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Além da macroeconomia
A economia brasileira não vai bem e os analistas consultados pelo Banco Central no boletim Focus já prevêem uma retração de mais de 1% este ano. Mas para Mauro Rodrigues da Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), não é o recuo no PIB nem o cenário de instabilidade política no país que têm prejudicado desenvolvimento da bolsa. A causa, segundo ele, é microeconômica: os tratamentos não-equitativos entre acionistas controladores e minoritários. “O mercado não está funcionando, não está cumprindo a sua função social como deveria que é canalizar poupança privada para o setor produtivo”, afirma. No horizonte, não há perspectiva de IPOs. Pelo contrário, estão em curso fechamentos de capital.
Com vasto currículo, Mauro Rodrigues da Cunha, economista formado pela PUC-RJ e com MBA na Universidade de Chicago, foi responsável pela área de renda variável nas gestoras Mauá e Opus e também ocupou o cargo de diretor de Investimentos da Franklin Templeton no Brasil. Cunha ainda atuou por dois anos na presidência do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
Falando com exclusividade à Revista RI, ele comentou sobre a situação do mercado de capitais, a atuação da Amec e as condições das companhias abertas de economia mista no país. Acompanhe a entrevista:
RI: Qual tem sido o papel da Amec nos últimos anos? Qual a principal bandeira levantada?
Mauro Rodrigues da Cunha: Desde o início, o foco está na defesa dos acionistas minoritários de empresas brasileiras. E, porque fazemos isso? Porque acreditamos que a defesa dos interesses dos minoritários seja uma peça fundamental na criação e no desenvolvimento de um mercado de capitais sadio, componente fundamental para o crescimento sustentável da economia. Atualmente, a Amec tem 62 associados, são investidores institucionais locais e estrangeiros, que possuem mandatos de investimento no mercado de ações de aproximadamente R$ 500 bilhões.
RI: Este ano, qual é a agenda da Amec?
Mauro Rodrigues da Cunha: Existe um desafio homérico que é reverter o problema do mercado de capitais que está encolhendo. É uma situação dramática - praticamente não há operações de abertura de capital. No ano passado, houve apenas um IPO e a Amec contabilizou 15 operações de fechamento de capital ou assemelhados – OPAs, aumentos de participação, saída de segmentos de listagem, reestruturações etc. Este ano, mais duas empresas já anunciaram fechamento de capital e, no horizonte, não há perspectivas de novas aberturas de capital. Temos uma tese que nos parece comprovada pelos fatos e pela história de que essa situação dramática do mercado não se deve a um problema de risco político ou às perspectivas econômicas ruins, porque todos esses fatores macro afetam tanto compradores como vendedores, assim sendo, se existisse um mercado funcionando, o ajuste se daria no preço, isto é, haveria queda no preço. O que está acontecendo é que o mercado não está funcionando. Ter negociação em bolsa é uma coisa, mas a função social do mercado que é canalizar poupança privada ao setor produtivo - o que se dá através de emissões de ações, de abertura de capital - isso não está acontecendo. Não é só uma questão de preço. O mercado não funciona por conta de todos os abusos que assistimos contra acionistas minoritários nos últimos anos, a percepção de valor entre o vendedor e o comprador de ações é muito diferente. Imagine um empresário que quer abrir o capital da companhia dele e avalia por 100 e, depois, faz uma apresentação perfeita ao mercado. O mercado diz que vai pagar somente 80 porque a probabilidade que existe de se apropriar de uma fatia desproporcional da participação é grande. O investidor precisa pagar menos para se proteger de potencial abuso. A empresa diz que não vai fazer isso, se manifesta como uma corporação ética, porém, o mercado vai dizer: paciência.
RI: Então, o mercado de capitais brasileiro não se desenvolve por abusos que são praticados contra os minoritários?
Mauro Rodrigues da Cunha: Sim, vemos isso de maneira muito clara em transações de reestruturação e operações de venda de controle com prêmio muito elevado. Às vezes, há lotes chamados estratégicos que representam o enxugamento de ações em circulação e que são comprados e vendidos a preços muito superiores aos de mercado. Por que alguém paga oito vezes mais como aconteceu recentemente com uma empresa do Novo Mercado? Porque se acredita que ao comprar aquelas ações, um pedaço do controle da companhia, conseguirá uma rentabilidade desproporcional. Dado que é possível fazer isso no Brasil, ocorre essa assimetria de percepção de valor. E, não é a primeira vez que vemos isso acontecer. Já vimos isso na década de 90 quando o nosso mercado estava acabando, realmente definhando. Naquela época, os agentes de mercado, principalmente os investidores e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) se uniram para reverter esse cenário. Isso resultou fundamentalmente em dois grandes processos: a reforma da lei das Sociedades Anônimas (lei 10.303), que trouxe de volta várias proteções aos investidores e a criação do Novo Mercado, tudo isso em 2001.
RI: Uma das soluções para corrigir essas assimetrias seria uma reforma no Novo Mercado?
Mauro Rodrigues da Cunha: Isso já foi tentado e não foi possível. Infelizmente, o Novo Mercado está preso numa regra que confere a um número relativamente pequeno de empresas o poder de veto sobre qualquer mudança. É uma situação ruim porque tudo o que diz respeito à governança corporativa tem que evoluir no tempo. O código do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) está indo para a quinta edição. Por sua vez, o código inglês de governança corporativa já teve cinco ou seis edições e o da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também. Todos os documentos vêm sendo aperfeiçoados. No Brasil, o Novo Mercado não conseguiu evoluir. E existe um problema muito mais grave, porque o Novo Mercado foi instituído como um check list de algumas regras que as empresas tinham que seguir para atender os pontos mais sensíveis aos investidores nos anos 90. No entanto, check list é uma forma ruim de se controlar governança corporativa porque o diabo está nos detalhes. Em suma, hoje vigora um check list criado para resolver os problemas dos anos 90, mas os desafios dos anos 2010 são diferentes. O mercado evolui, os advogados aprendem, inventam novas estruturas e todas aquelas proteções que foram desenhadas lá atrás acabam se tornando ineficazes. A agenda da Amec é justamente combater esse cenário.
RI: Quais as principais distorções prejudiciais aos minoritários que precisam ser corrigidas?
Mauro Rodrigues da Cunha: Tudo pode ser sumarizado na incapacidade de assegurar que o investidor que compra 1% da empresa vai ter 1% do fluxo de caixa. Isso acontece porque determinadas proteções não funcionam mais, como o mecanismo tag along, as regras de proteção e reestruturação societária, as regras relativas a insider trading e até das regras de responsabilização dos administradores. Então, existem vários direitos que estão na lei ou no Novo Mercado, na autorregulação, mas os investidores que esperam a aplicação desses direitos, na hora “H”, vêem que eles não funcionam.
RI: O que precisa ser feito?
Mauro Rodrigues da Cunha: A reestruturação do Novo Mercado e dos processos, que devem ser repensados pelos participantes do mercado incluindo a CVM. Há uma certa complacência dos próprios bancos de investimento que sobrevivem da emissão de ações, eles mesmos fizeram operações recentes altamente lesivas ao mercado de capitais. Estamos no meio do processo que vai levar à entrega do Prêmio Amec de Eventos Corporativos. É uma premiação concedida à melhor transação do mercado de capitais do ano. Nós tivemos uma dificuldade enorme de encontrar transações elegíveis porque a maior parte delas foi vista como muito ruim para os acionistas minoritários. Acho que temos um desafio de eficácia das normas de convivência no mercado de capitais e isso passa por um trabalho a ser feito pelos reguladores e participantes de mercado, além do governo e dos legisladores, que devem estar alertas às melhorias através de reformas.
RI: A retração na economia brasileira assim como a instabilidade política são agravantes ao desenvolvimento do mercado?
Mauro Rodrigues da Cunha: Sabemos que a conjuntura econômica e política do país é complicada. É uma preocupação para quem está comprando e vendendo ações, mas do ponto de vista de estrutura do mercado de capitais, isso não deveria ser um problema. Nos Estados Unidos, quando houve a crise de 2008, a própria solidez do mercado de capitais foi parte relevante na recuperação econômica do país. Uma coisa é macroeconomia, a outra, é o que de fato precisamos para desenvolver o mercado de capitais e que passa pela proteção e ampliação dos direitos dos acionistas minoritários.
RI: O Seminário Amec - principal evento anual da associação - alterou o nome e passou a se chamar Fórum Amec de Investidores. O tema é Forma x Essência - Os Desafios de Investir no Brasil. Quais os assuntos mais relevantes que serão discutidos nesse encontro no final do mês?
Mauro Rodrigues da Cunha: O tema geral é “Forma x Essência” porque a maior parte das “pegadinhas” aos investidores, das frustrações, acontecem por brechas na lei ou na regulamentação que são utilizadas por advogados brilhantes e bem pagos para atender seus clientes. Enquanto os reguladores tiverem uma abordagem formalista da lei, minimalista, esses abusos vão passar. Discutiremos que toda a regulamentação seja lida e interpretada de acordo com o que ela se destina e não como mera figura jurídica que está ali e que permite contratos diferentes. Então, a forma não pode prevalecer sobre a essência.
RI: Outro aspecto importante da pauta do Fórum Amec é a responsabilização dos administradores. O que será debatido?
Mauro Rodrigues da Cunha: Digo novamente que o diabo está nos detalhes. O mercado de capitais deve atuar como um monitor das companhias, como um componente desse sistema de freios e contrapesos que é a governança corporativa e isso só vai acontecer se a pessoa que está lá delegada para tomar decisões em nome do investidor responda por suas responsabilidades e não mais do que elas. É preciso evitar os excessos que acontecem principalmente na legislação brasileira, o problema de desconsideração de personalidade jurídica, de processar o executivo na esfera de pessoa física por decisões de negócios que deram errado, isso é muito ruim. Por outro lado, ainda é muito esparsa a jurisprudência que responsabiliza os administradores por violação dos chamados deveres fiduciários que são deveres um pouco mais abstratos. Basicamente, eles têm que atuar na defesa dos interesses dos acionistas assim como um homem ativo e probo trata dos seus negócios pessoais.
RI: Nos últimos anos houve alguma evolução na reparação de danos aos minoritários?
Mauro Rodrigues da Cunha: Infelizmente, não existe nenhum exemplo de conhecimento da Amec de reparação de danos sofridos por acionistas. A inexistência dessa prática é basicamente uma autorização ao crime.
RI: No Brasil as empresas progrediram em Governança Corporativa?
Mauro Rodrigues da Cunha: Tanto do lado positivo quanto do lado negativo vemos exemplos. Há os dois extremos no país, empresas que adotam as melhores práticas e outras que falham nesses quesitos. Ainda percebemos que há deficiência em relação ao entendimento do porquê das boas práticas de governança, da eficácia das estruturas de controle dos próprios órgãos corporativos, dos conselhos de administração, o que deixa determinadas companhias mais fragilizadas.
RI: É importante a instituição de Comitê de Auditoria para apoio ao Conselho de Administração? Aqui no Brasil esse órgão não é obrigatório, mas já é exigido em mercados mais maduros.
Mauro Rodrigues da Cunha: Desde que não seja para inglês ver, o comitê é positivo. Mas se tem um comitê de auditoria que é dominado pelo acionista controlador, por exemplo, é uma piada de mau gosto em relação aos investidores. Esse órgão deve ter independência para conduzir as atividades.
RI: De forma geral, as empresas têm agido com maior transparência, isto é, aprimoraram a comunicação com os investidores?
Mauro Rodrigues da Cunha: Há muito que melhorar porque aconteceu o aumento do ruído do que é divulgado ao mercado. Cresceu o número de páginas dos balanços e dos press releases, porém, muitas vezes, a essência não é obedecida. Veja quantas empresas divulgam atas detalhadas do que acontece no Conselho de Administração, o órgão máximo? São pouquíssimas. Temos que fazer uma reflexão da transparência na sua essência. Mais do que a obrigação de informar está o desejo de informar.
RI: As iniciativas educacionais voltadas aos investidores são suficientes no Brasil?
Mauro Rodrigues da Cunha: Estamos vendo passos largos nesse sentido. Desde o ano passado, a Amec também está se engajando na educação dos investidores. Isso tem acontecido através da parceria que temos com o IBGC em um curso sobre as boas práticas de governança. Os proprietários possuem papel fundamental na estrutura de freios e contrapesos que tornam os processos mais eficazes. As boas práticas de governança não se encerram dentro dos muros das empresas. A segunda edição desse curso acontece este mês. Além disso, estamos com projeto para criar este ano o Stewardship Code, um código de governança para os próprios investidores, isto é, como eles devem abordar o seu próprio dever fiduciário e seu papel dentro da estrutura de controles do mercado de capitais.
RI: A Petrobras e algumas outras estatais apresentam problemas relativos à falta de transparência e têm sido muito suscetíveis ao risco político, que é intensificado nos períodos eleitorais. Paradoxalmente, a intenção de inserir as estatais no mercado de capitais foi fazer com que elas ganhassem mais controles, transparência e visibilidade. Na sua visão, o que poderia ser feito para fortalecer a governança das companhias abertas de economia mista? Que tipo de medidas poderiam ser instituídas?
Mauro Rodrigues da Cunha: Basta cumprir a lei. O que aconteceu nas empresas de economia mista nos últimos anos é um esgarçamento de conceitos e interpretações capciosas que resultaram na não aplicação de controles acima e além dos inerentes à toda empresa ou autarquia 100% do governo. Quando se coloca o mercado de capitais na história, significa mais uma instância de controle e isso, absolutamente, não tem acontecido através, por exemplo, de uma leitura simplória do artigo 238 da lei das S/As que prevê que a companhia pode ser administrada visando o interesse público que levou à sua criação. O artigo é interpretado, muitas vezes, como um verdadeiro cheque em branco para se fazer o que quiser com a companhia como subsidiar preços e ajudar o governo a entrar em coisas políticas. Essa mentira precisa ser revertida ou vamos continuar tendo problemas nas empresas de capital misto.
RI: Então é necessária uma definição mais consistente do que é interesse público no artigo 238 da lei das S/As?
Mauro Rodrigues da Cunha: Não deveria ser necessária, mas dado o que o país está vivenciando em relação a algumas companhias de economia mista, a resposta é sim. O combinado não sai caro. Mas não se pode combinar e fazer tudo diferente como tem ocorrido.