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Apoiado por injeção de recursos do Tesouro, equivalente a quase 10% do PIB de 2013, nos últimos anos o BNDES expandiu maciçamente os financiamentos a juros reais negativos. As empresas brasileiras, pelo menos as de grande porte, contaram com acesso ao mercado internacional de dívida a juros baixos e prazos longos e os fluxos de entrada de capital estrangeiro foram consideráveis. A política fiscal sempre buscou estimular o crescimento.
Porque nada disso funcionou? Que razões levaram à tendência declinante da relação investimento/PIB e à performance medíocre do crescimento econômico, cuja desaceleração, quando comparamos com a década passada, foi mais intensa do que a sofrida pela economia global, pelas economias emergentes e a América Latina?
Acreditamos que o clima de incertezas exerceu papel de destaque nesse cenário e que sua eliminação é um importante desafio do Governo brasileiro no curto prazo.
Em situações de risco podemos estimar a probabilidade de um evento conhecido, como a de chover na próxima semana. Riscos são parte do cotidiano e há instrumentos para mitigá-los.
Incertezas significam enfrentar o desconhecido, pois ignoramos a distribuição de probabilidades de um evento futuro. Elas são menos frequentes, porém com grande potencial de destruição de valor.
Desastres naturais, choques externos, como crises financeiras internacionais, e decisões ou indecisões de política econômica atuam como fontes de incertezas macroeconômicas.
Como boa parte dos projetos de investimento são irreversíveis, pois seu cancelamento tem custo elevado, incertezas estimulam sua postergação. A evidência empírica sugere que 2/3 da contração dos investimentos nos EUA entre 2007 e 2010 se deveu à incerteza sobre a política econômica. O mesmo fenômeno teria contribuído para a queda do investimento na Índia em 2011/12.
Os preços de ativos financeiros, como ações, dívida e moedas, se tornam mais voláteis diante de incertezas, transmitindo efeitos negativos para a economia real.
Um caso clássico de eliminação de incertezas foi a declaração de Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, de que faria todo o possível para evitar a ruptura do euro. Como num passe de mágica, isto foi suficiente para abortar a crise de dívida européia, que ameaçava mergulhar a economia numa profunda recessão.
Incertezas produzem efeitos negativos sobre a eficiência, principal motor do crescimento econômico. Um ambiente macroeconômico incerto limita a realocação de recursos, como capital e mão-de-obra, entre e dentro das empresas, pois a decisão racional torna-se adiar decisões até que se possa ter mais clareza sobre o futuro. Como a realocação de recursos é fonte importante de redução de ineficiências, fatores que a restringem conduzem a perdas de produto real.
Em geral, as incertezas sobre a política econômica residem em três componentes: (a) quem toma as decisões?; (b) que decisões serão tomadas?; (c) como certas decisões afetarão a economia?
Desde 2011, nunca ficou claro quem tomava as decisões de política econômica no Brasil, se os Ministros ou a Presidente.
A política econômica deixou de ser guiada por regras, com o virtual abandono do chamado tripé macroeconômico em troca do desconhecido. Os problemas passaram a ser atacados de maneira pontual, como ilustram as desonerações fiscais seletivas, a manipulação da taxa de câmbio com objetivos variáveis ao longo do tempo, a repressão dos preços administrados e a baixa forçada dos juros e tarifas de energia elétrica.
A transparência foi deixada de lado, substituída pela chamada criatividade contábil no orçamento e dívida pública.
A dispersão das expectativas diárias de mais de 100 instituições sobre o crescimento do PIB nos anos seguintes, computada pelo Banco Central do Brasil, se constitui em boa medida do grau de incerteza macroeconômica. Grandes discordâncias sobre o que vai acontecer no futuro levam a crer que o grau de visibilidade é baixo e vice versa.
Após a variância das previsões para o crescimento do PIB em 2012 rodar em torno de 10% durante 2010 e 2011, as observações coletadas em 2012 começam a revelar aumento suave da discordância. A partir de 2013, a divergência entre as previsões sobre a expansão da economia em 2014 e 2015 ingressa numa tendência de alta mais clara, que se acelera desde o inicio de 2014 até galgar a marca, sem precedentes, dos 70% no mês de dezembro.
Anos de eleições presidenciais costumam gerar incertezas diante de perspectivas de mudanças na política econômica. Entretanto, os dados de 2014 sugerem grau de incerteza muito superior ao prevalecente nos períodos anteriores às eleições de 2002, 2006 e 2010. Durante breve período, em outubro e novembro de 2002, a dispersão de expectativas chegou a se elevar a patamares próximos aos atuais, mas declinou rapidamente.
Outra comparação é com 2008/2009, quando o choque financeiro detonado pela falência da Lehman gerou incertezas em todo o mundo e a economia brasileira passou por recessão entre julho de 2008 a janeiro de 2009. Nessa ocasião, o pico da dispersão de expectativas atingiu 25% no auge da crise - em outubro de 2008 - percentual muito inferior aos de agora.
A nomeação para o Ministério da Fazenda de economista com experiências de sucesso na administração publica, assessorado por equipe de economistas de alta qualidade, se constituiu num grande primeiro passo na direção correta.
Entretanto, apesar das medidas até agora anunciadas para a correção do desequilíbrio fiscal, o grau de incerteza continua a se elevar, ultrapassando 150% nas últimas semanas de janeiro de 2015, o que parece refletir dúvidas dos mercados sobre a viabilidade de sua implementação. Adicionalmente, a incerteza tem sido magnificada pelo escândalo da Petrobras e as perspectivas de crescente escassez relativa de água e energia elétrica.
A minimização de incertezas é condição básica para a retomada sustentável do crescimento econômico no segundo mandato da Presidente.
Nesse sentido, é fundamental o compromisso com a transparência, regras de política econômica e a abstenção à tentação de intervir nos mercados, lastreado por respaldo político efetivo, a exemplo do que aconteceu em 2003. Na questão específica da água e energia elétrica, quanto mais tardia for a resposta das politicas públicas maiores serão os danos à atividade econômica.
Roberto Castello Branco
é diretor da FGV Crescimento e ex-diretor do Banco Central do Brasil e da Vale S.A.
castellobranco.roberto@gmail.com