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Brasil: uma ponta de esperança para 2017?
Depois de dois anos consecutivos de dramático encolhimento da economia brasileira, com inflação alta, desemprego superando dois dígitos e grave desequilíbrio fiscal, há possibilidade de uma leve retomada a partir de 2017, caso haja uma situação um pouco mais consistente na esfera política. Essa é a avaliação da economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, Washington DC. “Melhorando um pouco o cenário para os investimentos, pode ser possível um leve crescimento do PIB em 2017, nada espetacular”, destaca.
Nessa entrevista exclusiva, concedida à Revista RI, Monica de Bolle, que foi economista do Fundo Monetário Internacional em Washington, D.C. entre 2000 e 2005, comenta sobre diversos aspectos relacionados ao processo de impeachment. Para ela, as primeiras medidas a serem adotadas em um eventual governo Michel Temer, devem ser relacionadas ao ajuste fiscal. Acompanhe a entrevista:
RI: O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que a economia brasileira terá uma retração de 3,8% este ano e fechará 2017 com crescimento zero, porém, se houver uma “solução” para a crise política, o Brasil poderá voltar a crescer em 2017. Qual é a sua avaliação sobre essa projeção do FMI? Há de fato possibilidade de retomada da economia no ano que vem?
Monica de Bolle: Possível é... Acho que da maneira que as coisas vêm caminhando nas últimas semanas, pode ser que sim. Refiro-me principalmente ao processo de impeachment, o início do fim, quer dizer o início do que parece ser o final do governo Dilma Rousseff, que aumenta as chances de o país ter um quadro um pouco melhor em 2017. A verdade é a seguinte: gostemos ou não do impeachment, o governo havia perdido a capacidade de governar há algum tempo, sem apoio nenhum no Congresso Nacional, impossibilitado de aprovar matérias importantes, nessa situação, não há condições para reverter a situação econômica ruim. Um novo governo liderado por Michel Temer, atual vice-presidente, logicamente deverá enfrentar uma porção de dificuldades, a “Lava-Jato”, por exemplo, porque sabemos que a crise política não acabará a partir do impeachment. Agora, tem uma diferença considerável porque a base de apoio no Congresso que o Temer deve ter, ainda que ele faça a tal redução de ministérios que prometeu fazer, e que espero que ele faça, é uma base muito mais expressiva do que a Dilma jamais teve. Temer tem apoio significativo na Câmara e majoritário no Senado, o que o ajuda a passar, por exemplo, emendas constitucionais que visem desvinculação de receitas e despesas e, ainda, alterações na forma como as despesas são indexadas atualmente, porque isso representa um crescimento automático das despesas e torna a execução do orçamento muito complicada. Ele terá, espero, apoio parlamentar para passar esses tipos de medidas, que eu acredito que devem constituir a primeira ordem do dia em um eventual governo Temer. Embora isso não resolva no curto prazo o problema fiscal do Brasil, vamos continuar com déficit nas contas públicas elevado esse ano e a trajetória da relação dívida/PIB ainda ruim por um tempo, ajudará a melhorar todo ambiente no país que se tornou completamente tóxico para qualquer coisa, principalmente para investimentos. Melhorando um pouco o cenário para os investimentos, pode ser possível um leve crescimento do PIB em 2017, nada espetacular. Na parte que diz respeito ao consumidor, a questão é mais complicada porque o problema do desemprego, por exemplo, não será resolvido de imediato, é uma variável que reage com muita defasagem. O desemprego ainda deve subir um tanto antes de cair e continuará sendo um peso grande para as famílias. Vemos uma queda expressiva de renda em termos reais, como mostraram dados recentes da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE), o que afeta o consumo e é difícil reverter a curto prazo.
RI: Desta forma, as primeiras medidas de um eventual próximo governo têm que ser de ajuste fiscal... O que mais deveria ser feito? A reforma da Previdência Social precisa caminhar?
Monica de Bolle: Acabar com a indexação de despesa é fundamental, do jeito que está não dá, não há orçamento exequível nessa situação. Isso requer emenda constitucional com a maioria que o Temer provavelmente terá no Congresso e com o PSDB dizendo que não irá atrapalhar, que não fará o papel que fez no governo Dilma, afinal essa agenda é dele, acho que o Temer consegue passar essa medida no Congresso. A desvinculação de receita e despesa deve vir junto. São itens que olham mais para o médio prazo. No curto prazo, seguiremos com esse problema de déficit elevado neste ano e, provavelmente, no próximo, a depender da recuperação da economia, se será possível gerar receita. A dúvida que eu fico é o que acontece a respeito da discussão da CPMF (ContribuiçãoProvisória sobre Movimentações Financeiras) porque o Temer tem falado pouco, mas há algumas sinalizações de que um governo dele não apoiaria a reintrodução desse imposto, que a presidente Dilma Rousseff estava querendo emplacar como medida de emergência. Por um lado, isso é positivo porque o Brasil tem uma carga tributária absurda e precisa urgentemente gerar ganhos de competitividade para o setor produtivo. A CPMF serve bem para cobrir rombos imediatos no orçamento, mas impacta negativamente o investimento e o consumo. De fato, o eventual governo Temer vai tentar evitar a CPMF e deverá colocar uma agenda de médio prazo. Quanto à Previdência, essa é uma questão que tem que ser discutida com a sociedade. A Previdência está se tornando insustentável. A despesa com a Previdência hoje é de 7,5% do PIB e se não forem feitas alterações, ou seja, se continuarem vigentes as regras atuais, em quinze anos iria para 10% do PIB. Então, a introdução de idade mínima e a unificação de todos os regimes de aposentadoria, isto é, a reforma mais ampla da Previdência coloca os níveis atuais dos gastos em uma trajetória de estabilização em relação aos níveis atuais, sem piora do quadro. O problema é que a sociedade tem que entender o teor dessas medidas e a necessidade das mudanças. A população deve entender que se nada for feito vai faltar dinheiro em algum momento para pagar aposentadoria e seguro desemprego. Porém, acho que essa é uma discussão muito difícil este ano. Pode até acontecer em algum momento no ano que vem. Porém, não sei se o governo Temer, já tendo que iniciar outras medidas que mencionei na área fiscal, se ele colocar tudo de uma vez, pode ficar muito fora de propósito do ponto de vista da capacidade política de se fazer alguma coisa.
RI: Sem o impeachment, quais seriam as consequências ao país?
Monica de Bolle: Sem o impeachment, sinceramente, o Brasil iria para uma situação econômica muito pior, daí sim vai haveria fuga de capitais, crise no balanço de pagamentos e fiscal. O governo Dilma Rousseff chegou a um ponto de tal desgaste e descrédito, que não tem sustentabilidade. É uma questão lógica, não se trata mais de quem as pessoas apóiam politicamente, o problema é um governo que se desgastou imensamente, tentou de uma maneira errada consertar os rumos do país e foi atropelado pela “Lava-Jato”. Não há caminho positivo se a presidente Dilma não for afastada. Isso é o que gera muita consternação no Brasil hoje porque como existe uma parcela da população que não apóia Michel Temer de maneira alguma e uma narrativa equivocada de que tudo está sendo formulado pela Direita ou Extrema Direita. Avalio até que no Brasil, os políticos são majoritariamente de Centro. É uma discussão que divide a opinião pública, divide o país e não ajuda nada. O governo tem sido muito imprudente em relação à maneira de como tem colocado essas questões aos país. A presidente Dilma Rousseff tem feito papel prejudicial ao provocar mais essa divisão e a ala petista mais vinculada a ela também tem sido terrível nesse aspecto. Quem tem visão melhor do que se passa no país, mas perdeu a capacidade de articulação política que já teve, é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Lula, se tivesse capacidade tomar as rédeas desse processo político, seria melhor, mas ele não tem como exercer esse papel pelo curso das investigações contra ele. Sem impeachment, o Brasil iria para uma situação muito complicada. Mas ressalto que a crise política não acaba com o impeachment. Consiste apenas em uma transição para algo, que tomara em 2018, seja capaz de colocar o Brasil de volta em uma trajetória positiva. Não será fácil e existem muitas dúvidas correndo por fora como o que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) vai determinar em relação ao Temer - se ele consegue sobreviver a esse processo ou não, e se os desdobramentos das investigações da Lava-Jato vão afetar a percepção sobre ele. Em curso ainda, os processos contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
RI: Qual é a percepção dos investidores internacionais sobre o Brasil no momento?
Monica de Bolle: Como participo de alguns eventos do Brazil-US Business Council (Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos), com a presença de altos executivos de grandes empresas americanas que atuam no Brasil há muito tempo, de maneira geral, tenho notado que eles estão esperando uma história positiva. Há alguns dias, estive em um evento promovido pela Brazilian-American Chamber of Commerce (Câmara Brasileira-Americana de Comércio), em Nova York, que teve discurso do ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Esse evento chamado The Brazil Summit, que é realizado todos os anos, estava lotado com uma mistura de investidores, executivos e empresários e, por parte deles, não existe nenhuma percepção de que existe golpe, pelo contrário, prevalece uma visão unânime de que o processo de impeachment está respeitando os marcos constitucionais do país. Muitas dessas empresas não são novatas no Brasil, algumas estão há 80, 90, 100 anos no país, já passaram por tudo, fases difíceis, crises severas e, também, momentos promissores. Quem tem experiência, sabe que o Brasil passa por turbulências, mas elas vêm e vão. Mas a opinião que prevalece é que para haver uma virada positiva, tem que haver mudança de governo. Claro que o ideal é que essa mudança viesse por eleições, não por impeachment. Mas esses empresários estão esperançosos de que um eventual governo Temer, com uma equipe enxuta e bons nomes na área econômica, inclusive, se o Henrique Meirelles for ministro da Fazenda, fará com que o Brasil supere parte dos seus problemas, resultando em algum sinal de melhora na economia a partir do ano que vem.
RI: Os investimentos estrangeiros são fundamentais para melhoria da infraestrutura brasileira. O que deve ser feito para atraí-los?
Monica de Bolle: Primeiro, deve prevalecer a confiança de que medidas de ajuste fiscal de médio prazo serão tomadas. Além disso, a ideia que se discute e tem saído na imprensa, de unificar toda a parte ligada à infraestrutura em um grande ministério. Essa pasta , ao ser chefiada por uma pessoa que entenda desse setor, não um indicado político, para se ter base parlamentar, coisa que Michel Temer potencialmente não precisa tanto quanto o PT necessitava, seria capaz de fazer andar a agenda de infraestrutura no país. Um dos principais entraves até agora foi o governo Dilma Rousseff manter pessoas de indicação política para tocar projetos, não técnicos. A agenda micro também tem que ser tratada, isto é, é preciso instituir um regime regulatório claro, transparente e consistente, sem mudanças constantes de regras. Fazendo isso, existe um apetite enorme dos investidores estrangeiros.
RI: Com menor disponibilidade de recursos públicos, você acredita que o mercado de capitais deve assumir importância estratégica para a retomada dos investimentos?
Monica de Bolle: Acredito que sim, se o país tiver as bases macro e micro, um melhor ambiente de negócios para atrair investimentos locais e estrangeiros para projetos de infraestrutura. Porém, essa área não poderá prescindir do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) porque projetos de infraestrutura, principalmente os de grande porte e longo prazo, que têm risco muito alto, necessitam de suporte do governo. O BNDES fez muita coisa, mas o governo acabou desvirtuando todo esse processo de investimento do banco. Mas se o BNDES voltar a assumir esse papel de maneira consistente, o mercado financeiro vem junto porque o potencial é enorme.
RI: A senhora faz críticas em relação ao papel do BNDES...Quais os erros praticados? O que poderia mudar?
Monica de Bolle: O papel do BNDES deveria ser como o exercido por bancos de desenvolvimento modernos no mundo. Recentemente, muito se discute e são avaliadas como positivas as atuações do Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB), que foi idealizado pelo governo da China, para projetos de infraestrutura na Ásia e a Financiera de Desarrollo Nacional (FDN), da Colômbia, na América Latina. São bancos públicos que só financiam infraestrutura, parceiros de PPPs, que assumem parcela dos riscos de projetos grandes. No caso do Brasil, o que aconteceu nos últimos anos é que o BNDES foi usado como instrumento para tudo. Na época da crise (2008/2009), atuou para não deixar o país entrar em recessão, depois, para promover empresas campeãs nacionais, uma estratégia péssima que não deu certo em lugar algum. Também foi usado para não deixar a economia cair nos anos Dilma Rousseff, para tentar gerar algum investimento, mas como tudo foi feito com incentivos errados, não deu muito certo. O BNDES fez investimentos, mas sem uma estratégia clara para essa área, as coisas não andaram como deveriam. O BNDES é fundamental, mas tem que passar por um processo amplo de modernização.
RI: Qual é a sua avaliação sobre o tamanho da Bolsa de Valores brasileira e do mercado de capitais como um todo? Essa fonte de financiamento deveria se desenvolver mais, apesar de a situação atual da economia brasileira não ajudar muito, resultando até em fechamentos de capital?
Monica de Bolle: Tudo é uma questão de incentivos. Se o governo desenha os incentivos errados, o mercado vai responder de determinada maneira. Nos últimos oito anos, o governo teve uma política intervencionista, está presente em tudo. Daí não tem retorno para o mercado fazer determinadas coisas. Se o mercado tiver um conjunto de incentivos e de políticas do governo, essa situação muda. A taxa Selic elevada também inibe e ela tem vínculo muito forte com o papel dos bancos públicos do Brasil, com o BNDES e com a questão do crédito direcionado. Não é possível ter um sistema que funcione bem onde mais de 55% do crédito vem de instituições financeiras públicas, maioria crédito direcionado ou subsidiado, isso joga a taxa de juros naturalmente para cima. Antes de 2006, essa participação era na faixa de 35%, era alta ainda, mas em um país como Brasil com tantas necessidades de preenchimentos de lacunas, é natural uma participação das instituições púbicas. Mas o salto de 35% para 55% em apenas dez anos é exagerado.
RI: O que a senhora acha da fusão entre a BM&FBovespa e a Cetip que está em andamento? Não há consenso entre analistas e outros agentes de mercado, enquanto alguns avaliam que a formação desse grande player é positiva, outros consideram que a concorrência seria mais saudável, porém, dificultada pela fusão, mas até que viável com a retomada da economia...
Monica de Bolle: Isso também passa pelo desenho de incentivos que mencionei. Se no Brasil houvesse outro tipo de visão do governo sobre o papel do mercado de capitais, poderia até existir várias bolsas como em outros países. Então, nesse aspecto, a fusão da BM&FBovespa com a Cetip não é em si a questão principal. A discussão central, para mim, é o que precisa mudar no ambiente regulatório e no funcionamento do mercado de capitais brasileiro, independentemente dessa fusão em andamento para que outras bolsas possam existir.
RI: A senhora foi a responsável pela tradução para o português de “O Capital no Século XXI”, de Thomas Piketty. O que esse trabalho representou?
Monica de Bolle: O livro tem virtudes e falhas como qualquer obra humana. A grande virtude do Piketty foi recolocar a questão da desigualdade da distribuição de renda novamente na tela dos economistas no mundo. A reintrodução desse debate de forma muito bem estruturada foi importante. Em segundo lugar, é um livro de economia de leitura relativamente fácil. A terceira virtude é que o livro mostra o trabalho empírico feito por ele e por uma rede pesquisadores. Eles formularam a The World Top Incomes Database (WTID), uma base de dados que está disponível para todos. Esse conjunto de pesquisadores está tentando agora ampliar a cobertura dessa base de dados. Acho que o livro é um pouco falho, um pouco ingênuo, na parte sobre o que fazer para resolver o problema da desigualdade. Com o escândalo “Panama Papers”, vemos que a resposta é muito difícil. É legal pensar em redistribuir, introduzindo impostos sobre herança, sobre grandes fortunas, sobre ganhos de capital, porém, as pessoas ricas têm como tirar dinheiro dos seus países e colocar em outros lugares, em paraísos fiscais.
RI: No Brasil, o livro motivou a discussão em relação ao imposto sobre grandes fortunas, mas não deu em nada...
Monica de Bolle: Antes disso, há muito por fazer. No Brasil há distorções, o sistema tributário é regressivo, isto é, na parte de tributos indiretos a incidência é proporcionalmente maior sobre os mais pobres do que sobre os mais ricos.
RI: A situação complexa da política e economia brasileira está colocando em risco os ganhos sociais que o país teve nos últimos anos?
Monica de Bolle: Infelizmente, não há duvida. Com a taxa de desemprego batendo em dois dígitos, com a renda real caindo e inflação alta, boa parte dos ganhos sociais já retrocederam. E, em um país sem rumo, as perdas tendem a ser ainda maiores. E, o cenário sem impeachment seria péssimo...