Sustentabilidade

VALE & PETROBRAS: SUSTENTABILIDADE EM XEQUE

Violações de direitos humanos e impactos ambientais supostamente cometidos pela Vale no Brasil e em outros oitos países foram denunciados no “Relatório de Insustentabilidade 2015”, documento elaborado pela Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, divulgado em meados de abril último. São 30 casos de conflitos envolvendo a cadeia de produção da mineradora. Já a Petrobras deixou de integrar o Índice Dow Jones de Sustentabilidade no dia 23 de março do qual fazia parte desde 2006. A decisão de retirada da carteira, tomada pelo comitê desse índice, foi baseada nas denúncias de corrupção investigadas no âmbito da Operação Lava Jato. O comitê informou que irá monitorar a evolução das investigações e o posicionamento da Petrobras ao longo deste ano, podendo reconsiderar a participação da companhia a partir de 2016.

Esses fatos geraram dúvidas se os Relatórios de Sustentabilidade dessas duas empresas “blue chips” são efetivamente transparentes. Elas elaboram os informes seguindo os princípios da Global Reporting Initiative (GRI).

“Não tratar ou não aprofundar assuntos que já vieram a público, pela mídia ou de alguma outra forma, resulta em desgaste de imagem. O relatório de sustentabilidade, inclusive, é o local onde as companhias devem se posicionar”, comenta Glaucia Terreo, representante da Global Reporting Initiative (GRI) no Brasil.

Segundo ela, de forma geral, a qualidade dos relatórios das empresas brasileiras está em franca evolução. “Estamos avançando, mas não existe perfeição. Mesmo essas empresas que tiveram problema estão levando a sério esse trabalho. As áreas de sustentabilidade são lutadoras e corajosas. O problema são os limites internos, a falta de engajamento da liderança e, às vezes, o jurídico e o financeiro também dificultam”, diz. O engajamento da alta direção e desses departamentos em relação aos temas socioambientais pode auxiliar no aumento da competitividade e respeitabilidade das companhias, avalia a especialista.

Especificamente sobre a Petrobras, Glaucia Terreo comenta que a equipe de sustentabilidade da companhia é concursada, altamente qualificada. “Infelizmente algumas coisas escapam. Foram feitas fora dos muros”, referindo-se às denúncias de corrupção na companhia.

Conforme a Transparência Internacional, os setores mais corruptos no mundo são: Construção Civil e Petróleo e Gás porque mantêm forte relação com governos. “Desde 2003, a Shell relata o número de propinas oferecidas, o mapeamento das aceitas, as investigações e as punições, isto é, se demitiu funcionários e cortou fornecedores”, comenta. Corrupção é um tema que deve entrar no relatório GRI no contexto de materialidade, dentro das questões sociais, porém, nem sempre essas informações são abertas. Ela acredita que a Lei Anticorrupção é um reforço para reverter essa situação. A nova legislação contribui ainda para inserir mais fortemente o departamento jurídico nas discussões de sustentabilidade.

Glaucia Terreo afirma que ainda vigora grande dificuldade para seguir plenamente o princípio da materialidade ou relevância. Este processo é muito importante para que as empresas consigam tratar os temas fundamentais do ponto de vista da sustentabilidade para seus negócios, detectando os riscos e as oportunidades.

Nesse trabalho, é preciso levar em consideração a visão da liderança da organização, assim como a percepção das partes interessadas externas. Outro princípio crítico é o de completude. “Todas as informações de materialidade devem ser prestadas de maneira completa”, explica. Outro aspecto crucial é o equilíbrio. “As companhias podem falar bem de si mas devem abrir os desafios. Metas atingidas e não atingidas.”
Segundo ela, a versão GRI3 representa um guia, isto é, trata-se de um modelo de como as organizações devem elaborar os reportes. As notas que são concedidas (A, B ou C) referem-se à estruturação dos relatórios, estão ligadas à forma. Já a versão GRI4 aprofunda mais ao pontuar o conteúdo, especialmente no que se refere aos indicadores e listagens de impactos. Glaucia explica ainda que a auditoria dos relatórios se dá por amostragens.

Vale e as denúncias

As principais denúncias apresentadas pela Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale no “Relatório de Insustentabilidade 2015” são:

Espionagem: Um ex-funcionário da Vale apresentou ao Ministério Público Federal uma denúncia sobre o funcionamento de uma área de vigilância e inteligência da empresa, ou seja, um esquema de espionagem. Os alvos eram os próprios funcionários da Vale, comunidades impactadas e movimentos sociais. Até uma jornalista foi investigada pela companhia. O caso de espionagem já levou a uma audiência pública no Congresso.

Trabalho escravo: Em Itabirito (MG), a Vale foi responsabilizada por submeter 309 pessoas a condições análogas ao trabalho escravo.

Fim da pesca: Em São Luís (MA), Espírito Santo (ES), Rio de Janeiro (RJ), Piura (Peru) e Perak (Malásia), pescadores locais denunciam que os processos de embarque do minério e a contaminação das águas em portos da Vale comprometem sua sobrevivência.

Agrotóxico: Em 2011, seguindo a lógica da economia verde, a Vale comprou 70% da Biopalma da Amazônia, que produz óleo de palma, com o argumento de reduzir as emissões de CO2. A destinação principal é a produção de biodiesel para a frota de locomotivas, máquinas e equipamentos. No entanto, em 2014, o Instituto Evandro Chagas comprovou a contaminação por agrotóxico nas plantações, atingindo igarapés.

Licenciamento irregular: maior investimento da Vale no mundo, a ampliação da produção em Carajás (PA) conta com a duplicação da Estrada de Ferro Carajás (EFC), que está sendo feita com um licenciamento irregular, devido insuficientes audiências públicas e consultas prévias. Está em andamento desde 2012 uma Ação Civil Pública que contesta a legalidade do processo de licenciamento das obras de duplicação da Estrada de Ferro Carajás. Esta ação foi movida pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), o Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN) e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e conta com a assistência da Defensoria Pública da União (DPU).

As ilegalidades apontadas foram reconhecidas pelo Juiz Federal, que determinou a paralisação das obras até que a Vale refizesse os estudos de impacto, que fossem realizadas audiências públicas em todos os 27 municípios recortados pela EFC e que também fosse feita a consulta prévia, livre e informada para apurar o consentimento dos povos indígenas e comunidades quilombolas impactados. Após 45 dias de embargo judicial das obras de duplicação da EFC, a Vale S/A conseguiu retomar os trabalhos por meio de uma decisão do presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que considerou que apesar da ilegalidade, as obras deveriam ir adiante porque sua paralisação causava grave lesão à ordem e à economia públicas. As entidades recorreram da decisão e o recurso deverá ser apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Remoções: Em Moçambique, mais de 1.300 famílias reassentadas pela Vale vivem hoje com dificuldade de acesso à água, terra, energia, em terras impróprias para a agricultura, e não receberam, até o momento, as indenizações integrais a que têm direito.

Siderurgia: A TKCSA, da qual a Vale é acionista, elevou em 76% as emissões de gás carbônico no Rio de Janeiro. Desde 2010, ela funciona sem licenciamento ambiental.

De acordo com Gabriel Strautman, economista e um dos pesquisadores da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, todos os casos apresentados no “Relatório de Insustentabilidade 2015” são documentados e de conhecimento público. “O grande valor da publicação é o fato de termos compilado tudo. A transparência da Vale é seletiva. Alguns desses problemas não constaram no reporte de sustentabilidade da empresa de 2013 e outros foram abordados de maneira superficial ou até como se já estivessem resolvidos, no entanto, prosseguem em aberto”, afirma.

Strautman ressalta que a contaminação por agrotóxico na plantação de palma da Biopalma, no Pará, não foi mencionada no relatório da empresa e o impacto negativo de 5 portos da Vale na pesca também não teve destaque.

Dentre os problemas considerados mais graves, segundo a Articulação, está o de espionagem. “A Vale acessava dados da Infoseg (Integração das Informações de Segurança Pública) e da Receita Federal, o que é prerrogativa de agentes de Estado. A empresa espionava movimentos sociais e funcionários”, diz o pesquisador.

Quanto ao licenciamento da duplicação da Estrada de Ferro Carajás, conforme Gabriel Strautman, o erro foi a fragmentação. Ele diz que as audiências e consultas prévias foram insuficientes ou irregulares porque as informações não foram prestadas pela empresa por completo. “No entendimento do juiz, que chegou a embargar a obra, seria necessário refazer tudo com base em informações sobre os impactos cumulativos ao longo de toda a estrada de ferro”, avalia.

As respostas

No dia 16 de março, a própria Petrobras informou ao mercado que havia sido comunicada pelo Comitê do Índice Dow Jones de Sustentabilidade sobre a sua saída da carteira a partir do dia 25 do mesmo mês. “Em relação à Operação Lava-Jato, a Petrobras reitera que vem colaborando com os trabalhos das autoridades públicas, assim como atendendo a demandas de seus públicos de interesse, incluindo o Comitê do Índice Dow Jones de Sustentabilidade”, destacou.

A Vale lançou o Relatório de Sustentabilidade de 2014 no dia 22 de abril. Para a Revista RI, como resposta em relação às denúncias da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, a assessoria de imprensa da companhia enfatizou que a Vale manteve, pelo sexto ano consecutivo, o nível de aplicação A+ e apresenta seu desempenho nas dimensões econômica, ambiental e social, seguindo a metodologia da Global Reporting Initiative (GRI). Com base no novo processo de materialidade conduzido pela empresa, no Relatório de Sustentabilidade 2014, a Vale reportou 57 indicadores. O documento passou por verificação externa independente. Em 2013, a Vale usou a versão GRI3.

No comunicado à Revista RI, a mineradora negou que haja licenciamento irregular no caso do projeto de duplicação da EFC. Segundo a empresa, todos os processos de licenciamento ambiental seguem rigorosamente a legislação sobre o tema. Salienta que, além de atender ao requisito legal, a fase de licenciamento é uma oportunidade de reforço do compromisso com o desenvolvimento de projetos cada vez mais sustentáveis, com a mensuração dos impactos ambientais relacionados a cada fase do projeto como planejamento, implantação, operação e fechamento e com a proposição de medidas de mitigação, monitoramento e compensação.

No caso do projeto de duplicação da EFC, os estudos elaborados para subsidiar a análise do órgão ambiental foram feitos com rigoroso respeito à legislação ambiental vigente, utilizando diversas fontes de pesquisa, incluindo dados primários e secundários de institutos renomados. Os estudos foram apresentados e discutidos com as comunidades por meio de audiências públicas, coordenadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

Em referência às denúncias de condições análogas às de trabalho escravo em Itabirito (MG), a Vale disse em nota que o fim do mês de janeiro, alguns empregados da Ouro Verde praticaram atos de vandalismo no local, com depredação do canteiro de obras, ameaça à segurança de gestores e tentativa de incêndio de alguns veículos. Logo após esses eventos, o canteiro foi inspecionado pelo Ministério do Trabalho, que identificou a necessidade de adequações relacionadas à legislação de saúde e segurança. Todas as medidas determinadas pela fiscalização foram implantadas. Três dias depois, o Ministério do Trabalho retornou ao canteiro de obras, constatou que todas as ações tinham sido executadas e liberou novamente a área para operação. A companhia ressalta que suas instalações têm condições adequadas de segurança e conforto para seus trabalhadores, sejam próprios ou terceirizados. A empresa declarou que repudia toda e qualquer atividade que envolva condições inadequadas de trabalho e tem reiterado o seu compromisso com o cumprimento das normas e leis vigentes de saúde e segurança do trabalhador.

A companhia nega ainda que as operações de embarque e desembarque de minério esteja prejudicando pescadores no Brasil, Peru e Malásia, com a contaminação das águas. Segundo a mineradora, entidades independentes e com expertise monitoram os processos. Em São Luís (MA), a Vale monitora a área dos píeres do Terminal Marítimo de Ponta da Madeira, localizado na Baía de São Marcos. O trabalho é feito em parceria com a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), por meio do Departamento de Oceanografia, e consiste na avaliação do ecossistema marinho das águas na área da operação portuária da Vale. Os resultados indicam que não há evidência de alterações no ambiente marinho formado por organismos da fauna e da flora. A equipe de pesquisadores de diferentes áreas, como Biociência, Oceanografia, Zoologia e Geoquímica utilizam modernos equipamentos que servem para medir os parâmetros de qualidade da água e sedimentos. Sobre nossos portos no Rio de Janeiro, em suas operações, a Companhia Portuária Baía de Sepetiba (CPBS) adota o Sistema de Gestão Ambiental, sendo um dos seus itens de controle o programa de monitoramento dos recursos hídricos envolvidos em suas atividades. As concentrações mensuradas nas análises do local ficam abaixo dos limites estabelecidos na CONAMA 357, a qual estabelece as condições e padrões de qualidade para águas. Dessa forma, a diversidade de organismos nos pontos amostrados indica condições estáveis ao local, destacando-se a base da cadeia alimentar que é o elo mais importante para garantir o equilíbrio do ecossistema, demonstrando não haver impactos significantes das operações compartilhadas na região. A Bahía de Sechura no Peru, localizada nas proximidades da Mineradora Miski Mayo, subsidiária da Vale, é monitorada constantemente pela OEFA - Orgão fiscalizador ambiental Peruano, que comprova que o material particulado proveniente do embarque de rocha fosfática presente na área de carga de caminhões da mineradora se encontra abaixo dos limites permitidos por lei. Outros institutos competentes do País, como Instituto Tecnológico de la Producción (ITP) e Instituto del Mar del Perú (IMARPE), afirmam que os fatores contaminantes da Bahía de Sechura não estão relacionados à atividade mineira.

Adicionalmente, informou que o processo de transporte do fosfato é realizado por correias transportadoras em estrutura completamente coberta, que inibe o contato do produto com o ar. A medida acima citada faz parte do plano de ações de melhoria contínua colocado em prática pela Miski Mayo, desde 2011.

A respeito da denúncia de um ex-funcionário de que a Vale praticava espionagem, a empresa declarou à RI que não comenta o assunto pois o processo segue em segredo de Justiça.

Em relação aos problemas de remoções, a Vale Moçambique respondeu que realizou um programa de reassentamento de famílias que viviam nas áreas de lavra e industriais do projeto carvão Moatize. Esse programa, que contou com diálogo com o governo e comunidades, teve a etapa de transferência das famílias concluída em 2011, com a realocação de 1.365 famílias. Com base em diversos estudos realizados, duas áreas foram definidas para receberem as famílias: Cateme, com características rurais, e 25 de Setembro, com características urbanas. A Vale Moçambique vem trabalhando de forma contínua em melhorias nos reassentamentos e está empenhada no desenvolvimento de ações de apoio a essas famílias, em conjunto com as esferas governamentais e a partir do diálogo com essas comunidades. Desde o reassentamento, já foram realizadas as seguintes melhorias: manutenção de drenagens e vias públicas, melhorias no sistema de abastecimento de água, ampliação da rede de energia elétrica, construção de estrutura desportiva, investimentos em agricultura, desenvolvimento de soluções de apoio ao transporte público e investimentos em saúde, como a entrega do Centro de Saúde de 25 de Setembro e doação de ambulância. Há outras ações em desenvolvimento. Cabe ressaltar que os centros comunitários contam com a colaboração de agentes comunitários, que são membros da comunidade contratados pela Vale para a facilitação do diálogo comunitário. A Vale Moçambique continua atenta a aprimorar o seu relacionamento com as autoridades e as comunidades locais, a fim de dar continuidade aos investimentos sociais que geram desenvolvimento sustentável e está engajada na melhoraria da gestão de demandas da comunidade.

Quanto à acusação trazida no documento, de que a empresa ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKSA), da qual é a Vale é acionista, estaria poluindo o mar na Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, além de ter elevado em 76% as emissões CO2 e de operar sem licença ambiental, a assessoria da TKSA enviou nota à EBC rebatendo as informações. De acordo com a TKSA, a empresa tem o menor índice de emissão de CO2 entre as siderúrgicas do mundo, com tecnologias de reaproveitamento de gases e vapores para a geração de energia. A qualidade do ar na região de Santa Cruz é avaliada em tempo real, por três estações automáticas de monitoramento no entorno da planta. A empresa alegou que está em conformidade com o licenciamento ambiental e que o declínio da pesca na Baía de Sepetiba ocorre desde a década de 70, sem a influência da empresa, que iniciou obras em 2005 e começou operações em junho de 2010.

Dez princípios GRI

  1. Contexto da sustentabilidade
  2. Materialidade ou relevância
  3. Completude - informações completas
  4. Inclusão dos stakeholders
  5. Equilíbrio - falar sobre metas atingidas e expor os desafios
  6. Comparabilidade - demonstrar evolução da empresa e ou compará-la com outras do mesmo setor
  7. Exatidão das informações
  8. Tempestividade
  9. Clareza - usar a linguagem do público a quem vai se dirigir
  10. Confiabilidade - auditoria

Continua...