Sustentabilidade

REPENSANDO AS BOAS PRÁTICAS NO SETOR DE MINERAÇÃO

Um ano após a maior tragédia socioambiental do Brasil com o rompimento da barragem de rejeitos da empresa Samarco no distrito de Bento Rodrigues, em Minas Gerais, muitas perguntas continuam sem resposta. E uma grande questão que se coloca é se a dimensão desta tragédia representará um divisor de águas nos atuais modelos de gestão que insistem em manter variáveis sociais e ambientais como questões marginais no setor de mineração.

Não que as questões ambientais e sociais não estivessem presentes como uma prioridade no discurso e documentos da empresa. O Relatório Anual de Sustentabilidade da Samarco (2014) informa que a atuação da empresa é pautada no diálogo e transparência nas relações, o que possibilitou a empresa conquistar a licença social para operar, ativo que ocupa lugar central em nosso Modelo de Sustentabilidade. "Buscamos, dia após dia, gerar valor compartilhado, aliando ganhos obtidos com o crescimento da empresa a benefícios de longo prazo que podemos gerar para os territórios onde atuamos", informa a publicação.

Uma primeira constatação dá conta de que algumas boas práticas ocultaram ou desviaram a atenção para problemas de gestão graves, haja vista o não atendimento de questões básicas do marco regulatório de barragens como a instalação de sistema de alerta e a disponibilização de equipes treinadas para assessorar as comunidades em casos de emergência. Em Bento Rodrigues, a cidade mais próxima da barragem de Fundão, que foi completamente devastada pelo seu rompimento, quase a totalidade de sua população foi salva por uma moradora em sua moto que conseguiu alertar aos gritos os moradores que conseguiram chegar a um ponto mais alto da comunidade. Medidas urgentes para garantia dos direitos humanos das comunidades impactadas só foram tomadas após ação judicial. Em um primeiro momento as famílias foram levadas para o ginásio de Mariana e somente acomodadas em hotéis e casas alugadas pela empresa após intervenção do Ministério Público de Minas Gerais, que considerou o espaço inadequado para as famílias.

Vivendo hoje espalhados por Mariana tentam reconstruir suas vidas em um ambiente em que parte da população transformou vítimas em culpados pela crise que se abateu também na cidade. Com a suspensão das atividades da Samarco, contando os empregos gerados direta e indiretamente pela empresa, o nível de desemprego saltou para 25% em Mariana. Faixas pedem a volta da operação imediata da Samarco, mesmo estando ainda indefinida a reparação a ser feita pela empresa em relação às vítimas e danos socioambientais gerados. A ajuda financeira mensal paga pela empresa para os moradores e aluguel das casas atiçam ainda mais o sentimento negativo em relação aos repentinos moradores de Mariana.

Esse contexto aponta para dois elementos principais que integram os modelos de desenvolvimento minerários no país e que contrariam elementos centrais presentes no relatório da empresa de sustentabilidade citado. Em primeiro lugar, de um lado, os recursos gerados com a arrecadação de impostos, ampliação de empregos e expansão das atividades de serviços complementares nestes municípios contribuem para melhorias em investimentos em educação e saúde impactando positivamente os indicadores de desenvolvimento humano destas localidades. De outro, a complacência por parte das autoridades municipais e estaduais com a gestão de empreendimentos minerários em relação aos impactos socioambientais gerados, a falta de transparência e diálogo efetivo entre empresas e comunidades encobrem situações de risco ampliando a vulnerabilidade das comunidades em que estes empreendimentos estão localizados. Em segundo lugar a vulnerabilidade é ampliada pela questão da dependência municipal de uma única ou dominante atividade econômica. Mais de 80% da receita municipal de Mariana está ligada às atividades de mineração. A ausência de um pensamento estratégico e sistêmico para o município cobra seu preço agora pela falta de diversificação econômica.

A atividade de mineração parte de recursos finitos. Nesse sentido, o termo responsabilidade social tão amplamente usado pelas empresas hoje, não se limita a dialogar com a comunidade, mitigar impactos ambientais e fomentar investimentos sociais locais. Como principais promotores de mudanças na estrutura socioeconômica dos municípios em que atuam, empresas mineradoras são corresponsáveis por participar e apoiar estratégias alternativas para o desenvolvimento local.

Nesse sentido a licença social para operar, ou a legitimação que uma comunidade outorga a empresa para operar em seu território, só pode ocorrer quando os riscos e benefícios econômicos, sociais e ambientais sejam compartilhados de forma efetiva entre empresa, poder público e comunidade.

O episódio Samarco mostra os riscos quando discurso e práticas caminham em direções opostas. Que ele seja lembrado não apenas como a maior tragédia socioambiental brasileira e do setor de mineração mundial, mas também como um ponto de inflexão na atividade minerária para que de fato reinvente seus modelos de negócios e formas de operar, de modo que tragédias como essa não sejam o custo a se pagar pelo crescimento econômico. Até mesmo porque ele já se mostrou impeditivamente alto mesmo nas análises econômicas mais tradicionais.

 

Jacques Demajorovic
é professor-doutor do Programa de Pós-Graduação em Administração da FEI e coordena o Grupo de pesquisa sobre licença social para operar.
jacquesd@fei.edu.br

Juliana Lopes
é diretora do CDP Latin America e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Administração da FEI na linha de pesquisa de Sustentabilidade e integra o Grupo de pesquisa sobre licença social para operar.
juliana.lopes@cdp.net


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