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A forte queda das ações da Petrobras, desencadeadas pelas graves denúncias decorrentes da Operação Lava Jato, da Polícia Federal (PF), fez com que acionistas minoritários, dentro e fora do Brasil, recorressem à Justiça para recuperar perdas com os papéis da petroleira.
Segundo Francisco Antônio Stockinger, sócio do escritório Duarte Stockinger & Stockinger Advogados Associados, que já entrou com seis ações na Justiça e espera ajuizar mais quinze processos de investidores de diferentes estados, o objetivo é recuperar a perda de valor da Petrobras em decorrência da má gestão.
O advogado ressalta que o processo irá requerer a diferença do valor desde quando o acionista minoritário comprou a ação até a sua liquidação. O prazo médio que as ações vão considerar de perda de valor da estatal é desde 2008. O advogado conta que nesses processos novos também têm pessoas que compraram papéis via FGTS. “São pessoas que acreditaram que a ação seria sua poupança no futuro. Eles estão há bastante tempo com os papéis, não são especuladores”, diz.
Stockinger explica que, caso os acionistas ganhem a causa, será recebido apenas o valor referente ao prejuízo gerado pelas ações durante o período do investimento, já que o processo não reivindica nenhum valor adicional, como por eventuais prejuízos morais causados aos investidores. Ou seja, quem desejar entrar com a ação terá como ganho máximo a reposição do valor perdido com o investimento, e ainda terá que descontar dessa indenização os honorários advocatícios – os valores não foram revelados.
Apesar de o prazo de duração do processo ser imprevisível, Stockinger acredita que a ação tem uma “boa sustentação jurídica”. O advogado se mostra confiante sobre o resultado. “Não deve ser fácil, já que é um processo novo e não há jurisprudência sobre o assunto. Mas, com base nas investigações da Operação Lavo Jato e em pareceres do Tribunal de Contas da União e da Controladoria-Geral da União, eu acredito que as ações podem sair vitoriosas”, afirma.
Conforme Stockinger, a administração da estatal deve ser responsabilizada pela "gestão com dolo", mas a União também tem parcela de culpa por ter indicado os diretores da Petrobras. Entre os argumentos citados pelo advogado contra a Petrobras, que contribuíram para a perda no valor patrimonial da empresa, estão o superfaturamento da refinaria Abreu e Lima, de Pernambuco, prejuízos na compra da refinaria de Pasadena (USA), e o acordo com a empresa boliviana YPFB, que permitiu a diminuição do potencial calorífico mínimo do gás entregue ao Brasil, sem que houvesse a redução do preço.
Diante dessa movimentação, é possível que haja um precedente para que outros minoritários acionem a companhia. De acordo com Luís André de Moura Azevedo, presidente do Instituto de Direito Societário Aplicado, a Lei das Sociedades Anônimas autoriza o minoritário a acionar os administradores ou o controlador da empresa (no caso, a União) para pedir ressarcimento. No entanto, ele ressalta que apenas a desvalorização dos papéis não é motivo para entrar com a ação, “Isso está no risco. É preciso provar que a empresa agiu contra a lei e provocou um prejuízo financeiro”, explica.
Em dezembro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu inquérito administrativo para apurar responsabilidades de executivos da Petrobras em denúncias de corrupção envolvendo a companhia.
Dois casos motivaram a abertura do inquérito. O primeiro é o pedido do Ministério Público Federal (MPF) para apurar denúncias de pagamento de propina a funcionários da Petrobras para contratos de afretamento de navios e plataformas entre a empresa e a companhia holandesa SBM Offshore.
Já o segundo é a análise dos desdobramentos da investigação que apura denúncias de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa na Petrobras. Esses são crimes que estão sendo investigados no âmbito da Operação Lava Jato, da Polícia Federal.
Enxurrada de processos
Em dezembro passado, investidores norte-americanos também protocolaram uma ação civil pública contra a Petrobras nos Estados Unidos. Há mais de dez investidores envolvidos na ação, cujos nomes são mantidos em sigilo, representados pelos escritórios de advocacia Wolf Popper, com sede nos Estados Unidos, e Almeida Law, no Brasil.
Eles alegam terem sido ‘enganados’ com números que não correspondiam à realidade, já que foram possivelmente inflados pelos contratos superfaturados. A própria SEC (Securities and Exchange Commission) está investigando as denúncias de corrupção na companhia desde outubro do ano passado.
De acordo com o advogado Robert Finkel, que assina a ação do escritório de advocacia Wolf Popper, a ação coletiva contra a Petrobras pode atingir um valor total de US$ 100 milhões — um cálculo, segundo ele, conservador. Finkel ainda disse esperar que o processo receba a adesão de cerca de mil investidores.
Diferenças EUA x Brasil
Ao contrário do que acontece por aqui, as ações de classe são comuns nos Estados Unidos e há vários escritórios especializados nisso. A lei americana é diferente da brasileira e se eles ganharem a ação, todos os investidores, mesmo aqueles que não acionaram a empresa, terão direito a indenização. “Nos Estados Unidos, uma ação de classe, ou ‘class action’, como é chamada, pode automaticamente beneficiar todos os investidores, mesmo os que não entraram com o processo contra a companhia. Já no Brasil, o que temos são ações coletivas propostas por entidades que representam um grupo definido de pessoas. A ‘class action’ é muito mais abrangente”, Érica Gorga, professora de Direito dos Negócios da FGV SP e Associate Research Scholar in Law da Yale Law School.
As ações civis privadas movidas nos EUA também oferecem duas vantagens para quem quiser buscar reparação. A primeira é que os investidores que aderirem só terão de pagar taxas ou honorários advocatícios em caso de sucesso na ação. Outro ponto interessante é que a ação será julgada pela Justiça de Nova York, onde a decisão final costuma demorar entre um e dois anos para ser anunciada. Já no Brasil, um processo desse tipo poderia ser protelado por anos ou até décadas. “Temos um sistema judiciário ainda muito atrasado nas questões de mercado de capitais”, afirma Érica.
Além disso, o investidor norte-americano conta com uma proteção do seu investimento muito superior ao do investidor brasileiro. “Aqui temos que esperar uma iniciativa do Ministério Público Federal. Atualmente, as investigações acabam se voltando para a área criminal, mas não há nenhuma iniciativa para ressarcir o patrimônio perdido dos acionistas. Não temos uma tradição de proteger o investidor brasileiro”, enfatiza Érica Gorga.
Governança, Risco e Conformidade
Recentemente, a Petrobras anunciou que seu Conselho de Administração aprovou a indicação do executivo João Adalberto Elek Junior para o cargo de Diretor de Governança, Risco e Conformidade. A criação da diretoria foi anunciada pela presidente da estatal, Graça Foster, em novembro de 2014.
O executivo foi diretor financeiro da Fibria Celulose, onde exerceu as funções de relações com investidores, controle e gestão de riscos e finanças. Anteriormente foi diretor financeiro e de relações com investidores da operadora de telecomunicações NET. Também passou pelos cargos de diretoria executiva e financeira na operadora americana AT&T para o Brasil e América Latina, respectivamente. Além disso, o novo diretor trabalhou por 20 anos no Citbank, onde exerceu a posição de diretor financeiro na área de varejo.
Em nota, a estatal afirmou que o novo executivo tem a missão de "assegurar a conformidade processual e mitigar riscos nas atividades da Petrobras, dentre eles, os de fraude e corrupção".
A diretoria de governança é um posto comum em empresas de capital aberto, como a Petrobras. Sua finalidade é otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital. A análise das práticas de governança corporativa aplicada ao mercado de capitais envolve, principalmente: transparência, equidade de tratamento dos acionistas e prestação de contas.
Mas, por não se tratar de uma área obrigatória, a estatal nunca optou por investir em tal segmento. A criação da diretoria só foi considerada após o escândalo da Operação Lava Jato. Sobre esse assunto, confira, a seguir, a opinião do advogado Renato Chiodaro, sócio do De Vivo, Whitaker e Castro Advogados e professor do BI International.
Uma das medidas tomadas pela companhia como resposta à crise que vem enfrentando foi a criação de uma Diretoria de Governança Corporativa. Mas o que isso significa? Solução? Evolução?
A crise da Petrobras decorre de diversos fatores. Estamos praticamente diante da tempestade perfeita: (a) queda do preço do barril do petróleo, (b) questionamento de investimentos e operações, no mínimo, mal planejadas (refinaria de Pasadena); (c) acusações de falta de transparência em suas demonstrações financeiras; e (d) denúncias de corrupção endêmica.
Há um remédio para cada doença. Uma medida para cada questão apontada. É verdade que algumas medidas endereçam mais de uma questão e podem ser muito salutares, mas não é possível acreditar que uma ação singular e isolada possa abrandar os ânimos dos investidores.
A criação de uma Diretoria de Governança Corporativa pela Petrobras é salutar e demonstra o comprometimento formal da empresa com a eficácia de seu sistema de governo. Os otimistas podem entender a medida como uma intensificação dos controles já existentes da companhia e um foco maior para transparência e a prestação de contas, dentre outros benefícios.
Os pessimistas, no entanto, podem avaliar a medida como o reconhecimento de que a governança corporativa da companhia, até o momento, foi relevada a questão de segundo plano, apesar das obrigações inerentes a uma companhia aberta, com valores mobiliários negociados na Bolsa de Nova Iorque. A partir daí, pode inferir que a probabilidade de serem encontradas outras questões negativas na companhia é razoavelmente alta.
Escapando dos olhares pessimistas ou otimistas e enfatizando a questão técnica, vejo a criação da Diretoria de Governança Corporativa pela Petrobras com bons olhos. Toda ação que visa reforçar a estrutura de governança de uma empresa é válida e traz valor aos acionistas e partes relacionadas.
O contraponto que trago é o de que a medida não surtirá efeitos de curto prazo, além de um suave alívio nos arranhões da desgastada imagem da companhia. A adoção de boas práticas de governança corporativa por uma organização podem assegurar sua sustentabilidade a longo prazo e os principais estudos sobre o tema demonstram que a governança é capaz de gerar valor para os investidores.
Não obstante, os bons frutos são colhidos após alguns períodos de plantio, e não do dia para a noite. A medida implementada pela Petrobras deve ser encarada como a renovação do compromisso da companhia com seus investidores e o reconhecimento de que a estrutura atual não é suficiente para o que o mercado demanda em termos de controle de riscos, transparência, prestação de contas, responsabilidade etc., mas está longe de ser a solução para a crise vivida pela companhia.
Renato Chiodaro
é sócio do De Vivo, Whitaker e Castro Advogados e professor do BI International.
chiodaro@dvwca.com.br