Entrevista

LÉLIO LAURETTI 90 ANOS

O professor Lélio Lauretti é, sem sombra de dúvida, um ícone vivo do nosso mercado, um batalhador pioneiro na disseminação da ética e da boa governança junto às empresas do mercado de capitais no Brasil. Tem sido, desde o lançamento da Revista RI, uma honra e um privilégio ter o professor Lélio como assíduo colaborador, leitor e crítico de nossa revista. Afinal, estamos falando de uma das mais influentes vozes do Brasil, quando se pensa em Ética, Governança Corporativa e Gestão de Empresas. Sua participação ativa tem acrescentado e aprimorado conceitos e influenciado mentes e corações.

Sabemos que para os nossos leitores, que inclui lideranças corporativas do mercado de capitais e profissionais com interesse em ética, governança e gestão, Lélio Lauretti dispensa apresentações. Mas nesse momento em que ele completa 90 anos, muito bem vividos, não resistimos: temos que falar desse profissional tão diferenciado e que tem feito um longo e paciente trabalho junto a empresas e demais organizações do nosso mercado. 

Lélio Lauretti é o nono filho - temporão - de imigrantes do norte da Itália, que vieram para o Brasil quando ainda eram crianças e, por coincidência para a mesma cidade, Casa Branca, no interior de São Paulo. Ali, seus pais se conheceram - anos após a chegada ao nosso país - e se casaram.

A família Lauretti é longeva. Como exemplo, seu irmão primogênito, Argemiro Lauretti, viveu 101 anos! Os Lauretti já estão na quinta geração no Brasil. Passado, presente e futuro se encontram regularmente em festas, pois, como toda típica família egressa da Itália, eles gostam de festejar, de se reunir ao redor de uma tavola (como dizem os italianos), com muita conversa e – é claro! – boas gargalhadas.

Por que Lélio Lauretti faz diferença? Pelos seus 72 anos de vida profissional, grande parte dos quais dedicados aos mercados financeiro e de capitais? Por ter uma longa história no ambiente corporativo e acadêmico? Pelo amplo conjunto de relacionamentos que conquistou em sua jornada? Por ser um acervo cultural per se?

A resposta é: Lélio Lauretti é apaixonado pelo que faz. Nos últimos 20 anos, ele tem percorrido o Brasil e trabalhado com muitas organizações e pessoas, transmitindo o que aprendeu na vida e nas academias. Transmitindo principalmente seu amor pelo tema ética. Segundo o professor, a “culpa” é de seus pais, fonte original de sua inspiração. Em suas palavras: “meus primeiros professores de ética foram Domingos e Luiza Lauretti, ou melhor: Seu Mêmi e Dona Santa”.

Em seu agradável home office instalado no Jardim Paulista, com direito à visita de diferentes espécies de pássaros em sua varanda, ou em suas palestras, Lélio Lauretti mostra que paixão pelo que se faz – especialmente quando se faz algo que pode criar um futuro melhor – é ótimo para a saúde e a longevidade. E também para manter uma visão positiva. Greice Lauretti, sua bela esposa e companheira de muitos anos, observa: "Depois de quase 50 anos de convivência, aprendi a ver o Lélio como uma pessoa feliz, muito dedicada à família e ao trabalho. Ele tem uma visão muito otimista sobre o futuro de nossos filhos, netos e de nosso País também."

Brindamos, assim, os 90 anos do querido professor Lélio Lauretti, com essa entrevista exclusiva concedida por ele para esta 215ª edição da Revista RI. E retornamos, após a mesma, com algumas palavras adicionais. Acompanhe a entrevista.

RI: Professor Lélio, como o senhor consegue se manter tão saudável e bem disposto?

Lélio Lauretti: Com planejamento, disciplina, respeito e foco. Mantenho uma rotina de exercícios regulares no clube que frequento, através de aulas com meu personal trainer, quase todas as manhãs. Meu dia começa às seis horas e termina às 22 horas. Minha alimentação é saudável, sem excessos. Raramente abro mão de meus três dias semanais em Campos do Jordão, onde recupero as minhas energias, na casa que tenho lá, na qual a parte mais atraente é o pomar. Em geral, parto de São Paulo às sextas-feiras de manhã e retorno no final do domingo. O contato com a natureza e o grande respeito que devoto à vida no campo fazem parte da minha rotina. Alimento com satisfação os pássaros que frequentam a minha varanda e cuido das plantas, além de reservar um tempo para pensar nos meus alunos e clientes, em como posso ajudá-los mais.

RI: Como o senhor também consegue manter uma agenda profissional intensa com clientes tão diversificados, envolvendo projetos estratégicos com grandes bancos e empresas de destaque no mercado nacional e internacional, em distintas indústrias? Afinal, qual é o segredo de sua longevidade profissional?

Lélio Lauretti: A receita é a mesma: planejamento, disciplina, respeito (a todos e tudo) e foco. Esta é a minha fórmula. Não faço propaganda em causa própria. Construí, ao longo de minha carreira de muitos anos no mercado financeiro (Banespa e Banco do Brasil) e, através de minha Corretora Novo Norte, muitos relacionamentos, que fortaleceram a confiança em meu trabalho. Tenho rigoroso controle de minha agenda, para que todos os compromissos profissionais possam ser cumpridos conforme o planejado, sem interferirem em minha rotina pessoal, pela qual tenho muito apreço. Destaco o foco, pois participo intensamente dos assuntos em que me aprofundei através da academia e praticando. Não navego em águas rasas.

RI: Nessas nove décadas de vida e comemorações, quais foram as suas principais realizações?

Lélio Lauretti: Iniciemos pelas realizações pessoais. E invertendo a ordem cronológica, digo: a minha principal realização é ser casado, há quase 50 anos, e ter cinco filhos e oito netos. É ter construído uma família maravilhosa com a minha esposa e companheira constante, Greice, que é a pessoa mais de bem com a vida que eu já conheci. Sou um homem de sorte! Mas retomo a ordem cronológica, em benefício dos leitores dessa entrevista, de uma forma estruturada. Sob o prisma pessoal, destaco:

Cheguei aos sete anos de idade completamente analfabeto, pois nem se imaginava, naquela época, coisas como pré-primário, maternal etc. E pensar que hoje tenho uma neta de três anos e meio que já está estudando inglês! só depois dos 30 anos de idade, pude entrar pela primeira vez em um avião e ir a um restaurante. Após os 50 anos – não tive como fazer isso antes – frequentei uma faculdade de Economia e, assim mesmo, com a ajuda de meu empregador à época, o Banco do Brasil, onde consegui um cargo comissionado, perito de balanços. Isso representou um acréscimo de ganho suficiente para pagar uma escola particular. Depois dos 60 anos, consegui cursar uma pós-graduação no exterior, na Harvard Business School.

Como vocês podem ver, para mim, várias conquistas pessoais chegaram bem mais tarde do que costumam chegar para muitas pessoas. E eu sou muito grato à vida, agradeço cada oportunidade recebida e não hesito em proclamar que o pior negócio que alguém pode fazer é morrer cedo... Quanto às conquistas profissionais, eu me alegro por ter sido parte de várias iniciativas importantes para o nosso mercado:

  • Apoiei a criação e o desenvolvimento de algumas instituições do mercado de capitais, como a Bovespa Supervisão de Mercado (BSM), a Abrasca, o IBRI, a Câmara de Árbitros do Mercado e a Ancord, nas quais faço parte de conselhos até hoje. 
  • Criei o Prêmio Abrasca de Melhor Relatório Anual, em 1999, com o apoio de quase todas as entidades do mercado de capitais. Neste ano de 2017, será realizada a 19ª edição do Prêmio, na qual sou o keynote speaker (a expressão me remete aos meus tempos de “perito de balanços” do Banco do Brasil...).
  • Em conjunto com um grupo de cerca de 20 pessoas, ajudei a fundar o IBGC, em 1995. Entre eles, menciono Bengt Hallquist, o líder inconteste desse projeto bem sucedido. Tem sido um longo trabalho. E hoje, o Instituto é referência em Governança Corporativa – que é seu propósito declarado.
  • Desenvolvi uma metodologia para a elaboração de códigos de conduta ética – os Códigos de Conduta – dentro das próprias empresas, por meio de grupos de trabalho internos e sem a “terceirização” desse instrumento tão importante para as organizações. A metodologia abrange montar e treinar o Comitê de Ética para divulgar, atualizar e aplicar o Código de Conduta.
  • Sou autor do livro Relatório Anual - Veículo por Excelência da Comunicação Institucional –, primeiro no Brasil a cuidar do assunto (última edição em 2003). Tenho também coautorias, inclusive no México: Governança Corporativa – Internacionalização e Convergência (Saint Paul), El Gobierno Corporativo Em Mexico (IMEF) e Etica na Vida das Empresas – Maria do Carmo Whitaker (DVS Editora).
  • Sou colaborador assíduo das revistas RI e Capital Aberto.
  • Sou professor de Governança Corporativa e Ética Empresarial no IBGC, na FIA-USP e na Saint Paul Business School. E tenho sido palestrante em vários eventos e em vários estados brasileiros.
  • Por fim, atuo como consultor de empresas na área da Ética Empresarial.

RI: Professor Lélio, e quando o senhor se rendeu à tecnologia?

Lélio Lauretti: Não entendi bem a pergunta, porque “render-se” tem uma conotação de “vencer resistência para fazer algo”. Acredito que jamais passei por essa fase de resistência à adoção da tecnologia, sobre cuja evolução eu procuro me manter atualizado. Além disso, gosto muito de algumas ideias (não de todas!) do Francis Fukuyama e uma delas que gravei bem é que o que movimenta a sociedade para o desenvolvimento é a necessidade de reconhecimento, própria do ser humano, e os progressos da ciência, dos quais decorrem formas cada vez mais eficientes de melhoria das condições de vida, especialmente quando falamos das ciências humanas.Temos, porém, Greice e eu, o cuidado de evitar envolvimento com tecnologia de comunicação – ou marketing, se você preferir – do tipo que passa o tempo todo tentando nos convencer de que tudo o que possuímos é velharia que precisa ser trocada por coisas mais modernas...

RI: Quando o senhor se aposentará?

Lélio Lauretti: Aposentar-me? No dia em que ninguém mais me chamar, em que ninguém mais tiver interesse em me ouvir, eu estarei automaticamente aposentado. Quem determinará a minha aposentadoria? Meu público, meus alunos, meus clientes. Enquanto eles quiserem me ouvir, estarei com eles. Sobre longevidade, ela tem a ver – é claro! – com bons hábitos de vida, com planejamento, disciplina e foco, com atividade física e mental (por que inatividade não é prêmio, por mais bem remunerada que ela seja!). Longevidade tem, também, muito a ver com fazer o bem, independentemente da idade. Nunca se está novo ou velho para fazer o bem. Neste momento estou escrevendo um livro com Adriana de Andrade Solé sobre “códigos de conduta – por que fazer, como fazer”. Ainda não temos data para o lançamento. Bem eu também acho que minha longevidade profissional e também pessoal tem tudo a ver com falta de tempo e acredito que continuo vivo por absoluta falta de tempo para morrer (risos e pausa para um café).

RI: Para finalizar, perguntamos: qual é o seu sonho?

Lélio Lauretti: Meu sonho é muito simples, prático, e tem a ver com uma regra que está bem definida na Carta Magna de nossa Nação, a Constituição Federal, de 1988. Em seu artigo 227, diz a nossa Constituição: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Repito: com absoluta prioridade! Sendo assim, meu sonho é simples: respeitarmos a Carga Magna e colocarmos em prática sua exigência com relação às crianças e os jovens. Ao mesmo tempo, eu sei – eu tenho a consciência! – que a realidade não é simples como é o meu sonho, mas ele é a utopia que eu preciso ajudar a construir. E falar sobre ética, divulgar sua relevância e seus impactos na vida real em vários fóruns, convencer pessoas a trabalhar e a viver dentro desse conceito, é um dos caminhos mais importantes para que o meu sonho um dia se torne realidade.

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Esta entrevista durou mais de duas horas, regadas a irresistíveis cafés com biscoitos servidos pela senhora Greice. Além da paixão que o professor Lélio tem pelo que faz, chamamos a atenção dos leitores para a preocupação que ele demonstra ter com o Brasil e com seus jovens, que são o futuro. Ele está certo.

Parabéns, professor Lélio Lauretti, pela sua longevidade, pelos seus 90 anos, por suas realizações pessoais e profissionais e por sua eterna curiosidade intelectual! Desejamos muito mais sucesso e uma longa trajetória pela frente. E que o seu sonho se realize para o bem do nosso querido Brasil.


Continua...