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A Radar Pet 2021, pesquisa elaborada pelo Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan), entidade que congrega 91 empresas responsáveis por cerca de 90% do mercado brasileiro de medicamentos veterinários, o número de animais domésticos de estimação, ou Pets, nos lares brasileiros cresceu 30% durante a pandemia.
Segundo a pesquisa da American Veterinary Medical Association, 85% dos donos de cães e 76% dos donos de gatos consideram seus animais de estimação como parte das suas famílias.
O faturamento do setor de pet no Brasil superou a marca de R$ 50 bilhões no ano passado, um aumento de 25% em relação a 2020. Já, a pesquisa realizada pela Fintec Olivia, demonstrou que os gastos médios com os Pets foram de R$ 237 entre os usuários do assistente financeira virtual.
Todo este crescimento tem gerado empregos e oportunidades de negócio. Um levantamento feito a partir de dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), entre 2019 e 2021, apurou que o número de trabalhadores formais na área de atividades veterinárias cresceu 46,5%. No mesmo período a estimativa é de que o setor ganhou cerca de 23 mil novas empresas, com um aumento de mais de 30%.
Eu morei meus primeiros anos de vida em uma fazenda, no interior de Santa Catarina, onde os cachorros eram alimentados com as sobras das refeições dos seus donos. Hoje, mesmo no interior, a realidade tem mudado rapidamente. Um amigo veterinário da região contou-me sobre um atendimento em que a cliente, desesperada, queria que o gato de estimação fosse submetido com urgência a lavagem intestinal porque o bichano tinha comido um rato.
No último século houve uma significativa mudança na convivência entre homens e animais domésticos – relação que existe há cerca de 50 mil anos, desde que lobos passaram a seguir grupos de hominídeos para aproveitar os restos de alimentos ou carcaças deixadas pelos caçadores e coletores.
Os homens logo perceberam que a proximidade das matilhas poderia ser útil. Os lobos conseguiam dar alarme da presença de outros animais selvagens, muito antes de os ouvidos humanos os identificarem. Além de proteger e vigiar as aldeias, os lobos domesticados mostraram ser úteis nas caçadas.
Segundo as teorias mais aceitas, essa parceria foi sendo lentamente estreitada nos milênios seguintes. Os lobos mais agressivos iam sendo descartados. Os mais dóceis foram selecionados e por sucessivos cruzamentos deram origem ao cão doméstico. Já os gatos ganharam espaço nas casas após o surgimento da agricultura. O armazenamento de cereais atraía roedores, que passaram a ser combatidos com a domesticação de felinos selvagens.
Ao longo dos séculos, cães e gatos deixaram de ter um papel meramente utilitário e passaram a ser criados como companheiros dos donos. Mais recentemente, os bichos de estimação começaram a ser vistos como filhos ou irmãos em boa parte dos lares, conforme revelam algumas pesquisas de comportamento.
Para a professora Andrea Laurent-Simpson do departamento de Sociologia, de Southern Methodist University, a família está mudando e estamos cada vez mais aceitando a ideia de que existem famílias multi-espécies onde o cachorro e o gato não são mais apenas animais de estimação, mas passaram a fazer parte das famílias, ganharam o status de membros da família. Em seu livro, Just Like Family: How Companion Animals Join the Household, a estrutura familiar ocidental está se remodelando para incluir espécies não humanas.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2019, 46,1% dos domicílios brasileiros tinham pelo menos um cachorro e 19,3% tinham gatos. Não tenho dados mais recentes, mas, como vimos o crescimento durante a pandemia foi significativo.
No sermão da primeira audiência geral do ano, no Vaticano, o Papa Francisco lamentou que os animais de estimação “às vezes tomem o lugar das crianças” e afirmou que os casais que optam por ter cães e gatos em vez de filhos exibem “um certo egoísmo”. Segundo o Papa, “Muitos casais não têm filhos porque não querem ou têm um só e chega, mas têm dois cachorros, dois gatos que tomam o lugar dos filhos”. O pontífice ainda disse que “isto é uma negação da paternidade e da maternidade e isto nos diminui, tira nossa humanidade”.
Essa “humanização” e grande aumento no número de pets reflete na conta bancária de quem tem bichos de estimação. Como os bichos passaram a ser considerados membros das famílias toda despesa acaba sendo justificada, o que pode afetar seriamente as finanças de uma família.
Recursos médicos avançados que faltam em muitas unidades de saúde – como exames de ultrassom, ressonância magnética e tomografia computadorizada – já podem ser encontrados nas principais clínicas veterinárias. Os sofisticados procedimentos prolongam a vida dos animais domésticos e aumentam de forma astronômica as contas dos serviços veterinários. O valor do tratamento para algumas doenças crônicas passa facilmente de R$ 10 mil. Quando não há recuperação, os donos chegam a gastar R$ 2 mil com velórios e cremações.
Sabendo disto, muitas famílias têm buscado os planos de saúde para seus animais. Estima-se que entre cem e cento e cinquenta mil animais domésticos estejam cobertos por planos de saúde no Brasil. A expectativa do mercado é que, dentro de três ou quatro anos, esse número passe de um milhão. Os planos mais simples custam em torno de R$ 80 e, os mais sofisticados, chegam a custar mais de mil reais.
Esse fenômeno de humanização dos animais domésticos exige que as famílias reflitam com cuidado antes de decidir ter um bicho de estimação. Além dos reflexos sentimentais e psicológicos, é preciso levar em conta também os impactos que a nova relação vai gerar nas finanças da família.
Aquele olhar irresistível que um animalzinho lança aos seus futuros donos pode gerar custos imensos. Custos não só com alimentação e saúde do animal, bem como, com adestradores, passeadores, recreadores, hotéis para os bichanos durante as viagens dos donos. Além de prejuízos com os estragos nos móveis que porventura podem ocorrer.
Como quase tudo na vida, a adoção de um animal de estimação é algo que precisa ser pensado e planejado.
Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br