O ambiente econômico mais complexo e incerto tornou a gestão das empresas mais desafiadora nos últimos anos em todas as partes do mundo. Segundo dados da FTI Capital, a França viveu um crescimento de 50% no número de falências em 2022 enquanto Inglaterra e País de Gales juntos viram suas empresas se tornarem insolventes no 2º trimestre de 2022 como não viam desde 2009 além de mais de 10% das companhias apresentarem um risco maior liquidação em agosto do ano passado.
E todas essas situações se referem a companhias que foram estabelecidas há anos e apresentavam lucros recorrentes, contudo repentinamente viram sua situação financeira sofrer dramática corrosão.
Ao observarmos as razões dessas dificuldades globais, que tem gerado forte compressão de resultados e aumento de alavancagem como consequência, identificamos eventos como mudanças de ciclos monetários promovendo alterações nas estratégias de financiamento corporativo, aumento de custos por inflação ou por mudanças nas cadeias de suprimentos, menor crescimento do PIB global, alterações nos padrões de consumo e até mesmo baixa experiência das lideranças empresariais em lidar com tantas e tamanhas incertezas. Esses e outros dados indicam para uma fratura na ordem econômica mundial, especialmente nas nações desenvolvidas, que está buscando ser cicatrizada com níveis maiores de autossuficiência e auto-proteção com o lento reshoring promovido pelo governo norte-americano, o duelo econômico entre China e Estados Unidos que gera impactos em níveis de investimentos diretos e até mesmo no mercado de renda fixa global, e a tentativa de reorganizar a economia do continente europeu ao mesmo tempo que se lida com resquícios de Brexit e da viva recessão alemã.
O Brasil também sofre com essa fratura. Dados da Serasa Experian até abril de 2023 apontam que foram decretadas 222 falências (11% para grandes empresas) e 319 recuperações judiciais deferidas (13% para grandes empresas) neste período, tais montantes representam incremento de 4% para as falências e 50% para as recuperações judiciais em relação ao mesmo período do ano passado ou 19% sobre as falências decretadas no 1º quadrimestre de 2021 e 42% para as recuperações judiciais diferidas no mesmo período. Uma das razões pode estar no ciclo monetário e de revisão de estratégias de financiamento corporativo desde 2017, quando a Selic começou a ceder de 13,75% para 13,00% e foram captados R$ 206 bilhões, até 2021, quando a trajetória de elevação da Selic começou a partir de 2,00% para 9,25% neste mesmo ano em que foram captados R$ 611 bilhões, vivemos algo como 75% da captação via mercado de capitais em renda fixa, o que acabou por se tornar um sinal de alerta e um potencial risco para as empresas que não dimensionaram e geriram de forma adequada e preditiva mudanças no ambiente econômico. Também não pode ser desconsiderado, ainda segundo dados da Serasa Experian até abril de 2023, um incremento nos níveis de inadimplência por parte da população adulta ao sair de uma média de 39% no primeiro quadrimestre de 2021 para atingir média de 43% este ano depois de passar por 41% no mesmo período do ano passado. Apesar das empresas brasileiras terem se tornado mais eficientes e melhorado seus resultados operacionais, o nível de endividamento superior a 58% (2021 – Serasa Experian) das empresas operando no Brasil é um detrator de rentabilidade. Tal contexto não é somente desafiador, mas também provocativo e estimulante para identificação de oportunidades visando tanto o incremento de eficiência do capital já alocado pelas companhias como para novos investimentos operacionais e de pesquisa e desenvolvimento.
A primeira alternativa que se pensa passa pelas operações de fusões e aquisições (M&A), muito mais pela perspectiva das aquisições dado que muitas companhias recorrem para a redução de alavancagem por meio de vendas de ativos. A conquista de ganhos de eficiência operacional no passado criou linhas de negócios, que podem ser subsidiárias (o que torna o processo de M&A mais simples em termos de transparência e segregação) ou segmentos de produção (mais complexo no que tange identificação de custos, inclusive de Capex, logística e rentabilidade), de elevada atratividade operacional geridas por companhias que enfrentam dificuldades para administrar suas despesas financeiras ou mesmo precisam reduzir seu nível de EBITDA/Dívida para que não sejam acionadas cláusulas de garantias ou o processo de novos financiamentos se torne mais restritivo, inclusive pela perspectiva de custo de captação dado o risco potencial.
Segundo pesquisa realizada pela FTI Capital, esse mecanismo de reorganização estratégica do patrimônio das empresas ganhou um volume expressivo em nosso país ao longo dos quatro meses iniciais deste ano quando 49% do volume transacionado foi relacionado a ativos de boa qualidade administrados por empresas que precisavam reduzir sua alavancagem ou passam por processo de recuperação judicial ou conta com acionistas sob desafios financeiros; tal volume é muito maior do que se viveu em 2021 (9%, ano inteiro) e 2022 (11%, ano inteiro) e deve se confirmar como uma tendência para os próximos meses – até mesmo início de 2024 – dado ser um movimento altamente associado ao ambiente macroeconômico e seus desdobramentos microeconômicos.
Essa realidade não se observa só em um setor específico da economia brasileira segundo o que pode ser capturado pela informação disponibilizada pela Kroll ao registrar que o agronegócio, destaque brasileiro ao longo dos últimos anos após atingir seu ponto mínimo – 18,6% PIB – em 2014 e apresentar retomada bastante consistente até atingir 24,4% PIB do Brasil em 2022 segundo Macroeconomia Agro Cepea-Esalq/USP, acumulou 17 transações nos primeiros quatro meses desse ano e R$ 1 bilhão transacionado (R$ 59 milhões de ticket médio); isso significa em quatro meses o mesmo que 68% do número de transações no setor em 2021 e 59% do total do ano passado inteiro, além disso: significam quase 4% do total de negociações em 2023, muito superior aos 2% do ano passado e 2,6 vezes maior do que em 2021.
Apesar de ser uma alternativa justa e que tem se democratizado, as operações de M&A também podem gerar dores para os compradores (custos de integração e perda de eficiência são potenciais ofensores) e especialmente para os vendedores (se desfazer de um ativo saudável pode ter impactos negativos no: custo de capital da operação remanescente/não negociada, moral e engajamento das equipes que permanecem na empresa vendedora, percepção de marca, e dissensões familiares nos casos de empresas familiares), de modo mais agudo em casos que envolvem cisão.
Desta forma é muito provável que eventuais assimetrias entre oportunidades e desafios sejam mais favoráveis ao comprador; assim, tal estratégia de reorganização deve ser avaliada de modo ainda mais criterioso pela perspectiva do vendedor. Uma vez que todas as companhias, em todos os setores e em seus mais diferentes estágios de crescimento, podem ser potenciais vendedoras de linhas de negócios, subsidiárias ou mesmo de fração ou totalidade da operação, as estratégias de alocação de capital devem estar sob constante desafio quanto a sua eficiência em termos de riscos frente ao retorno esperado e capacidade de contribuir com a perenidade das operações.
Os últimos anos demonstraram os aspectos positivos e fragilidades embarcados na teoria de trade-off, na qual se entende que existe um ponto ótimo para o capital de terceiros (endividamento), capaz de maximizar o valor econômico da empresa, em função de ser menos oneroso do que o capital próprio (ações), e também, do benefício fiscal, dado que o serviço de dívida reduz a base de lucro tributável; sendo esse ponto ótimo a razão entre capital próprio e de terceiros que gera mais benefícios para a companhia do que os prováveis custos de uma eventual falência gerada pelo incremento dos custos fixos por meio de dívida.
Desta forma, a busca dinâmica por alternativas de não ocupar o balanço da companhia por meio de emissão de dívida e deixar a estrutura de custos a mais leve possível são mecanismos de geração de valor para os stakeholders e de perenização das companhias uma vez que amplificam os atributos positivos da teoria de trade-off. Tais alternativas podem ser categorizadas como off-balance sheet items e se aplicam sobre a grande maioria das decisões de alocação de capital das companhias.
Uma das alternativas de otimização de balanço e fluxo de caixa que deveria ser melhor explorada pelas companhias brasileiras é a de sales & leaseback, uma modalidade de captação de recursos na qual o proprietário de um imóvel o vende (sale) e imediatamente o aluga para seu uso (leaseback). Com isso pode ser obtido a aumento do ativo corrente e da estrutura de capital como um todo, redução da despesa tributária devido ao pagamento de aluguel, redução de exposição às despesas financeiras e consequente redução de risco, tudo associado a um valor de venda diferenciado para o imóvel – que contará com locatário cativo e sem necessidade de adaptações para ocupação – que irá contribuir positivamente com os ajustes do perfil de passivo e possibilitar recursos para investimentos na operação em si permitindo sua expansão a custo mais baixo. Um bom exemplo das operações de sales & leaseback já bastante utilizado no país pode ser encontrado em fundos de investimentos imobiliários comprando galpões de logística ou silagem.
Outra alternativa relacionada a off-balance sheet items é a utilização de corporate venture builders (CVBs), organizações que buscam identificar oportunidade no âmbito de inovação e desenvolver empresas a partir destas, assumindo desta forma a gestão de inovação e papel equivalente – até mesmo substituto em alguns casos – das estruturas de pesquisa e desenvolvimento com ganhos por mitigação de risco dada maior especialização e engajamento, que tem impacto positivo na gestão de equipes e adaptabilidade. Vale destacar que essa alternativa, utilizada em nosso país por empresas como Algar, Cyrela, DASA, e Unilever, contribui de forma decisiva para o desenvolvimento de novas linhas de negócios, o item mais relevante apontado por executivos de mais de 800 companhias ao redor do mundo pelo artigo Why business building is the new priority for growth (McKinsey, dezembro de 2020) e à frente – ainda que muito associado – de atender as mudanças de expectativas dos consumidores e se proteger de mudanças no ambiente competitivo (disrupção). Podendo ser considerado um ativo, pois pode ser constituído como veículo de investimento que tem início com integralização de capital e pode receber aportes de outros investidores que não a própria companhia que a formou, uma corporate venture builders pode proporcionar ganhos de capital por meio de suas investidas e pode ser aplicada em qualquer setor econômico, já ultrapassando 500 CVBs ao redor do mundo com aproximadamente US$ 50 bilhões alocados de acordo com Marco Aurelio Chaves M. Oliveira (diretor da Algar Telecom Venture Builder, dezembro de 2022).
Ainda que mais comuns, e mais simples para alguns deles, instrumentos como leasing operacional, fundos de direitos creditórios (FIDCs), e criação de sociedades de propósito específico (SPEs, seja na forma tradicional ou de joint venture) também são estratégia de capital a tratar como off-balance sheet items.
Dentro de um ambiente cada vez mais desafiador, no qual a eficiência e a inovação das estratégias de financiamento corporativo podem ser o rubicão entre um M&A na “ponta vendedora” e a perenização da companhia e manutenção da estrutura societária com mínima ou nenhuma alteração, as abordagens com base em off-balance sheet items devem ser avaliadas de modo recorrente, diligente e sempre observando as boas práticas contábeis e legislação tributária pertinente com o objetivo de não haver prática inadequada nem pela perspectiva legal tampouco pelo prisma ético.
Ao mesmo tempo que decisões de financiamento e gestão levaram ao crescimento nas aquisições de bons ativos, em um movimento que tende a continuar levando a subsequente redução de risco sistêmico e potencialmente gerando valor para compradores e stakeholders, tais decisões também espelham estratégias sub-ótimas pela perspectiva dos vendedores uma vez que, tomando por exemplo o destacado agronegócio brasileiro, não parece ser uma regra o fato de vender um ativo de qualidade em um setor cuja relevância como proporção do PIB cresceu 31% nos último oito anos gerar riqueza para o vendedor e demais stakeholders dado que estes perderão acesso a tal potencial de crescimento e assumindo que não atuarão em atividades com potencial e resultado igual ou maior (sempre ajustando pelo risco).
A utilização de itens extrapatrimoniais, ainda que geradores de ativos e passivos da companhia, podem manter índices mais baixos de alavancagem e mesmo de custos fixos, facilitando eventuais empréstimos ao deixá-los mais baratos em função de risco menor e evitando que covenants de títulos sejam violados. Assim, retorno sobre o patrimônio tende a crescer e valor econômico da companhia ser amplificado.
Roberto “Bob” Carline
é sócio-diretor da AFS Capital, investidor ativista em venture capital, membro da Comissão Temática de Empresas Familiares e Sucessão da Board Academy, e conselheiro consultivo. Ocupou posições de liderança no mercado de capitais em operações como Bradesco, Citigroup e HSBC. Profissional certificado CGA (ANBIMA) e embaixador do Capitalismo Consciente.
roberto.bob.carline@afscapital.com.br