A expressiva presença de lideranças corporativas foi destaque durante a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26). Nas discussões relacionadas à transição para uma economia de baixo carbono, um dos temas de interesse entre os executivos foi a agenda Net Zero. Muitas empresas se comprometeram com metas para 2050, outras foram mais agressivas e apostaram em 2030 – mas poucas se responsabilizaram por ações concretas a serem postas em prática nas décadas que estão por vir.
Segundo o Fórum Econômico Mundial, o setor privado conta, hoje, com mais de 1.500 empresas empenhadas em neutralizar as emissões de carbono até 2050 ou antes, triplicando o número de corporações com metas Net Zero voluntárias desde 2019. O mercado financeiro, por sua vez, possui algumas iniciativas internacionais, como a Net Zero Asset Managers Initiative e a recém instituída Glasgow Financial Alliance for Net Zero, que conta com 450 instituições financeiras responsáveis por 130 trilhões de dólares em ativos.
Consumidores e investidores demonstram uma crescente preocupação com questões ambientais na hora de nortear seu comportamento. Em contrapartida, estudo realizado neste ano pela Universidade de Oxford com mais de quatro mil empresas demonstrou que apenas 19% possuem metas de Net Zero, sendo que, destas, somente um quinto tem compromissos baseados em critérios consistentes.
Com o aumento da cobrança por iniciativas sustentáveis, sairão na frente as organizações que conseguirem apresentar à sociedade e aos investidores uma mensuração clara da sua pegada de carbono atual e um verdadeiro empenho em encontrar alternativas para, desde já, limitar suas emissões. Além de melhorar sua reputação diante do mercado, a adoção de uma estratégia qualificada de Net Zero resulta em ganho operacional para a empresa, uma vez que será necessário refletir a respeito de toda a sua operação para identificar gargalos e resolvê-los com medidas inovadoras pautadas na ciência.
O debate acerca das emissões líquidas zero ganhou força com o Acordo de Paris em 2015 e a partir da publicação, em 2018, do Relatório Especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) que estimou os impactos causados pelo aquecimento global em 1,5°C e 2°C acima dos níveis pré-industriais. A diferença de apenas meio grau parece pouca, mas os impactos seriam mais significativos com o aquecimento limitado a 2°C: mais pessoas estariam expostas a ondas de calor pelo menos uma vez a cada cinco anos (14% da população global para 1,5°C e 37% considerando 2°C); o degelo no Ártico seria dez vezes pior, ocasionando o desaparecimento de países-ilha; e a extinção de vertebrados e plantas duplicaria, enquanto a de insetos triplicaria.
De acordo com o IPCC, para manter o aquecimento em 1,5°C é preciso alcançar as emissões líquidas zero até 2050 – o que significa dizer que, além de reduzir ao máximo as emissões de dióxido de carbono, deve-se neutralizar o impacto de quaisquer emissões residuais, utilizando soluções tecnológicas ou baseadas na natureza. No âmbito corporativo, é fundamental eliminar e neutralizar, também, as emissões geradas por toda a cadeia de valor, desde o fornecedor até o cliente final.
Antes de pensar em compensar e neutralizar emissões, no entanto, as empresas precisam priorizar a descarbonização das suas atividades. O mercado de carbono é uma alternativa na trajetória até 2050, mas para efetivamente alcançar o Net Zero é preciso propor uma estratégia robusta de redução das emissões para, então, complementá-la com compensação e neutralização. Segundo a Science Based Targets initiative (SBTi), enquanto a compensação trata da compra de créditos de carbono – que podem ser mais ou menos relevantes na mitigação do impacto climático –, a neutralização consiste em remover da atmosfera, de modo definitivo, o volume de emissões que não tenha sido possível eliminar por motivos tecnológicos ou de materialidade.
Além de promover o engajamento com a agenda, as empresas devem cumprir, de fato, aquilo que propõem e essa tarefa começa ainda no desenho da sua estratégia. Para auxiliá-las na padronização desse processo, em outubro deste ano a SBTi divulgou critérios a serem adotados ao estipular metas corporativas de emissões líquidas zero.
Mais do que colocar promessas no papel, é importante que as organizações pensem em metas ambiciosas, porém, eficientes e tangíveis, com cronograma estipulado, revisões durante o percurso e mecanismos de mensuração que permitam verificar se os objetivos estão sendo atingidos. Para a SBTi, as metas relacionadas ao clima devem se respaldar nos seguintes princípios:
Para as empresas estarem alinhadas às recomendações da SBTi e terem um bom plano de atuação nas questões climáticas, muito mais do que estabelecer metas para 2030 ou 2050 e esperar pelo avanço tecnológico das próximas décadas, é preciso mudar agora, definindo o passo a passo do que será feito para reduzir e neutralizar as emissões, e explicando como isso ocorrerá ao longo do tempo.
Em 2050, é possível que ainda não tenhamos encontrado todas as respostas e soluções sobre Net Zero, mas até lá devemos pavimentar o caminho com objetivos concretos, traçando uma rota de descarbonização e apontando, com credibilidade e transparência, como ela será trilhada. Só assim será possível evitar o descompasso entre a promessa e a prática.
Lauro Marins
é Gestor e Engenheiro Ambiental, especialista em supply chain pela Universidade de Columbia e Head de Consultoria ESG e Mudança Climática na Resultante.
lauro.marins@resultante.com.br
Daniel Carvalho
é especialista em Mudanças Climáticas e Consultoria ESG da Resultante, graduado em Engenharia Ambiental e mestre em Planejamento Energético.
daniel.carvalho@resultante.com.br