Primeiramente, manifestamos o nosso profundo respeito pelas vítimas e flagelados das fortes chuvas e enchentes, sem precedentes na história do Rio Grande do Sul, pautada, aliás, por eventos climáticos graves, especialmente como o ocorrido no ano de 1941. Assim, sugerimos que os nossos leitores dediquem um minuto de silêncio aos irmãos gaúchos que partiram, antes de prosseguirem na leitura.
Nesta tragédia do Rio Grande do Sul, muitas pessoas tiveram suas vidas ceifadas e milhares perderam, além dos bens materiais, a memória afetiva de suas histórias familiares, pessoais e profissionais, com a destruição de imagens e documentos pelas águas em descontrole que têm castigado duramente o Estado. É doloroso o exercício de nos colocarmos no lugar dos irmãos gaúchos, a quem manifestamos integral solidariedade e os nossos votos de resiliência e superação. Abraçados pelo Brasil, o Estado e seu valoroso povo emergirão maiores e muito mais fortes!
Diante dessa calamidade, adiamos a conclusão do projeto ESG: uma partitura que está sendo escrita, prevista para esta edição da Revista RI, com o compromisso desta coluna de fechar na próxima edição a pesquisa de dois anos com conselheiras de administração altamente qualificadas, que trouxeram contribuições relevantes sobre Environmental, Social and Governance (ESG) e muito mais.
O balanço atualizado da Defesa Civil obtido pelo site do Rio Grande do Sul aponta, em 25/05/24, um cenário desolador, conforme dados abaixo:
Outras informações são prestadas no site: https://estado.rs.gov.br/defesa-civil-atualiza-balanco-das-enchentes-no-rs-25-5-9h.
É importante destacar que as buscas por pessoas desaparecidas têm sido extremamente dificultadas pelas águas que ainda não baixaram, por novas chuvas torrenciais e pela própria dimensão do ocorrido, que impactou amplas áreas do Estado do Rio Grande do Sul.
Neste artigo, nosso objetivo é apresentar uma análise prévia sobre a maior tragédia ambiental e social do Rio Grande do Sul e do povo gaúcho, à luz da Constituição Federal (1988) e de alguns instrumentos infraconstitucionais, além de apresentar possíveis contribuições da Ciência Administrativa à Administração Pública, não exaustivos. Nosso propósito é contribuir para a reflexão e compreensão dos eventos extremos ocorridos, acreditando que essa contribuição se aplica a outras crises com características similares e que têm ocorrido pelo nosso País, com enchentes e desmoronamentos e tristes impactos negativos sociais e ambientais, além dos econômico-financeiros.
Inicialmente, discorremos com brevidade sobre as características do Brasil determinadas pela Constituição Federal e o ordenamento jurídico mais amplo, à essa subordinado, como os direitos humanos, o povo como titular do direito à democracia, a característica federativa do Brasil, a existência dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e alguns aspectos da Administração Pública, como sua composição e princípios constitucionais.
Em seguida, mencionamos, em caráter informativo e brevemente, alguns instrumentos constitucionais e infraconstitucionais do ordenamento jurídico nacional relacionados aos eventos do Rio Grande do Sul, sem pretender esgotar as possibilidades.
Na sequência, voltamo-nos à Administração Pública e aos temas gestão e modelos de gestão do âmbito da Ciência Administrativa, nela buscando prospectar questões que nos ajudem a refletir sobre a tragédia do Rio Grande do Sul e a mitigar os riscos dos efeitos das mudanças climáticas. Ao final do artigo, para eventual consulta pelos leitores interessados em melhor conhecer e compreender alguns termos, apresentamos um breve glossário.
A catástrofe anunciada no Rio Grande do Sul poderia ter sido evitada, ao menos em boa medida, por investimentos em iniciativas e projetos de longo, médio e curto prazos, mas somente o diagnóstico acurado e independente do ocorrido trará aos brasileiros o conhecimento necessário para o melhor julgamento possível. Não poderíamos, portanto, focalizar aqui nas responsabilizações necessárias e que exigem análises técnicas e juridicamente fundamentadas. Ao mesmo tempo, observamos que os riscos de tragédias associados a mudanças climáticas têm sido previstos e requerem medidas substanciais e preparação para socorro emergencial, minimizando o sofrimento da população atingida.
Com visão de longo prazo, mencionamos alguns esforços para disseminar o conhecimento e definir políticas públicas voltadas às questões climáticas:
(i) BRASIL 2040: Cenários e Alternativas de Adaptação à Mudança do Clima de maio/2014, em parceria com diversas instituições e órgãos de governo, entre eles o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), SAE e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), de Modelagem Climática, visando a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a proteção do sistema climático, conforme disposto na Lei nº 12.187/2009, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima - PNMC e dá outras providências. Em um de seus entregáveis, o Relatório descrevendo o clima futuro de 2041-2070 (Produto 4), emitido em setembro/2014, as projeções para o clima futuro indicavam um aumento dos eventos extremos de precipitação na região Centro-Sul do Brasil (https://www.oc.eco.br/wp-content/uploads/2024/05/Produto4.pdf); e
(ii) Projeto BRA 12/2017 – Fortalecimento da Cultura de Gestão de Riscos de Desastres no Brasil de outubro de 2012, do Ministério da Integração Nacional, da Secretaria Nacional de Defesa Civil e de cooperação técnica internacional do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O objetivo geral deste projeto é promover o fortalecimento da cultura de Gestão de Riscos de Desastres no país nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal), por meio da capacitação, incentivo à pesquisa e desenvolvimento de novas metodologias e práticas relacionadas ao tema, intercâmbio internacional, e sensibilização da sociedade civil, mídia e outros atores com atuação no âmbito do poder público. Foi gerado o GIRD+10 – Caderno Técnico de Gestão Integrada de Riscos e Desastres, do qual destacamos: a definição de Gestão de Riscos e Desastres (GRD) –processo social permanente e contínuo, apoiado por estruturas institucionais e comunitárias, com o objetivo de enfrentar vulnerabilidades e ameaças presentes no território e o Quadro 2. Vulnerabilidade global e variáveis relacionadas a desastres que, segundo Wilches-Chaux (1993), contempla 11 dimensões – física, ambiental, econômica, social, educacional, cultural, ideológica, organizacional, política, institucional e técnica – necessárias para a construção de Indicadores de Vulnerabilidade Social a Desastres (IVSD). (https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/protecao-e-defesa-civil/Caderno_GIRD10__.pdf).
Análises e alertas climáticos são recorrentes na mídia e nas pesquisas cientificas. O que nos remete à pergunta: Quais investimentos e demais esforços deixaram de ser realizados, com o conhecimento prévio da possibilidade de ocorrência de eventos extremos de precipitação no Sul do País? Visto que a ocorrência em 1941 não foi suficiente para deixar como legado o monitoramento, o planejamento de dimensionamento dos diques, comportas e casas de bombas de drenagem e respectivas manutenções, sendo identificado que quase 50% das bombas não funcionaram nos momentos de maior precipitação em Porto Alegre. Esta é uma pergunta fundamental para o diagnóstico mencionado em parágrafo anterior. Dito isso, avancemos com a nossa contribuição.
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
A República Federativa do Brasil, por vezes aqui também tratada como República ou Federação, possui características fundamentais que a definem, sendo algumas das principais relacionadas brevemente a seguir:
Estas e outras características formam a base das estruturas jurídicas e políticas da República brasileira, estabelecendo direitos humanos e fundamentais dos cidadãos, criando as bases da democracia nacional, equacionando como o poder é exercido, distribuído e controlado e muito mais.
Com respeito à relação anterior, destacamos que os Três Poderes da República têm funções preponderantes, conforme explica o item 7. Todavia, cada Poder também tem funções que parecem típicas dos demais, autorizadas pela Constituição Federal. A função administrativa, por exemplo, está presente em todo o Estado, não apenas no Poder Executivo, embora neste, seja preponderante.
Enfatizamos também que os mecanismos de freios e contrapesos mencionados no item 7 asseguram o equilíbrio entre os Três Poderes, de maneira que nenhum deles exerça domínio absoluto. Um dos vários exemplos ilustrativos é a nomeação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF): o Presidente da República tem a prerrogativa de indicar Ministros, mas as indicações precisam ser aprovadas pelo Senado Federal.
Adiantamos, ainda, que a Administração Pública é pautada por princípios que a Constituição Federal estabelece, vistos no próximo bloco, e que precisam ser considerados pelos dirigentes dos entes federativos e organizações a esses associados.
Em suma, a governança do nosso País é complexa, envolvendo o povo brasileiro, entes federativos, poderes constituintes e uma Administração Pública com variadas estruturas a ela associados, a fim de que os brasileiros e estrangeiros em território nacional sejam respeitados em seus direitos. Como se pode perceber, neste parágrafo, o termo governança tem sentido distinto e mais amplo do que aquele da expressão governança corporativa.
ALGUNS INSTRUMENTOS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS
Em caráter informativo e à luz de características da República da relação anterior, apresentamos a seguir alguns instrumentos relacionados aos eventos do Rio Grande do Sul, os artigos 1º, 2º e 225 da Carta Magna:
Obs: Entram sete parágrafos, sendo que o parágrafo 1º dispõe sobre dispositivos para assegurar a efetividade do direito supracitado, relacionados a incumbências do Poder Público.
Com respeito aos dispositivos anteriores, observamos:
Como os dispositivos acima nos ajudam a refletir sobre a tragédia do Rio Grande do Sul e outras crise climáticas congêneres? Vejamos:
É fundamental destacar que os desafios da República ultrapassam amplamente as fronteiras do Rio Grande do Sul: os riscos climáticos, sua prevenção e tratamento são de interesse nacional. Chuvas acima do nível normal, enchentes e outros eventos climáticos com cunho catastrófico têm ameaçado e ocorrido em outros Estados e em vários Municípios, pelo território continental e socialmente desigual da Federação.
Ainda sobre a Carta Magna, é relevante destacar o artigo 37, que dispõe sobre a Administração Pública e os cinco princípios constitucionais explícitos:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
Apresenta-se, neste ponto, um quadro com os cinco princípios mencionados no dispositivo anterior, com seus significados resumidos, os quais se aplicam, de diferentes formas, a toda a Administração Pública e, obviamente, a tragédias ambientais, sendo que retornaremos a esses princípios adiante, ao tratarmos da gestão e modelos de gestão das organizações da Administração Pública.
L | I | M | P | E |
Legalidade | Impessoalidade | Moralidade | Publicidade | Eficiência |
PRINCÍPIO | DESCRIÇÃO | |||
1. Legalidade | Somente é permitido o que está previsto na legislação. | |||
2. Impessoalidade | O Estado deve agir sem beneficiar pessoas específicas, mas buscando o bem comum. O ato de um agente é o ato de um órgão da Administração Pública. | |||
3. Moralidade | A Administração Pública não deve ser pautada apenas pela lei, mas por padrões éticos. A atividade administrativa deve ser pautada pela honestidade, boa-fé, lealdade e probidade. | |||
4. Publicidade | Cumpre tornar público, divulgar atos oficialmente, para conhecimento geral, a fim de que a sociedade saiba o que acontece (exceto atos sigilosos, exceção). | |||
5. Eficiência | A atividade administrativa deve ser eficiente. O atendimento às necessidades da sociedade deve ser satisfatório, com zelo, celeridade e modicidade de preços. |
Vale ressaltar os instrumentos que conferem ao Poder Público poderes ordinários (são vários, com o fulcro da intercooperação entre os agentes) e extraordinários (como a intervenção federal em um Estado, art. 34, e o estado de defesa, art. 136 da Carta Magna), para lidar com situações de catástrofe, que não contemplamos neste artigo, por questão de espaço.
Quanto ao ordenamento jurídico infraconstitucional, isto é, subordinado à Carta Magna, também por questão de espaço apenas citamos alguns instrumentos, não exaustivos, tais como:
Com respeito à palavra riscos, esta aparece oito vezes no texto da Constituição Federal no momento em que elaboramos este artigo, não de forma diretamente relacionada à questão ambiental e a crises climáticas. Isso significa que o ordenamento jurídico nacional está desconectado dos riscos climáticos e de sua gestão? A resposta é um triplo não.
Ocorre que a Carta Magna estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República e se os seres humanos que estão no Brasil sofrem com as ameaças climáticas que impactam a sua vida e dignidade, é preciso protegê-los. Em segundo lugar, a Carta estabeleceu os princípios LIMPE, vistos anteriormente. Por fim, o artigo 225 completo (caput anteriormente apresentado) da Carta Maior e as normas infraconstitucionais são perpassadas pela preocupação com a prevenção.
Sugerimos aos leitores a consulta ao glossário final deste artigo que, a título de exemplo, apresenta termos definidos no Decreto nº 10.593, com forte conexão à gestão de riscos.
A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E SEUS DESAFIOS, À LUZ DA CIÊNCIA ADMINISTRATIVA
Após essa breve contextualização institucional da República brasileira, enfatizamos que esta coluna tem procurado contribuir, ao longo de uma década de existência, para a criação e a disseminação de modelos de gestão sustentáveis aplicáveis a organizações empresariais e não empresariais. Nosso trabalho tem sido preponderantemente embasado na Ciência Administrativa, sem perder de vista a imersão dessas organizações em uma economia de stakeholders.
Neste espaço, desenvolvemos os conceitos e defendemos as Orquestras Societárias (OS) – organizações comprometidas com a ética e boas práticas de governança corporativa e de sustentabilidade, suportadas por modelos de gestão sustentável.
Temos postulado, ainda, que os modelos de gestão são a chave de sucesso para a orquestração das dimensões fundamentais das organizações acima citadas. são os seus modelos de gestão, que devem coordenar corretamente. Essas dimensões compreendem: modelo de negócio & estratégia, estrutura, processos & tecnologia, projetos criados e implementados, bem como pessoas, reconhecimento & cultura, perseguindo com reflexão, letramento e técnicas a sustentabilidade.
As orquestras societárias e seus modelos de gestão, para criarem sinfonias corporativas, que são os resultados estrategicamente planejados, requerem propósito, ética, governança e sustentabilidade. A representação de uma Orquestra e do seu Modelo de Gestão Sustentável (MGS) pode ser vista na edição da Revista RI 281 (https://www.revistari.com.br/281/2212).
Refletir sobre orquestras societárias e modelos de gestão sustentáveis pode trazer insights relevantes à Administração Pública e às suas múltiplas organizações por todo o Brasil. E o primeiro insight é relacionado ao propósito e aos princípios éticos da Administração Pública, que precisam estar alinhados com a dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º da Carta Magna.
Quando as decisões tomadas ou não pelos líderes de uma organização da Administração Pública residem na origem ou no forte aprofundamento de uma crise ambiental, a pergunta inicial que não pode deixar de ser feita é: a dignidade da pessoa humana foi contemplada ou foram priorizados outros interesses? Ora, este é um questionamento baseado, simplesmente, em nossa Constituição Federal!
A resposta à pergunta acima se torna particularmente dramática, quando se evidencia que as tragédias ambientais de grandes proporções castigam, principalmente, a população mais vulnerável, exposta a riscos de todos os tipos, que vão além dos ambientais. E em um País com elevado nível de desigualdade social, a priorização dos interesses da população vulnerável é exigida por força de lei.
Além disso, entendemos que é fundamental questionar a ética, indagando se os princípios explicitados no artigo 37 da Carta Magna e vistos anteriormente, foram contemplados. Os princípios LIMPE foram observados previamente à crise ambiental que se considera? Estes são questionamentos baseados – novamente! – na Constituição Federal.
Como os leitores podem perceber, essas reflexões, associadas neste ponto do artigo à Ciência Administrativa, buscam conectá-la com a Carta Magna e relacionam-se a decisões de líderes políticos por toda a Federação, em seus Três Poderes. E cremos que os nossos dois questionamentos acima alcançam parte considerável do muito que precisa ser investigado e tratado.
Abaixo, seguimos apontando desafios e dificuldades possíveis, relacionados às reflexões acima, fundamentadas na governança corporativa e a sustentabilidade, focalizando dimensões de modelos de gestão sustentável que visualizamos em relação a organizações públicas do Brasil; naturalmente, de modo não exaustivo. E enaltecemos os esforços – frequentemente arriscados e heróicos! - de muitos servidores públicos, por toda a Federação, bem como de cidadãos brasileiros sem função pública, que ora ajudam o povo do Rio Grande do Sul, de forma voluntária.
1. Estratégia
Alinhamento estratégico: harmonizar as estratégias entre os distintos níveis federativos (federal, estadual e municipal) pode ser difícil, especialmente quando existem objetivos e prioridades e, por vezes, desconectados da Carta Magna e do ordenamento jurídico mais amplo.
Planejamento e execução a longo prazo: estabelecer e seguir planos de longo prazo é um dos principais desafios, devido a ciclos eleitorais que podem ser curtos, conforme o que se pretende realizar e as mudanças na administração, as quais nem sempre criam a requerida continuidade.
Coordenação de políticas públicas: essas políticas precisam ser coordenadas, a fim de evitar duplicidade de esforços e conflitos entre as diferentes esferas governamentais.
2. Estrutura
Desigualdade estrutural: as disparidades entre a infraestrutura e os recursos disponíveis em diferentes estados e municípios podem criar significativo desequilíbrio no desenvolvimento regional.
Complexidade administrativa: a complexidade da estrutura federativa pode levar à ineficiência, com sobreposição de funções e responsabilidades entre os níveis de governo.
Adaptação: a adaptação das estruturas administrativas para responder rapidamente a mudanças e crises pode ser limitada pela rigidez burocrática.
3. Processos e tecnologias
Identificação de processos críticos: esses processos precisam ser identificados, desenhados e operacionalizados. Destacamos aqui, em especial, o processo crítico da gestão de riscos climáticos (sem perder de vista a importância de outros riscos), ao qual retornamos, adiante.
Fluidez de processos: a necessária burocracia inerente à coisa pública pode, conforme o seu desenho, atrasar a implementação de políticas e programas, além de aumentar os custos administrativos.
Integração de sistemas: a falta de integração entre os sistemas de informação e gestão dos diferentes níveis de governo pode dificultar a troca de informações e a coordenação de ações. Nesse sentido, a tecnologia precisa ser intensamente utilizada.
Transparência e controle: garantir a transparência e o controle efetivo dos processos governamentais é uma necessidade, para prover a devida accountability.
4. Projetos
Gestão de projetos: a capacidade de gerenciar projetos de forma eficaz varia amplamente entre os entes federativos, afetando o timing, a qualidade, a pontualidade na entrega e os resultados dos projetos.
Sustentabilidade: assegurar que os projetos busquem ser sustentáveis a longo prazo, com manutenção adequada e continuidade além dos mandatos políticos, é uma preocupação significativa.
Financiamento: a captação de recursos financeiros para projetos necessários ao tratamento de riscos climáticos é sempre desafiadora.
5. Pessoas
Ética e integridade: retornamos à questão da ética. Promover e assegurar a ética e a integridade na Administração Pública são cruciais, mas podem ser dificultados em função de agendas não conectadas ao interesse público.
Capacitação e qualificação: a capacitação e a qualificação dos líderes e gestores públicos entre os diferentes entes da Federação podem impactar positiva ou negativamente a Administração Pública.
Motivação e retenção de talentos: a manutenção de servidores públicos motivados e talentosos, especialmente em regiões menos desenvolvidas, é um desafio constante.
Esses e vários outros desafios exigem abordagens coordenadas e soluções para melhorar a qualidade das organizações da Administração Pública, na estrutura federativa do Brasil.
O DESAFIO DA GESTÃO ESTRATÉGICA DE RISCOS
A tragédia no Rio Grande do Sul evidencia, de forma dramática, a grande importância da gestão estratégica de riscos ambientais na Administração Pública. É preciso que todos tenhamos conhecimento e nos conscientizemos de que este é um processo crítico e vital.
Neste artigo, tratamos desse tema genericamente e sem adentrar em técnicas específicas ou no tema seguros, que mereceriam novos artigos. E a seguir, destacamos algumas necessidades genéricas relacionadas à gestão estratégica de riscos, que a nós parecem muito relevantes e aproximadas ao clássico ciclo PDCA da Ciência Administrativa (Plan, Do, Control, Act):
1. Planejamento e ação
É preciso não apenas identificar as condições adversas e os riscos climáticos, mas também os riscos logísticos, de segurança, saúde, operacionais e financeiros. Ferramentas como matrizes de risco e avaliações de impacto podem ser úteis para priorizar os riscos mais críticos. Cumpre desenvolver planos de contingência claros, com rotas de evacuação, pontos de encontro seguros e outros procedimentos para diferentes cenários de emergência. E é preciso agir, implementando o planejado.
2. Monitoramento e coordenação entre autoridades
O monitoramento contínuo das condições climáticas é fundamental, com previsões meteorológicas em tempo real. Além disso, é preciso haver linha direta com autoridades meteorológicas, para receber alertas sobre condições severas. A colaboração entre autoridades locais, como bombeiros, polícia e serviços de saúde é essencial para sinergia nas operações e respostas coordenadas. Estabelecer parcerias e protocolos de ação pode melhorar significativamente a gestão de crises.
3. Avaliação pós-evento, aprendizado e melhoria
Após um grave evento, uma avaliação detalhada deve ser realizada, para analisar a resposta às emergências e identificar pontos críticos de melhoria. O aprendizado contínuo a partir de incidentes passados é fundamental para aprimorar a gestão de riscos em futuros eventos.
A comunicação rápida e eficaz é vital nos três itens acima e requer liderança e a utilização de múltiplos canais de comunicação; assegurar, por exemplo, que os públicos interessados estejam informados sobre os procedimentos de segurança e pontos de evacuação pode salvar vidas.
De forma mais ampla, a tragédia no Rio Grande do Sul evidencia a relevância da gestão estratégica de riscos, que deve estar presente nos compromissos daqueles que se propõem a representar o povo por toda a Federação (há eleições municipais neste ano). E a gestão estratégica, contextualizada, deve também integrar as pautas dos conselhos de administração de organizações estatais e privadas, impulsionando a efetividade e criando o compartilhamento de práticas de modelos de gestão.
Fechamos este bloco com a atuação do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sinpdec), coordenado por estruturas institucionais, que tem o objetivo de congregar todas as competências para a gestão dos riscos e desastres sempre com ênfase na prevenção. A figura seguinte ilustra, de forma comparativa, como a gestão de desastres (recuperação e resposta – planejamento, processos táticos e operacionais) requer processos diferenciados da gestão de riscos (prevenção, mitigação e preparação – estratégico e operacional):
Fonte: Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional - Como se organiza a Defesa Civil no Brasil (https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/protecao-e-defesa-civil/sinpdec/como-se-organiza)
Por fim
Esperamos que este artigo contribua, ainda que modestamente, para a reflexão sobre a tragédia que o povo gaúcho enfrenta. Muito nos honrará se o presente texto, ainda que minimamente, ajudar os nossos leitores a refletirem sobre o quadro geral e soluções de prevenção e manutenção para o Rio Grande do Sul e outros Estados da República do Brasil, orquestradas em todas as esferas – federal, estadual e municipal. E como sempre temos feito, apreciaremos as eventuais sugestões e contribuições a nós porventura enviadas.
Finalizamos este artigo apontando com ênfase a forte solidariedade dos brasileiros ao Rio Grande do Sul. Independentemente do seu valor monetário para fazer face a tantas e imprescindíveis necessidades, a solidariedade, a empatia e as preces não têm preço. O Brasil abraça de várias formas o povo gaúcho, como não poderia deixar de ser.
GLOSSÁRIO
Fonte: Constituição Federal (1988, artigos 34 e 136, respectivamente)
1) Intervenção federal: medida excepcional prevista na Constituição, por meio da qual o Poder Executivo federal assume temporariamente o controle de um Estado da Federação, a fim de resolver situações graves que ameaçam a ordem pública, a integridade nacional, ou o funcionamento regular das instituições.
2) Estado de defesa: medida excepcional prevista na Constituição, por meio da qual o Poder Executivo federal pode adotar ações extraordinárias para preservar ou restabelecer rapidamente a ordem pública ou a paz social em locais específicos do território nacional, ameaçados por grave e iminente instabilidade institucional ou calamidades de grandes proporções.
Fonte: Decreto 10.593 (2020)
3) Ações de mitigação: medidas destinadas a reduzir, limitar ou evitar o risco de desastre.
4) Ações de preparação: medidas destinadas a otimizar as ações de resposta e minimizar os danos e as perdas decorrentes do desastre.
5) Ações de prevenção: medidas prioritárias destinadas a evitar a conversão de risco em desastre ou a instalação de vulnerabilidades.
6) Ações de recuperação: medidas desenvolvidas após a ocorrência do desastre destinadas a restabelecer a normalidade social que abrangem a reconstrução de infraestrutura danificada ou destruída e a recuperação do meio ambiente e da economia.
7) Ações de resposta: medidas de caráter emergencial, executadas durante ou após a ocorrência do desastre, destinadas a socorrer e assistir a população atingida e restabelecer os serviços essenciais.
8) Ações de restabelecimento: medidas de caráter emergencial destinadas a restabelecer as condições de segurança e habitabilidade e os serviços essenciais à população na área atingida pelo desastre.
9) Desastre: resultado de evento adverso decorrente de ação natural ou antrópica sobre cenário vulnerável que cause danos humanos, materiais ou ambientais e prejuízos econômicos e sociais.
10) Estado de calamidade pública: situação anormal provocada por desastre que causa danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do Poder Público do ente federativo atingido ou que demande a adoção de medidas administrativas excepcionais para resposta e recuperação.
11) Plano de contingência: conjunto de medidas preestabelecidas destinadas a responder a emergência ou a estado de calamidade pública de forma planejada e intersetorialmente articulada, elaborado com base em hipóteses de desastre, com o objetivo de minimizar os seus efeitos.
12) Proteção e defesa civis: conjunto de ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação destinadas a: a) evitar ou minimizar os efeitos decorrentes de desastre; b) preservar o moral da população; e, c) restabelecer a normalidade social e torná-la resiliente.
13) Sistema estadual e distrital de proteção e defesa civil: conjunto de órgãos e entidades da administração pública estadual ou distrital responsáveis pela execução das ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação e das ações de gerenciamento de riscos e de desastres.
14) Sistema federal de proteção e defesa civil: conjunto de órgãos e entidades da administração pública federal responsáveis pela execução das ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação e pelo planejamento e pela coordenação das ações de gerenciamento de riscos e de desastres.
15) Sistema municipal de proteção e defesa civil: conjunto de órgãos e entidades da administração pública municipal responsáveis pela execução das ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação e das ações de gerenciamento de riscos e de desastres.
16) Situação de emergência: situação anormal provocada por desastre que causa danos e prejuízos que impliquem o comprometimento parcial da capacidade de resposta do Poder Público do ente federativo atingido ou que demande a adoção de medidas administrativas excepcionais para resposta e recuperação.
OUTRAS
17) Políticas públicas: ações e programas desenvolvidos pelo governo para atender necessidades da sociedade, promovendo o bem-estar social, econômico e ambiental.
Observação: A emergência e o estado de calamidade pública podem ser aplicados pela União, Estados, Municípios e o Distrito Federal.
Cida Hess
é CEO da Orquestra Societária Business, palestrante e mentora. Doutora em Engenharia de Produção, com foco em Sustentabilidade, pela UNIP/SP, mestre em Ciências Contábeis e Atuariais pela PUCSP, economista e contadora, com MBA em finanças pelo IBMEC. Executiva, conselheira fiscal, coordenadora do Comitê Econômico e Auditoria (CEA) e embaixadora da FNQ. Coordenadora da Comissão Temática de Finanças e Contabilidade e professora da Board Academy e do Legado e Família. Head do Comitê de Inovação e Tecnologia do 30% Club Brazil e Embaixadora do Instituto Capacita-me. Colunista da Revista RI desde 2014 e do Portal Acionista desde 2019 e conselheira editorial da RI desde 2023.
cidahessparanhos@gmail.com
Mônica Brandão
é assessora do escritório André Mansur Advogados Associados e chair do Conselho Consultivo da Orquestra Societária Business. Mestre em Administração pela PUC Minas, graduada em Engenharia Elétrica e graduanda em Direito pela mesma Universidade, é pós-graduada em Administração pela UFMG e MBA em Finanças pelo IBMEC. Tem atuado como executiva financeira, conselheira, engenheira e professora universitária, é colunista da Revista RI desde 2008 e do portal Acionista desde 2019, sendo conselheira editorial da RI desde 2023.
mbran2015@gmail.com