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O risco do Brasil perder o grau de investimento pelas agências de risco tem tirado o sono do governo. A perda dessa nota de baixo risco teria impactos gravíssimos, já que implicaria na redução do número de investidores que poderiam comprar papéis brasileiros e dificultaria ainda mais a rolagem do déficit externo, hoje superior a 4% do PIB ao ano. A saída de dólares também tenderia a aumentar a cotação da moeda americana frente ao real e o Brasil teria de pagar juros mais altos para se financiar no exterior.
A seguir, confira a opinião de especialistas sobre a probabilidade do Brasil perder o grau de investimento neste ano de 2015 e as principais consequências de uma possível perda.
Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC e ex-presidente do Conselho Federal de Economia - Apesar de considerar as inconsistências do ajuste em curso, entendo que o Brasil e o Ministro Levy têm se esforçado em demonstrar esforços para mudar a tendência anterior de deterioração das contas públicas. Portanto, considero o cenário mais provável que as principais agências de rating mantenham o Brasil como grau de investimento, tendo em vista a relevância que o país ocupa no cenário mundial.
Apesar de os investidores diretos darem pouca relevância à avaliação das agências de classificação de risco, não há dúvida que a sua manutenção interfere positivamente nas decisões de investidores institucionais, que, por estatuto têm restrições de aportes em países não detentores do selo grau de investimento. O governo tem tido alguma dificuldade em aprovar as medidas de ajuste no Congresso, mas fica cada vez mais claro que há um contingenciamento de gastos em curso que trará algum resultado, melhorando o superávit primário (no caso, melhor dizendo, revertendo o déficit do ano anterior).
Gilberto Braga, professor de Finanças e Governança Corporativa do IBMEC - O grau de investimento é a capacidade de um país, empresa ou entidade em pagar a suas dívidas. No caso de um país, indica a capacidade de pagamento das dívidas interna e externa. O “grau” é expresso por uma espécie de nota concedida por empresas especializadas na avaliação de risco (agência de ratings). Ele leva em conta vários indicadores, como o saldo de reservas internacionais, a solidez dos fundamentos macroeconômicos da economia, a estabilidade política, o regime jurídico e o respeito aos contratos.
O grau de investimento permite que se tome empréstimos com taxas de juros mais baixas, funcionando como uma espécie de prêmio por ser bom pagador. Funciona também como um “nada consta” (ou a opor) para o recebimento de investimento direto por parte de investidores dos países ricos.
A eventual perda do grau de investimento terá como consequência direta um aumento da taxa de juros nos empréstimos tomados por brasileiros no exterior e uma restrição a que empresas e fundos de pensão estrangeiros invistam em ativos nacionais.
De forma mais direta, devem pesar na decisão de manter ou reversão do grau de investimento duas questões primordiais. A primeira é o equilíbrio fiscal do país, dependendo da visão dos avaliadores em relação as medidas de ajuste da economia, as explicações para as pedaladas orçamentárias e o discurso bem ao gosto do Ministro Joaquim Levy. O segundo ponto é a situação da Petrobras, que tem um peso de aproximadamente 10% do PIB brasileiro. A publicação do balanço com a transparência e explicitação pormenorizada das perdas e aval dos auditores externos foi positiva. Ainda assim, a situação da empresa é delicada, com prejuízo recorde e com alto endividamento, 5 vezes mais do que a sua atual capacidade de geração de caixa. Além disso, paira no ar a indefinição sobre novos desdobramentos da Operação Lava jato e o temor que novas perdas ainda possam aparecer.
Se houver o rebaixamento do Brasil, além de todo o significado político e econômico, é possível esperar uma saída expressiva de dólares da nossa economia e uma aceleração da desvalorização do Real. Imediatamente haverá reflexos inflacionários e tornará duvidoso a eficácia das medidas de ajuste fiscal. Não dá para prever ainda se o grau será mantido ou não, mas o de positivo, pode se dizer que o país saiu da letargia em que estava e, pelo menos, mostra sinais de reação que podem ser decisivos para a manutenção da condição de ter uma economia confiável.
Jorge Arbache, professor de Economia da Universidade de Brasília - Como sabemos, as agências de risco reclassificaram o Brasil recentemente, que hoje encontra-se em região próxima ao limite da perda do grau de investimento. Perder esta classificação tem implicações não desprezíveis do ponto de vista do fluxo de recursos per se e da qualidade daqueles recursos. Isto porque quanto maior o risco percebido, mais especulativas são as intenções daqueles que se dispõem a trazer recursos ao país. Ou seja, não apenas o custo explícito aumenta na forma de juros mais altos e spreads, mas a função daqueles recursos também se altera, notadamente para investimentos e outras operações de prazos mais curtos e com finalidades que nem sempre contribuem para a geração de emprego e renda.
Ainda é incerto se o Brasil perderá ou manterá o grau de investimento neste ano. Isto porque a eventual reclassificação é contingente a fatores que ainda não estão postos, como a alteração da política monetária americana, o ritmo de melhora da economia europeia, preços da energia, petróleo e outras commodities, capacidade política do Ministro Levy de levar adiante as reformas fiscais, implementação da agenda de infraestrutura e disposição do governo de levar adiante uma agenda de reformas modernizantes mais ambiciosa, incluindo os campos tributário, trabalhista, previdenciário, administrativo (empresas estatais, agências reguladoras) dentre outras que venham a melhorar o ambiente de negócios e alterar as perspectivas do investimento.
Análise mais detalhada que fizemos meses atrás acerca das condições de crescimento da economia brasileira sugere que o nosso produto potencial per capita seria da ordem de 2,3%, um número baixo com relação ao histórico do próprio país e com relação ao que se observa em países emergentes como Índia, China, Indonésia, dentre outros. Esse número sugere que a economia estaria constrangida e que o crescimento requer reformas de grande escopo para voltar a crescer de forma sustentada. No curto e médio prazos, o crescimento poderá vir de ganhos de produtividade e de eficiência, liberalização de mercados e estímulo à competição. Embora importantes, essas fontes não garantirão, sozinhas, o crescimento necessário para que o país venha a sair da armadilha da renda média em que se encontra há pelo menos 25 anos.
O parágrafo acima é desencorajador e poderia sugerir aumento das chances do Brasil perder o grau de investimento. Mas as condições internacionais estão suficientemente incertas para que a situação do Brasil, por mais que não seja confortável, não possa ser vista como fora de controle. Por isto, acredito que, tudo o mais constante, o Brasil não deverá perder o grau de investimento, ao menos neste ano. A única forma de garantir o grau de investimento no médio prazo será através do crescimento econômico sólido e consistente, ainda que a taxas moderadas.
Raul Velloso, consultor econômico, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento e especialista em finanças públicas - Segundo levantamento do FMI, feito em meados do ano passado, numa comparação de 13 variáveis macroeconômicas consideradas relevantes pelas agências, o Brasil perdia para a média dos países com "grau de investimento" em 9 e ganhava em 4. Mais para o final do ano, contudo, a mesma comparação mostraria que só ganhávamos em duas: taxa de desemprego e arrecadação tributária. Ou seja, tínhamos pleno emprego e éramos grandes arrecadadores de impostos, mas perdíamos em tudo o mais: dívida pública, saldos fiscais, crescimento do PIB etc. Não foi por outro motivo que, na transição do primeiro para o segundo governo Dilma Rousseff, passou a imperar o temor de que o Brasil perderia em breve a classificação de "grau de investimento" das agências de risco internacionais. Movido pelo instinto de sobrevivência, o governo Dilma mudou radicalmente logo em seguida, nomeando um economista experiente e ortodoxo para comandar a economia, e deu-lhe considerável autonomia para começar um processo de reversão das políticas macroeconômicas inadequadas que vinham sendo seguidas. Levy anunciou metas ambiciosas de superávits fiscais, em que poucos acreditaram no início, mas aos poucos vai se firmando a percepção de que a meta de superávit primário de 2015 será cumprida, e que uma postura mais realista na fixação dos nos preços públicos veio para ficar. Nesse sentido, pode-se dizer que o risco de perda do grau de investimento está afastado em 2015. É fato que a tarefa é nada simples e muito ajuste terá de ocorrer antes que se possa ficar tranquilo quanto ao posicionamento das agências de risco no ano que vem. De qualquer forma, em comparação com o final do ano passado, houve sem dúvida um grande avanço.