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O País está atrasado nos ajustes fiscais e se nada for feito, as consequências serão seríssimas no futuro. Quanto mais o governo demorar para encaminhar a proposta de reforma da Previdência ao Congresso - o que exige debate intenso e difícil com a sociedade, maior o risco de não aprová-la em função da proximidade das eleições de 2018. É o que avalia Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos. "A crise fiscal é a mãe das crises no país", ressalta. Ela defende que a PEC 241, ou PEC do Teto, que estabelece que os gastos públicos não poderão crescer acima da inflação, condiz com a realidade atual.
Segundo Zeina Latif, somente em um cenário benigno, com avanços no regime fiscal, a economia brasileira avançará 0,5% em 2017. "Para isso, as tensões políticas precisam ser resolvidas rapidamente", destaca.
A economista foi convidada para fazer parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o "Conselhão" do governo Michel Temer. "Fiquei surpresa porque não são incomuns minhas críticas ao governo", disse. Ela considera que a primeira reunião do grupo, no fim de novembro, foi positiva. Além de o governo estar aberto ao diálogo, foca na construção de uma agenda horizontal, não vinculada a interesses setoriais. A nova formação do colegiado conta com mais mulheres do que no período de Dilma Rousseff. Atualmente, são 31 mulheres em um universo de 96 integrantes. No governo anterior, eram 18 mulheres entre 92 membros.
Com um currículo de peso, Zeina Latif é doutora em economia pela Universidade de São Paulo (USP). Antes de atuar na XP Investimentos, ela trabalhou no Royal Bank of Scotland (RBS), ING, ABN-Amro Real e HSBC.
Acompanhe a seguir a entrevista que Zeina Latif, economista-chefe da XP, concedeu com exclusividade à Revista RI:
RI: A crise fiscal no Brasil é muito preocupante? Quais são os riscos?
Zeina Latif: Na minha avaliação, a crise fiscal é a mãe de todas as crises. Claro que existe a crise política, mas acredito que o desajuste fiscal está no centro das dificuldades que o País está vivendo. Imagine se o Brasil estivesse com as contas arrumadas e crescendo, será que a crise política ia ser tão grande? O Brasil teve o problema de mensalão em 2005 e não houve essa confusão toda porque o PIB crescia. A Dilma (Rousseff) caiu porque as pessoas foram às ruas não somente por causa da corrupção, mas devido à crise econômica. E a crise fiscal está na raiz da crise econômica. No momento em que o governo adota uma postura fiscal irresponsável, faz políticas que levam ao crescimento da dívida pública, faz o País perder o grau de investimento e, portanto, pressiona o dólar, os juros e inflação, o cenário se complica. A política fiscal se tornou não só um elemento inflacionário, mas um fator de instabilidade da economia. Começamos 2016 discutindo o risco de calote, de espiral inflacionária e o mercado chegou a precificar a taxa de câmbio a R$ 6 por US$ 1 em 2018. Então, era um risco concreto e no centro disso, a crise fiscal. Por não saber conduzir essa agenda fiscal, o Brasil perdeu o grau de investimento e houve contágio na economia, que já tinha um quadro recessivo. A situação se agravou e o país passou a ter um quadro de depressão. Então, essa crise fiscal talvez seja a mais grave que o país está passando. E outro problema é que os instrumentos de ajuste fiscal do passado, hoje não estão disponíveis. Não é possível financiar o déficit com inflação, não pode fazer "pedalada" e não há mais espaço para aumentar adicionalmente a dívida pública - pelo contrário, é fundamental conter seu crescimento. Desta forma, um dos caminhos seria cortar as despesas na "boca do caixa", porém, há forte limitação para isso porque o rombo é grande demais. Além disso, o crescimento das despesas é automático. A solução é fazer reformas estruturais porque não há mais opções. Mesmo o aumento da carga tributária seria inviável porque a cada ano seria necessária mais uma CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras) para dar conta desse aumento de despesas.
RI: Por que as despesas públicas têm crescido de forma automática? O governo tem tomado providências efetivas para amenizar a crise fiscal?
Zeina Latif: As despesas crescem automaticamente e esse problema piorou ao longo do tempo. Há um motivo que é estrutural. Os brasileiros estão envelhecendo e a reforma da Previdência é necessária. Mas também foram tomadas decisões equivocadas que elevaram a rigidez orçamentária como a regra do salário mínimo, que impacta as políticas sociais e a Previdência, assim como, as regras de vinculação de despesas para as áreas de educação e saúde. Para diminuir essas vinculações, o governo elaborou a PEC 241, conhecida como a "PEC do Teto". Essa medida por si só não é um ajuste fiscal, é necessária a reforma da Previdência complementando. Caso contrário, a PEC do Teto implode! Como a Previdência cresce automaticamente, significa que outras despesas vão ter que cair, mas há limites para isso porque pode afetar de forma perigosa as políticas públicas. Então, essa agenda estrutural é essencial e não é à toa que quando governo sinalizou a intenção de tocar essas reformas, não como agenda de ministro da Fazenda, mas como meta de governo, o mercado teve uma resposta positiva, houve certo alívio nos preços dos ativos.
RI: Mas o ajuste fiscal é de fato uma agenda prioritária do governo?
Zeina Latif: Essas agendas da PEC do Teto e da reforma da Previdência já estavam sendo gestadas no governo de Dilma Rousseff. Nelson Barbosa, então ministro do Planejamento, e Joaquim Levy, que era o ministro da Fazenda já falavam da necessidade de avanços nessas questões estruturais. Levy acabou deixando o cargo. Mas mesmo no começo desse ano, Nelson Barbosa, que havia substituído Levy na pasta da Fazenda, falou sobre a criação de regras para disciplinar gastos públicos. O problema é que era uma agenda de ministros e não de governo. Agora, os ajustes são tratados como uma agenda de governo.
RI: No começo do ano, economistas de diversas correntes tinham desenterrado uma discussão que parecia superada na história das finanças nacionais há mais de 30 anos: a do risco de calote. Hoje, há esse risco? Como está a situação?
Zeina Latif: Antes de calote, tem inflação alta. Considero que essas discussões sobre risco de calote cresceram bastante de fato, mas agora com essa direção de política econômica, esse problema diminuiu porque poderemos enxergar adiante, entre 5 a 10 anos, uma estabilização da dívida pública. A visão dos analistas na XP é que o calote da dívida seria algo com custo político e econômico elevado demais para um governo levar adiante. Antes disso, aconteceria uma espiral inflacionária e reformas. Do ponto de vista político é melhor fazer a reforma da Previdência do que calote, o que geraria impacto muito negativo para economia como um todo.
RI: Nos próximos anos, o Brasil precisará atrair investimentos para elevar a competitividade do setor produtivo e crescer. Quais as perspectivas? De forma geral, qual é a atual visão que os investidores têm sobre o país?
Zeina Latif: Os investidores ainda têm uma posição cautelosa. Recentemente, observamos alguns grupos fazendo aquisições para aproveitar preços dos ativos com descontos. Porém, esse é um movimento que tem vigorado nos últimos anos. Mas não é um quadro exatamente de atração de investimentos, há muita incerteza em relação ao quadro político e à capacidade de entrega do governo. Acho que essa agenda de atração mais forte de investimentos, não somente aquisições, mas nos chamados greenfields (projetos novos ou primários) ainda vai ter que esperar. O quadro é muito incerto. Quando olhamos historicamente a lógica dos investimentos, todos os períodos de boom de commodities foram muito benéficos para os países emergentes, inclusive para o Brasil. Hoje, o apetite para investir em emergentes não é tão grande como no passado. Há um contexto internacional de comércio mundial estagnado e os grandes grupos ligados às cadeias produtivas estão adotando posturas mais retraídas. Os preços das commodities não estão caindo, mas não têm uma dinâmica positiva. Por causa desse quadro morno em âmbito global no que se refere aos investimentos produtivos e da instabilidade no Brasil, teremos que esperar.
RI: No país, as incertezas tendem a se aprofundar? São muitas preocupações, como a assinatura de acordos de "delação premiada" por dezenas de executivos da Odebrecht, no âmbito da Operação Lava Jato, que investiga corrupção na Petrobras. Além disso, o governo Michel Temer já coleciona uma série afastamentos de ministros por condutas eticamente inapropriadas. O caso mais recente é do ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, que acabou pedindo demissão após ser acusado pelo ex-ministro da Cultura Marcelo Calero de tê-lo pressionado para liberar uma obra no centro histórico de Salvador...
Zeina Latif: Acho que provavelmente a lua de mel com o governo de Michel Temer está indo embora. E com a vitória de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, o ambiente internacional ficou mais ruidoso, o nível de incertezas aumentou. É importante que o governo federal trabalhe adequadamente, resolva rapidamente esses episódios. Neste caso específico, Geddel acabou saindo. Quanto mais o governo posterga a solução desses conflitos, retira o foco da agenda econômica, que é urgente. Se nada for feito, as consequências serão seríssimas lá na frente. Estamos falando de uma reforma da Previdência que tem tramite lento, consiste em uma discussão difícil com a sociedade. Quanto mais próximos estivermos de 2018, maior o risco de não se aprovar nada porque o Congresso estará menos disposto a discutir essas questões devido à proximidade de novas eleições. Para se ter uma ideia, a reforma da Previdência do governo Lula levou oito meses de tramitação. Isso demonstra que estamos muito atrasados. Temos que correr atrás do prejuízo. Assim que o projeto de reforma da Previdência for enviado, precisará de um ritmo acelerado de comunicação e articulação política porque não haverá espaço para postergação.
RI: Quando o país terá um cenário mais positivo para o desenvolvimento do mercado de capitais? Haverá condições para IPOs (ofertas públicas iniciais) no próximo ano?
Zeina Latif: No primeiro semestre de 2017, acho difícil que ocorram IPOs. Correlaciono isso ao fraco ritmo da atividade econômica e às incertezas. Porém, em um cenário mais benigno, caso seja aprovada a reforma da Previdência, não uma reforma tímida, mas medidas que consigam tranquilizar o mercado, que dêem uma noção de estabilização da dívida pública nos próximos anos e permita um desenho de política monetária corte de juros mais forte, o mercado de crédito tende a se recuperar e o mercado de capitais também entra em um movimento positivo. Esse cenário benigno é esperado o segundo semestre de 2017, mas depende da reforma da Previdência.
RI: O governo federal tem sinalizado que a forma de atuação do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) será mais contida e voltada aos projetos de infraestrutura. Você acredita que será mesmo dessa maneira?
Zeina Latif: Isso é o desejado, essa é a agenda do governo. É importante lembrar que as políticas dos últimos anos não foram eficazes para aumentar investimentos e o potencial de crescimento do País. Há uma série estudos mostrando que o estímulo às empresas campeãs nacionais fracassou. O redirecionamento do BNDES para infraestrutura será importante, ainda assim com limitações financeiras. É possível que o BNDES tenha extrapolado a sua função e isso acabou limitando o desenvolvimento do mercado de capitais. Logicamente quando vem a crise não tem jeito, com ou sem o BNDES seria assim. Porém, em uma visão mais abrangente, o BNDES ao extrapolar suas funções, gerando distorções, acabou atrapalhando o mercado de capitais. Acho que o redesenho do BNDES, usando o jargão dos economistas, pode ter "externalidades" importantes e o setor privado poderá preencher espaço que antes estava com o a instituição.
RI: A presidente do FED (banco central dos Estados Unidos), Janet Yellen, afirmou em novembro último que os juros poderão subir "relativamente em breve". Qual o impacto do aumento da taxa básica de juros da economia americana no Brasil? Essa possível alta terá capacidade de retirar recursos investidos em outros países e levar esse dinheiro para o mercado americano, provocando uma desvalorização das moedas nos emergentes, incluindo o Brasil, como alertam analistas?
Zeina Latif: Um possível aumento na taxa de juros nos Estados Unidos traria impacto negativo sim, mas esse não é o fator de risco mais importante para o País. Claro, não sabemos exatamente qual será a política do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Há risco de uma agenda econômica nos Estados Unidos que gere aumento de taxa de juros, mas não pela boa razão, mas por um motivo ruim mais adiante. Vamos supor que o Trump erre a mão na política fiscal e isso venha a gerar uma pressão inflacionária na economia que já está operando em linha com seu potencial. Isso seria péssimo. Agora, esse movimento de alta dos juros que o FED que deve promover em breve - possivelmente ainda agora em dezembro - deverá ocorrer porque a economia americana não precisa de uma taxa de juros tão acomodativa. O FED pode fazer normalização da política monetária, isso é saudável. Essa medida gera ruído no curto prazo nos mercados, mas não é algo que reverte a visão dos investidores estrangeiros definitivamente em relação aos emergentes, ainda mais porque o aumento da taxa de juros ocorre porque a economia americana se recupera e com todas as implicações que isso tem para o comércio mundial. Ou seja, o aumento da taxa de juros nos Estados Unidos dará ruído em um primeiro momento, mas não causará uma reversão de cenário, além do que, considero saudável que vá desmontando esse artificialismo na política monetária, cujas consequências não sabemos. O problema será no futuro, caso o FED tenha que subir os juros por erros do futuro governo na política. Aí entra a questão do Trump e ninguém sabe exatamente o que vai acontecer. Os economistas traçam cenários, mas não têm bola de cristal. Eu avalio que Trump será mais comedido do que se imagina porque o Partido Republicano será criterioso para aprovar as medidas dele. Mas ressalto que isso é cenário.
RI: Como a sra. recebeu o convite para ser uma das integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do governo federal, o chamado "Conselhão"? Como foi a primeira reunião do grupo, em novembro?
Zeina Latif: Eu fiquei bastante surpresa, inclusive porque não são incomuns minhas críticas ao governo. Acredito que nenhum membro do Conselho tem a pretensão de achar que agora tudo vai ser diferente. Esse governo estará aí por pouquíssimo tempo e tem que resolver a crise fiscal, o que ocupa grande espaço de sua agenda econômica. A questão fiscal é muito grave, por isso será difícil avançar em outros aspectos estruturais. Todos os integrantes do Conselhão têm consciência de que há limites para atuação do governo federal. De qualquer forma, a minha leitura é que o governo se mostra aberto a ouvir, está disposto ao diálogo para compor uma agenda horizontal. Essa é uma sinalização importante. É diferente do que vimos anteriormente. Principalmente o governo Dilma Rousseff, que cedia aos interesses de grupos de pressão e, por isso, toda a política setorial que foi feita. Então, hoje o debate é em torno de uma agenda horizontal e não pensando na defesa de interesses particulares. Esse é o espírito dos conselheiros. O que notei na primeira reunião foram discursos de apoio aos ajustes, pedindo reformas estruturais para ganho de produtividade e eficiência. E, claro, não descuidando da agenda microeconômica. É preciso arrumar a casa hoje e ter alguma volta cíclica do crescimento. Ou seja, é fundamental abrir espaço para o Banco Central cortar juros. Então, obviamente havia um clamor para o governo avançar na agenda microeconômica, mas de forma geral, com medidas horizontais. As políticas setoriais geraram muita confusão na gestão de Dilma, afetaram preços relativos da economia e até as decisões de investimentos. O intervencionismo estatal acabou causando o encolhimento da produtividade do País.
RI: A participação feminina no "Conselhão" cresceu de forma significativa. Qual é a sua avaliação sobre isso?
Zeina Latif: É um movimento positivo. Os governos e as empresas podem e devem estimular esse processo, mas isso é resultado do amadurecimento da sociedade como um todo. A participação feminina é um valor da sociedade, não algo que acontece de cima para baixo.
RI: Afinal, a economia brasileira voltará a crescer em 2017?
Zeina Latif: Não temos o costume de divulgar projeções oficiais da XP, mas avaliamos quando temos visão diferente do consenso. E na questão do PIB para 2017, temos uma visão diferenciada. Temos acompanhado uma redução nas expetativas dos analistas em relação ao crescimento, porém, sempre vimos com divergência e preocupação o potencial de recuperação. Para 2017, projetamos um crescimento do PIB de apenas 0,5% em um cenário benigno. Essa é a nossa avaliação porque o quadro é muito frágil, o espaço para erros do governo é muito pequeno. É importante que a tensão política se resolva rapidamente para que o governo volte a ter foco na agenda econômica. Quanto mais essa questão for postergada, menos possibilidades para cortes de juros e, portanto, a volta cíclica da economia fica comprometida. O adiamento não é uma situação neutra para o cenário porque os empresários deixam de ficar confiantes, o que significa mais demissões e uma queda maior no mercado de crédito e no consumo. Postergar a resolução dos conflitos políticos representa comprometer o curto prazo, levando a mais quedas.
RI: E a situação fiscal dos Estados, que também é complicada? O descontrole das contas do Rio de Janeiro, por exemplo, é emblemático...
Zeina Latif: O setor produtivo precisa reforçar essa necessidade de ajuste fiscal nos Estados. Vemos essa confusão no Rio de Janeiro, o presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) não aceitando as propostas do governo do Estado na integridade. O setor produtivo tem que apoiar os ajustes, deve pressionar. Por sua vez, o governo federal sozinho não conseguirá resolver essa situação porque tem lá os seus desafios. Mas o que vemos hoje é que falta uma posição mais contundente do empresariado nas reformas do setor público. Esse silêncio é preocupante...