empresários Jorge Paulo Lemann e os ex-executivos da ABInBev Carlos Brito e Claudio Ferro.
Durante o jantar, a Gerando Falcões conseguiu arrecadar R$ 3 milhões. Lyra, que está morando nos Estados Unidos até dezembro, deve participar ainda de outro evento em Miami, para sensibilizar empresários brasileiros radicados nos EUA a se unirem à causa. O jantar deve ocorrer no final de outubro. Em entrevista à RI, Lyra afirmou que o objetivo da Gerando Falcões é arrecadar até o final de 2022, a soma de R$ 37 milhões em filantropia para poder implementar os pilotos do Favela 3D em outras comunidades.
Além da Favela Marte, o Gerando Falcões fechou mais três parcerias para transformar comunidades. Em junho, a ONG assinou um termo de cooperação com a prefeitura de Maceió para implementar o projeto na comunidade Vergel do Lago. Em julho, Lyra firmou um protocolo de intenções com o prefeito do Rio Eduardo Paes, para iniciar o Favela 3D no Morro da Providência, no Rio de Janeiro, a favela mais antiga do Brasil. E recentemente o Favela 3D chegou à favela Boca do Sapo, localizada em Ferraz de Vasconcelos, bairro da Zona Leste de São Paulo.
Segundo Lyra, atualmente estas localidades passam pela fase de diagnóstico, para identificar os principais desafios das comunidades e priorizar as soluções mais urgentes. “Com base nesta avaliação, vamos definir um desafio inicial a ser desenvolvido e a partir da conceituação e formulação do desafio, vamos solucionar os problemas e aplicar os insights obtidos nas pesquisas”, destaca.
Diretor executivo da Accenture Strategy na América Latina, Matthew Govier, afirma que o Favela 3D é um grande marco para decretar o fim do ciclo de pobreza no Brasil, com um olhar completo na vida das pessoas que moram nestas comunidades, priorizando infraestrutura, educação, saúde, empreendedorismo e geração de emprego.
“É uma ideia bastante ambiciosa, mas que precisa ser priorizada para que se concretize” defende Govier. Para o executivo, a causa precisa unir governos, empresas, startups e sociedade civil para erradicar a pobreza. “O Gerando Falcões está bem-posicionado para impactar positivamente nesta área”, aponta.
Nos primórdios do projeto, a Accenture teve a missão de desenhar a estratégia do Favela 3D, em parceria com o Instituto Tellus, além de acompanhar resultados do marketing e comunicação da iniciativa. O trabalho da Accenture foi feito de forma voluntária (pro bono) e deve permanecer no mesmo formato nos próximos anos. “Embarcamos nessa missão contagiados pelo compromisso e a maneira visionária com que a Gerando Falcões aborda a questão das favelas”, aponta o executivo.
Para Hugo Bethlem, que também é mentor voluntário da Gerando Falcões, o trabalho do Edu Lyra com o Favela 3D reforça os primórdios do Capitalismo, que garante oportunidades iguais para todos poderem competir e empreender. Ele cita que quando olhamos para o passado, há 240 anos, Adam Smith, um filósofo do liberalismo, já defendia que a riqueza de uma nação se definia pelo grau de liberdade do seu povo. Liberdade para empreender, tirar a família da miséria, gerar riqueza e bem-estar com dignidade e inclusão social.
Embora seja uma meta ambiciosa, mandar a pobreza da favela para o museu, Bethlem defende que o sonho de Lyra é possível de cumprir, se todos na sociedade fizerem uma pequena parte. Ele acredita que o grande caminho para os moradores das favelas é empreender, não apenas para seus vizinhos, mas também para fora da comunidade. “Serão necessárias muitas parcerias com empresas bem-sucedidas para auxiliar nessa alavancagem, demandando seus produtos e serviços”, defende.
Edu Lyra: futuro Nobel da Paz?
A tarefa de levar o Favela 3D para todas as comunidades brasileiras e erradicar a pobreza antes que Elon Musk colonize Marte, não é uma tarefa simples, segundo os especialistas consultados pela reportagem. É uma missão para falcões.
Para Mauro Rodrigues da Cunha, membro do Conselho de Administração da brMalls, que participa de um curso de ESG da Gerando Falcões, o objetivo é ambicioso, mas não poderia ser de outra forma. “Edu Lyra tem o mérito de fazer as pessoas se desafiarem, se perguntarem se é possível”, comenta. Segundo Mauro, a meta é viável, se todos os diversos atores da sociedade colaborarem. “É a pré-condição para chegarmos lá”, afirma.
Rebecca Tavares, CEO da BrazilFoundation, acredita que colocar um prazo para pôr um fim à desigualdade e pobreza nas favelas é uma meta audaciosa, mas totalmente possível com parcerias público-privadas para melhorar e estimular a economia a nível local. Além de acreditar na missão de Lyra, a BrazilFoundation se tornou uma grande apoiadora dos projetos da Gerando Falcões. Rebecca conta que a ONG já recebeu o aporte financeiro e técnico da instituição, assim como de outras organizações que integram a rede. Recentemente, foi criado o Fundo Gerando Falcões da BrazilFoundation, que cuidará da distribuição de todos os recursos captados por Lyra nos Estados Unidos.
O empreendedor social será homenageado pela BrazilFoundation, no dia 28 de outubro no jantar anual da instituição em Nova York. “Escolhemos Edu Lyra, por seu perfil como líder social, que começou com um empreendimento pequeno e hoje atua em todo o Brasil atendendo milhares de famílias em favelas do país todo”, cita Rebecca. Para ela, Lyra soube aproveitar as oportunidades sociais e expandir sua atuação para melhorar a vida da parcela mais pobre da população brasileira que vive na favela.
Além da BrazilFoundation, Lyra conta, em sua rede, com o apoio de grandes nomes do PIB brasileiro. Segundo o empreendedor social, a rede Gerando Falcões tem 2 mil doadores recorrentes na plataforma e um ecossistema com mais de 180 empresas que aportam recursos de diversas formas, desde projetos que garantem a dedução do imposto de renda delas, programas de tecnologia e capacitação de jovens, ou a criação de produtos com o lucro destinado para a Gerando Falcões.
Para transformar a pobreza da favela em peça de museu, Lyra montou um time ‘peso-pesado’ de investidores com posições no board, o que garante a sustentabilidade financeira de toda a operação e viabiliza a caminhada de longo prazo, segundo o empreendedor social. Entre os ilustres conselheiros estão expoentes do PIB brasileiro, como: Elie Horn (Cyrela) Flávio Augusto (Wise Up), Guilherme Benchimol (XP), Rubens Menin (MRV), Carlos Wizard (Grupo Sforza), Ana Maria Diniz (Península Participações), André Gerdau (Grupo Gerdau), Eugênio Mattar (Localiza), entre outros.
Sem contar o seu principal fã, o empresário Jorge Paulo Lemann, que já declarou publicamente o seu apoio a Lyra inúmeras vezes e até apontou durante o recente jantar beneficente em Nova York, que Lyra pode ganhar o Nobel da Paz se conseguir resolver os problemas das favelas do Brasil, com seu projeto Favela 3D. “Acredito no Edu Lyra como empreendedor competente e tento apoiá-lo nos seus projetos. Mas como todo bom empreendedor ele decola e voa por conta própria”, afirmou Lemann à Revista RI.
Guilherme Benchimol, CEO e fundador da XP, também apontou à RI que está convicto que Edu Lyra é um dos mais importantes líderes de toda uma geração que está transformando o país para melhor e o citou como um exemplo de empreendedorismo social no mundo todo. “O impacto que ele gera é transformacional. O Edu toca no coração das pessoas e pode inspirar milhões de brasileiros a buscar soluções que geram lucro social”, cita. Para Benchimol, o que vai liberar o Brasil e transformá-lo no país que tanto sonhamos é aumentar o número de empreendedores, porque são eles quem inovam, contratam e fazem a economia girar dentro dos seus ecossistemas. “Sem dúvida, o Edu traduz isso de uma forma única”, reforça.
Produtos Sociais
Em agosto último, Edu Lyra, anunciou Taís Araújo como sua nova head de produtos sociais. O propósito da atriz e apresentadora é colaborar na cocriação e desenvolvimento de produtos e projetos que causem impacto social, desde o início da concepção até o fechamento de ações em áreas como comunicação, parcerias, educação e marketing, entre outras áreas. “Estamos extremamente honrados em ter a Taís no nosso time de falcões. Em seus trabalhos, ela estimula debates sobre tabus sociais e defende a bandeira da igualdade de gênero e raça em diversos setores da sociedade. Esse posicionamento está alinhado ao da Gerando Falcões: de derrubar muros e construir pontes entre o negro e o branco, o rico e o pobre, a favela e os bairros nobres. Por isso, ninguém melhor do que ela para colaborar no desenvolvimento de nossos produtos e projetos sociais”, destaca Lyra.
“Faz muitos anos que eu tenho envolvimento com projetos sociais, mas nada muito diretamente. E eu sempre tive muito desejo de ter um trabalho meu. Mas chegou um momento em que me dei conta de que já existem muitas ONGs. Eu não preciso inventar a roda. O que é preciso é fazer a roda girar, talvez numa velocidade mais intensa, mais rápida. E pensei: ‘Qual a contribuição que eu posso dar para isso?”, conta Taís. “Ao pesquisar sobre projetos sociais, eu encontrei a Gerando Falcões, conversei muito com o Edu, e fiquei encantada com toda logística e organização de produção do trabalho deles. Pedi um emprego na organização e ganhei! Hoje sou head de produtos sociais. Estou muito animada”, completa.
A primeira ação da atriz como colaboradora da Gerando Falcões foi a participação em um filme publicitário, produzido com apoio do banco BV, que pretende incentivar e promover o bazar-escola, iniciativa da ONG que arrecada doações de móveis, eletrodomésticos, livros, roupas e calçados para serem vendidos a preços mais baixos que os tradicionais na unidade física da organização em Poá (SP) ou na loja online. A participação, também inclui reuniões mensais entre a colaboradora e a diretoria da Gerando Falcões, além de imersões presenciais de Taís nas favelas nas quais a ONG atua.
Poder Público
Na esfera política e poder público, Lyra também encontra apoiadores, é o caso da ex-vereadora de São Paulo, pesquisadora e ativista, Soninha Francine que acredita na missão do empreendedor social de erradicar a pobreza. Segundo Soninha, se não acreditarmos não nos empenharemos. “Se desacreditarmos dessa possibilidade, vamos queimar na largada. Mas o Edu Lyra já disparou e ele não corre sozinho”, afirma. Para Soninha, acreditar no Favela 3D será o ingrediente fundamental para mover mundos e fundos, e empreender em tamanha jornada.
Na visão dela, o segredo para Lyra diminuir a distância de 9 gerações entre a favela e a Faria Lima, está na moradia. Soninha defende que esse é o item mais difícil de se conquistar pelo próprio esforço e depende do apoio que ele conseguir envolvendo o poder público. “As pessoas podem até se virar para comer, estudar, ter acesso a tecnologia de ponta, mas um lugar decente para morar, com água encanada, esgoto tratado, ventilação, cômodos em número suficiente, bem localizado e bem servido de serviços urbanos básicos, é algo que só pode ser garantido com forte envolvimento do Estado”, aponta.
Ela reforça que sem moradia digna, alguns segmentos da sociedade são bem-sucedidos enquanto os pobres ficam mais excluídos, precisando se mudar cada vez para mais longe. “A distribuição mais equitativa do acesso ao solo urbano valorizado é crucial para as pessoas não se espremerem em ilhas (ou continentes) de miserabilidade”, comenta.
F de Falcão e S de Social
A capacidade de mobilização sempre fez parte do DNA de Edu Lyra, quando começou a empreender aos 23 anos e escreveu seu primeiro livro “Jovens Falcões”, conseguiu reunir um time de 50 jovens para vender os exemplares na periferia e na favela por R$ 9,90. E, com os recursos, arrecadados de porta em porta, ele fundou a ONG Gerando Falcões em 2011.
Anos depois seria esse mesmo espírito que o levaria a reunir grande parte do PIB brasileiro entre seus apoiadores. Mas não é um mistério que a sua grande inspiração foi a D. Maria Gorete, sua mãe, que incansavelmente lhe lembrava: “Não importa de onde você vem, mas sim para onde você vai”.
Em entrevista à Revista RI, D. Maria Gorete apontou que a principal lição que ela passou ao filho foi a da superação. “Desde o nascimento, e ele já crescido, tivemos que superar juntos a falta do que comer, do que vestir e até casa para morar. Sabemos o que é superar e empreender em meio às dificuldades da vida”, conta.
Forjado na força dos falcões, foi assim que surgiu Edu Lyra. Hoje, vivendo em condições melhores, D. Maria Gorete continua sendo sua principal rocha, ela aconselha outras mães das comunidades e favelas à nunca desistirem dos seus filhos e dos objetivos deles, que pode mudar em 360 graus uma vida. “Acredito que será possível levar a pobreza das favelas para o museu antes de Marte ser colonizado. Se todos se engajarem, pegarmos na ponta da corda e segurarmos até o final, isso será possível”, afirma ela.
Para pegar a ponta da corda e segurar com firmeza, um pilar se faz necessário: o Social. Recentemente, com o apelo de investidores e consumidores as tendências ESG (ambiental, social e de governança), o S de social vem ganhando mais espaço. Mesmo que pareça papo apenas de empresas e de mercado financeiro, são os Empreendedores Sociais os grandes propulsores desta mudança. Mais “Edus”, espalhados ativamente pelo Brasil.
Para Rebecca Tavares, da BrazilFoundation, o trabalho desenvolvido pela Gerando Falcões se encaixa perfeitamente no pilar social e no desenvolvimento de lideranças a nível local. “Essas lideranças sociais são agentes capazes de construir comunidades mais fortes, fortalecendo a democracia, a educação e a economia de uma região”, defende.
Bethlem, do Capitalismo Consciente, defende que quando se fala de ESG, é necessária uma contextualização de que os pilares Social, Ambiental e de Governança não são apenas objetivos e sim práticas diárias. Em relação ao pilar Social ele defende que não devemos cuidar apenas do “S” externo às empresas, ou seja, a comunidade, e sim do interno, garantindo dignidade aos colaboradores, fornecedores e clientes. “Sem garantir o “S” interno, não será possível a existência do olhar social externo tão importante na filantropia”, afirma.
Para ele, empreendedores sociais como Edu Lyra podem mudar um problema profundo da sociedade brasileira: a maximização da riqueza priorizando a individualidade. “Não adianta apenas reclamar, para garantir um futuro para todos, precisamos construir um ambiente onde todas as pessoas sejam capazes de trabalhar com dignidade, cuidar delas mesmas e suas famílias, e as economias progridam”. A Gerando Falcões levando um pouco desse olhar de pluralidade às empresas e executivos.
Recentemente, a GF lançou um curso de ESG para potencializar o tema junto às empresas, com um dos co-fundadores da Gerando Falcões, Lemaestro no comando. O objetivo é abordar temas relacionados a responsabilidade social, inovação no terceiro setor e como as empresas podem criar soluções no combate à desigualdade.
O curso que tem duração de três meses, e está em andamento, conta ainda com um módulo de expertise de favela, onde são apresentadas aos empresários as boas práticas de inovação, criatividade e empreendedorismo produzidas na escassez. Um dos participantes do curso é Mauro Rodrigues da Cunha, membro do Conselho da brMalls, que enxergou no programa ESG da Gerando Falcões, uma oportunidade única de acelerar as reflexões necessárias para implementar uma real cultura ESG, com foco no pilar social.
Mauro contou à RI que uma das experiências mais importantes foi a visita ao Morro da Providência, favela do Rio de Janeiro, que permitiu aos empresários ter um contato direto e sincero com as pessoas conectadas na realidade social dessas comunidades. “A imersão foi apenas o primeiro passo, mas abriu nossos horizontes para buscar um entendimento maior, inclusive que o engajamento corporativo pode sim fazer a diferença mesmo diante de problemas que, olhando de fora, parecem intratáveis”, defende.
Segundo Edu Lyra, com uma década de história, a Gerando Falcões acredita que os próximos dez anos serão vitais para implantar métodos e soluções que unam a expertise da favela, setor privado, políticas públicas com a finalidade de gerar uma transformação sistêmica no país.
Uma década de impactos
Fundada em 2011, a Gerando Falcões completou uma década de história, com 1.545 favelas impactadas em 23 estados, totalizando 205.245 pessoas beneficiadas. A Gerando Falcões também conta com 138 ONGs no seu ecossistema.
A meta, segundo Lyra, é até 2023 desenvolver 3.342 líderes, acelerar 100 unidades e impactar mais de 10 mil favelas. Para este objetivo, a ONG utiliza um plano estratégico elaborado com auxílio de um dos seus principais parceiros: a Accenture, que desde 2016 passou a atuar lado a lado com a Gerando Falcões.
Segundo Matthew Govier, diretor executivo da Accenture Strategy, nos últimos cinco anos, foram implantados mais de 15 projetos na Gerando Falcões, ampliando o impacto que a ONG já tinha em comunidades no entorno da sua sede em Poá, São Paulo, para outros estados. “O Edu Lyra e as lideranças da organização sempre tiveram uma visão muito inspiradora e, desde que o projeto nasceu, a nossa parceria é de longo prazo”, comenta.
Entre os projetos mais marcantes da primeira década do Gerando Falcões, Edu Lyra cita:
- O Bazar: A iniciativa que foi inaugurada em 26 de novembro de 2020, contou com uma doação inicial de R$ 500 mil do Guilherme Benchimol, para criar um bazar que funcione com base da economia circular. Todos os produtos novos e usados doados à ONG, são colocados à venda até 70% mais baratos do preço de mercado, permitindo o acesso a bens de consumo para a população de baixa renda. Os ganhos arrecadados são reinvestidos em programas de transformação nas favelas e periferias. Além destes dois benefícios, a Gerando Falcões capacitou jovens para participar das oficinas do Bazar e aprender e ganhar uma experiência de trabalho. Eles passam por um treinamento de 6 meses, onde aprendem sobre trabalho em equipe, empreendedorismo, assertividade, supervisionados por uma equipe da área pedagógica e psicológica.
- O Favela-X: plano para acabar com a pobreza das favelas antes de Marte ser colonizado por Elon Musk. Lyra traçou um paralelo com o programa utilizado no Space-X de Musk, aplicando tecnologia e estratégias para colocar a pobreza no museu. O Favela-X está sempre em busca de doadores recorrentes, voluntários e colaboradores para a rede de ONGs da Gerando Falcões.
- Falcons University: é uma universidade da favela para a favela, que trabalha com 10 pilares do Banco Nacional Comum Curricular, com destaque para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Por meio deste programa, a Gerando Falcões desenvolve novos líderes para interromper o ciclo de pobreza intelectual, emocional e técnica. O programa tem duração de 6 meses e é gratuito, destinado também para a formação de líderes com mais de 20 anos que terão o objetivo de expandir e melhorar a estrutura de outras ONGs nas comunidades, para solucionar a desigualdade do país.
Segundo Govier, da Accenture, o objetivo é replicar o sucesso alcançado pela Gerando Falcões democratizando esse conhecimento para os jovens. “Eles deixam de ser executores de impacto e se tornam orquestradores capazes de conectar e compartilhar estratégias, metodologias e aprender com essa rede de líderes sociais”, diz. A Accenture participou do projeto com a criação de trilhas de aprendizagem, recomendações tecnológicas. E durante a pandemia, foi criado o aplicativo Gerando Educação para que jovens atendidos pelas oficinas continuassem recebendo conteúdo e se preparando a distância. Cerca de 10 mil jovens foram conectados pelas aulas online. Dentro do trabalho educacional, a Falcons University também contempla um curso de ESG para empreendedores sociais e empresários, com carga de 125 horas e duração de 3 meses.
- Programa de Aceleração: tem o objetivo de potencializar o trabalho de ONGs de alto impacto na Gerando Falcões durante quatro anos. As organizações escolhidas recebem apoio financeiro, mecanismos de desenvolvimento institucional, gestão e metodologia. As unidades aceleradas são escolhidas por meio dos líderes formados na Falcons University.
Além destes programas tem o Favela 3D, citado no começo desta reportagem, o Crédito Social que teve como parceiro o Banco BTG e um aporte de R$ 3 milhões para conceder crédito a microempresários da rede Gerando Falcões com taxa de 6% ao ano. E o Corona no Paredão, com doação de 400 mil cestas básicas digitais e um valor de R$ 25 milhões. Este valor foi distribuído por meio de um cartão refeição, no valor de R$ 100, para as pessoas comprarem produtos de sua necessidade, movimentando a economia de suas comunidades, durante o período de três meses.
O movimento inspirou também os funcionários da Accenture, que arrecadaram 10 mil cestas em menos de 1 semana. “A história fez tanto sucesso que chegou a nossa presidente global Julie Sweet, que fez uma doação de US$ 5 milhões destinados a auxiliar pessoas no Brasil, uma boa parte desse fundo foi destinado a compra de cestas da Gerando Falcões”, lembra Matthew Govier.
O que esperar da próxima década?
Após uma década intensa de trabalho, a Gerando Falcões já se prepara para os próximos dez anos que podem ser os mais decisivos de sua história de erradicar a pobreza e desigualdade. Para isso, a Accenture já se encontra preparando um novo plano estratégico que deve usar a expertise adquirida pela Gerando Falcões como referência no terceiro setor brasileiro. O objetivo, segundo Govier, é ter um sonho grande que desafie a organização e guie os esforços da Gerando Falcões na próxima década, um sonho que seja do tamanho dos desafios sociais do Brasil.
Para o diretor executivo de Accenture, entre estes desafios sociais, se encontram: melhorar a educação para gerar mais oportunidades para as pessoas, preparar as favelas e comunidades para ter empregos do futuro, levar inovação e tecnologia para alavancar soluções, enquanto problemas básicos como a fome também são contemplados.
Olhando para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), Govier cita que a estratégia da Gerando Falcões da última década já contemplava a ODS 1 (Erradicação da Pobreza), ODS 10 (Reduzir as Desigualdades), ODS 3 (Educação de Qualidade) e ODS 8 (Trabalho Digno e Crescimento Econômico). Todos estes objetivos também estão presentes no projeto mais ambicioso, o Favela 3D.
Além destes, ODS relacionadas a Pluralidade e Diversidade, como a ODS 5 e a ODS 2 (Erradicação da Fome) permeiam a estratégia da ONG. “A ODS 17 relacionada a parcerias também é vital para mobilizar outras organizações do terceiro setor, setor público e empresas”, comenta Govier. Ele afirma que o planejamento estratégico da próxima década deve continuar contemplando estes objetivos de desenvolvimento, mas com mente aberta para novos caminhos e prioridades.
Um deles será levar a inovação digital às favelas como alavanca de redução de pobreza e desigualdade. “Uma das novas frentes de trabalho com a Gerando Falcões será conectar a favela com tecnologias de ponta desenvolvidas no Brasil e no mundo”, apontou Govier, da Accenture. Desta forma, mais pessoas serão conectadas com oportunidades de renda na economia digital.
Com todas essas prioridades na visão do falcão Edu Lyra, quem será que decola antes? O Elon Musk ou o olhar social dos brasileiros? A resposta é um compromisso de todos nós.