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Relatório Anual | Sustentabilidade |
O que devemos entender por RELEVÂNCIA?
PREMISSA: o conceito de STAKEHOLDERS, palavra-chave em Governança Corporativa - não se confunde com "partes interessadas". Estas podem ser vocês, que ouvem minha palestra, ou os torcedores de um time, ou os assistentes de um espetáculo teatral. STAKEHOLDERS são investidores diretos ou indiretos (sócios, clientes, fornecedores, empregados, governos) que assumem riscos no seu relacionamento com uma empresa. Ao falar em "riscos", estamos pensando em riscos financeiros, em primeiro lugar. Portanto, qualquer fato ou qualquer informação que possa afetar o grau de risco assumido pelo investidor deve ser considerada "relevante".
Assim sendo:
1ª. Conclusão: o traço comum entre todos os STAKEHOLDERS é o conceito de PARCERIA, já que todos compartilham, embora em graus diferentes, os riscos aos quais a empresa está submetida.
2ª. Conclusão: O Relatório Anual, como síntese dos aspectos administrativos, operacionais e econômico-financeiros do exercício, deve orientar-se pelo princípio da RELEVÂNCIA, isto é, veicular prioritariamente as informações que, de fato, possam agravar ou atenuar os riscos aos quais os investidores estão expostos.
OS RELATÓRIOS ANUAIS A PARTIR DE 1997
Criado em1999 e antecedido por dois seminários realizados neste mesmo auditório em 1997 e 1998, sobre o mesmo tema, o PRÊMIO ABRASCA chega ao seu décimo oitavo ano de vida (estive presente em todos eles!). No mesmo período, três entidades de primeira linha – a ANEFAC, a FIPECAFI e a SERASA EXPERIAN – criaram o PRÊMIO TRANSPARÊNCIA, cuja primeira edição aconteceu em 1997 e a vigésima em 2016.
São dois enfoques bastante diferentes: o Prêmio Transparência sempre teve seu foco voltado para a qualidade das demonstrações financeiras, enquanto o Prêmio Abrasca se concentrava, preferencialmente, nas informações não financeiras. Diferentes mas totalmente complementares.
Nesse mesmo período surgiu também o Relatório de Sustentabilidade, orientado pelas diretrizes do GRI – hoje em sua 4ª. versão. Lançado em 2.000, com foco inicialmente na questão ambiental, foi gradativamente alargando o seu escopo até incorporar o conceito de sustentabilidade da própria empresa ou organização, ou seja, a visão de longo prazo que o Jim Collins consagrou em "feitas para durar".
Um aspecto interessante do GRI 4 é que a empresa pode e deve promover uma pesquisa de opinião entre seus STAKEHOLDERS para, a partir daí, construir uma MATRIZ DE RELEVÂNCIA, impropriamente chamada também de Matriz de Materialidade. Um dos problemas práticos que a GRI criou, em prejuízo do volume dos relatórios, é que dedica muito espaço para discursar sobre o próprio relatório (já vi casos em que 10% do total de páginas eram dedicadas ao próprio relatório).
Mais recentemente, assistimos à aparição do RELATO INTEGRADO, uma nova ferramenta de comunicação institucional que, na definição do IIRC – Integrated International Reporting Council, é "um documento conciso sobre como a estratégia, a governança, o desempenho e as perspectivas da Organização, no contexto de seu ambiente externo, levam à geração de valor no curto, médio e longo prazo".
Há inegável avanço no surgimento do Relato Integrado: a consideração dos 6 capitais (financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social e de relacionamento, e natural) destronou o capital financeiro de seu pedestal de principal fator de êxito das empresas. Sob a hegemonia do capital financeiro, não se poderia falar em "criação de valor", porque a realidade mostrava uma "transferência de valor" dos outros capitais, especialmente do humano, para o capital financeiro. Eu acrescentaria à lista o "capital político" e não precisaria ir além do que estamos todos vendo no mundo de hoje, em termos de relações promíscuas entre empresas e governos, para alicerçar a sugestão.
Tenho apenas uma pequena ressalva: um dos Princípios Básicos do Relato Integrado – a RELEVÃNCIA – foi batizada de MATERIALIDADE, termo emprestado do Código Penal e que, na linguagem corrente, significa exatamente o contrario de Relevância ("Tendência para valorizar apenas aquilo que é de ordem material; incapacidade para compreender coisas cuja compreensão exige sensibilidade, finura de espírito; baixeza moral, brutalidade, estupidez; conjunto de elementos e circunstâncias que evidenciam a criminalidade de um ato", segundo o Houaiss).
Voltando ao PRÊMIO ABRASCA, os seguintes pontos merecem destaque:
a) Desde o início, em 1999, teve por foco informações relevantes mas não legalmente obrigatórias à época;
b) Seu propósito foi sempre o de mostrar os melhores trabalhos em termos de concisão, franqueza, clareza e transparência;
c) Algumas das informações voluntárias, como fluxo de caixa, DVA, segmentação de mercados etc., vieram a converter-se em obrigatórias, seja pela lei das sociedades por ações, seja por instruções da CVM para as companhias abertas ou, ainda, pelos requisitos dos níveis de governança corporativa da Bovespa;
d) Qualquer informação que viesse a tornar-se obrigatória era retirada da grade de avaliação do Prêmio, por já ter cumprido sua missão, que sempre foi basicamente educativa.
Um capítulo à parte nesse mundo da relevância é representado pelo RELATÓRIO DA ADMINISTRAÇÃO – único exigido por lei, único de publicação obrigatória no caso das sociedades por ações e único dependente de aprovação por assembleia geral. Quando se fala em "publicação obrigatória", entenda-se Diário Oficial mais um jornal de grande circulação na praça-sede da empresa.
Tenho feito, anualmente, uma pesquisa sobre Relatórios da Administração publicados no jornal VALOR ECONÔMICO, para poder acompanhar a curiosa trajetória de um documento que não pára de crescer, ano após ano, mas numa direção que suscita questionamento sobre o nosso tema da Relevância: refiro-me às Notas Explicativas que, na origem, "complementavam as demonstrações financeiras" mas que, de uns tempos para cá, passaram a ser o tipo de informação que mais espaço consome nos relatórios. Pena que entre "espaço ocupado" e "relevância" haja um verdadeiro abismo! Mas vamos aos números: nos 91 relatórios da administração que pesquisei, relativos ao exercício de 2013, 74,2% do espaço total da publicação estavam ocupados pelas Notas Explicativas; com relação a 67 relatórios de 2014, esse percentual caiu para 71%, mas voltou a subir nos 87 relatórios referentes a 2015, desta vez para 72,5%. Ou seja, nos 3 últimos exercícios, na média, mais de 70% são Notas Explicativas. Será tudo relevante? Ou quando digo, no relatório de uma instituição financeira, que foram obedecidas as normas estabelecidas pelo Banco Central, estou registrando algo de especial importância ou discursando sobre o óbvio?
Os 87 relatórios de 2015 tivemos os seguintes percentuais de espaço dedicado às Notas Explicativas:
Os "campeões", em minha amostra, foram AES ELPA (o maior, com 92%) e TBG (o menor, com 40%). A subversão de valores está mais do que evidente! Apenas para comparar: um dos melhores relatórios do mundo em minha opinião, o da EXPERIAN PLC tem, em sua última edição, um total de 167 páginas, das quais apenas 45 dedicadas às notas explicativas, ou seja, 27%, bem distante dos nossos mais de 70%. Por outro lado, esse mesmo relatório dedica nada menos do que 25 páginas à "remuneração dos administradores – tema que, no Brasil, é mais do que espinhoso...
Mais dois comentários a respeito das notas explicativas nos relatórios condenados à publicação:
a) A utilização de 2 jornais eleva brutalmente o custo da comunicação institucional, especialmente no caso das companhias abertas;
b) Esse custo exagerado oriundo dessa quantidade de Notas Explicativas tem como subproduto o desestímulo a que as empresas divulguem outras formas de comunicação, como os relatórios sob a forma de "books", ou as induz a reduzir substancialmente outras partes do relatório. Várias conseguem a proeza de colocar a "Mensagem aos Acionistas" em uma única linha, usando fontes bem miudinhas: "Srs. Acionistas, na forma da lei e do estatuto social, a Administração submete a V.Sas. as demonstrações financeiras do exercício encerrado em 31.12.2015, colocando-se à disposição para quaisquer esclarecimentos." Perfil corporativo, missão, visão, valores, estratégia – esquece!!
OLHANDO PARA FRENTE
O que poderemos considerar RELEVANTE nos relatórios (qualquer um deles) relativos ao corrente exercício de 2016? Impeachment da Dilma, Lava-Jato, vitória do Trump... ? Não me lembro de nenhum ano de minha longa vida tão cheio de coisas tão inesperadas e até espantosas!
Se aceitarmos a ideia de que a crise econômica mundial não tem previsão de data para acabar, uma preocupação muito legítima de qualquer investidor será a resiliência da empresa, ou seja, sua capacidade de adaptar-se com êxito às profundas mudanças em curso ou contornar as incertezas que o mercado oferece. Na história da evolução das espécies, é a resiliência que explica porque algumas sobrevivem até hoje enquanto mais de 90% das conhecidas já desapareceram do mapa. Assim, acompanhando a linha de pensamento dos analistas japoneses, algo que realmente interessa aos investidores é por quanto tempo uma determinada empresa conseguirá resistir a uma crise em seu mercado. Isto tem tudo a ver com flexibilidade que a organização desenvolve em face de mudanças, mas também com capacidade de antever e prevenir riscos, de conseguir um engajamento total de todos os colaboradores e de ter uma visão realista das tendências de médio e longo prazo dos mercados em que atua. Tudo isso sem prejuízo do esforço de continuar cumprindo a Missão e a Visão que se propôs. No aspecto "governança", mostrar o aperfeiçoamento das estruturas de gestão e de controle tanto no terreno da compliance quanto na construção de uma cultura ética.
Mudando o foco: hoje se fala demais em Corrupção e muito pouco em Ética. Não tenho dúvida de que a corrupção é "espécie em extinção", porque depende basicamente de fatores, como sigilo total, cumplicidade confiável, certeza de impunidade, proteção dos paraísos fiscais e de vários outros cada dia menos disponíveis. Na direção contrária, a Ética tende a firmar-se como linha mestra das decisões pessoais, profissionais, corporativas e até governamentais. Não tenho nenhuma hesitação em pensar o século XXI como o SÉCULO DA ÉTICA, numa transição profunda do século XX, que se identificou claramente como o SÉCULO DO MERCADO – uma tenebrosa mistura de grandes progressos com grandes guerras.
PARA FINALIZAR
Gostaria de por em destaque os relatórios impressos (books) que representam uma forma bem evoluída de comunicação. É importante que sejam também construídos em torno do conceito de RELEVÂNCIA e que utilizem, com muito cuidado, as ilustrações (fotos e gráficos) para reforço da mensagem. Livros maçudos, com páginas congestionadas pelo acúmulo de textos, tabelas, gráficos e figuras, só fazem desestimular a leitura. Em vez disso, livros leves, bem ilustrados, produzem o efeito contrário, particularmente quando dão preferência à figura humana nas fotos.
Os melhores relatórios já começam bem pela capa. Além do visual agradável, há capas que conseguem condensar a mensagem central do relatório, como pode ser visto nos 3 exemplos que apresentamos na abertura dessa seção e, como resultado, despertar o interesse do leitor no conjunto. Escolhi 3 relatórios "não nacionais", para não provocar ciúmes ...Neles, a RELEVÂNCIA começa na capa!
Em Paris, um cego pedia esmolas. Ao lado de sua caixinha, tinha colocado uma pequena placa com os dizeres "Sou cego, me ajude". Ao passar por ele, um publicitário notou que a caixinha continuava vazia e, sem que o cego percebesse, trocou a placa por outra. Resultado: em poucas horas a caixinha ficou cheia. O que dizia a nova placa: "Hoje é primavera em Paris, mas eu não consigo ver". A mensagem era a mesma, mas o efeito foi totalmente diferente: bastou substituir "cego" por "primavera"!
NOTA: Palestra proferida por Lélio Lauretti, em 24/11/2016, no evento de entrega do 18º Prêmio Abrasca de Melhor Relatório Anual, no auditório da BM&FBovespa em São Paulo.
Lélio Lauretti
é consultor e expert em Relatórios Anuais - foi o criador e o 1º presidente da Comissão Julgadora
do Prêmio Abrasca de Melhor Relatório Anual.
lauretti@osite.com.br