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A Comissão de Valores Mobiliários já manifestou a intenção de realizar no segundo semestre um debate público para discutir a regulamentação da Medida Provisória 784, editada no último dia 07 de junho, aumentando o poder punitivo da CVM e do BACEN. O valor previsto das multas punitivas para infrações cometidas no mercado de capitais, de acordo com o texto da MP, alcançaria R$ 2 bilhões, no caso do Banco Central do Brasil, e R$ 500 milhões, no caso da CVM.
A exposição de motivos da medida destaca que o processo administrativo sancionador se baseava em normas que estavam em vigor há mais de 50 anos. No entanto, na visão da Abrasca, o indiscutível mérito da MP não elimina a necessidade de que tivesse havido debate com ampla participação dos agentes de mercado e das companhias abertas, como pretende fazer agora a CVM.
Cabe destacar que a Abrasca levou para a CVM ponderações, considerando que a matéria objeto da MP é de interesse de todos, em especial das companhias abertas que desempenham papel de inequívoco protagonismo no mercado de capitais nacional.
Pontos críticos
Identificamos alguns pontos considerados críticos e que poderiam ser aprimorados no texto da MP em vigor. Entre eles destacamos:
I) - Efeito suspensivo dos recursos dirigidos ao CRSFN
As disposições deste artigo alteram o regime atual previsto na Deliberação CVM nº 538, de 5 de março de 2008, cujo artigo 38 confere efeito suspensivo aos recursos interpostos em face das decisões proferidas pelo Colegiado da CVM em processos sancionadores. Tal modificação, porém, se mostra injustificável, por ofender a presunção de inocência, que constitui um direito fundamental consagrado no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal (“LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), de observância obrigatória em processos judiciais e administrativos.
Na medida em que a supressão do efeito suspensivo ocorrerá nos casos em que forem aplicadas penalidades mais gravosas para os acusados, é razoável supor que, na grande maioria desses casos, os recorrentes solicitarão a concessão desse efeito, dando origem a um incidente processual que se tornará a regra, onerando ainda mais o Colegiado da CVM.
A Abrasca entende que as disposições deste artigo devem ser excluídas do texto da lei que resultar da aprovação da Medida Provisória nº 784, mantendo-se o regime em vigor no tocante aos efeitos dos recursos ao CRSFN.
Alternativamente, porém, sugere-se que a supressão do efeito suspensivo, ao invés de se tornar a regra, seja determinada pela CVM de forma individualizada e em caráter excepcional, apenas nos casos em que o interesse público assim o exigir, como medida de caráter acautelatório, mediante fundamentação apropriada.
II) - Novo valor das penalidades de multa
A Medida Provisória nº 784 institui, no § 1º, inciso I, da Lei nº 6.385, de 1976, novo limite para aplicação de multas, no valor de R$ 500 milhões. A Abrasca não se opõe à elevação do teto anteriormente em vigor que limitava a efetividade da punição pela CVM dos responsáveis por infrações de maior gravidade.
Entretanto, a elevação do teto da multa para patamar tão expressivo gera a necessidade de se assegurar que as penalidades sejam aplicadas com base em critérios adequados e proporcionais à gravidade das infrações apuradas, devendo-se evitar, a todo custo, que tais penalidades se distanciem da realidade econômica em que se inserem os participantes do mercado. Para isso, a Abrasca entende necessária a adoção de mecanismos que assegurem um exercício adequado de dosimetria nas penalidades de multa que serão aplicadas pelo Colegiado da CVM.
Nesse sentido, propõe-se que se adotem, na aplicação das penas de multa pela CVM, cautelas semelhantes às que são impostas ao Banco Central, por exemplo, deve-se estender à CVM a previsão legal de regular a dosimetria das penas. O artigo 10 impõe que os critérios ali relacionados (e.g. a gravidade e a duração da infração, o grau de lesão ao mercado, a vantagem auferida) sejam observados na aplicação de penalidades, ao passo que o artigo 38 determina que o Banco Central discipline a “gradação das penalidades de multa, de proibição de praticar determinadas atividades ou serviços e de inabilitação (...)”.
Entendemos que a fixação de critérios serão salvaguardas importantes que ajudarão a legitimar as decisões do Colegiado da CVM com base nos novos parâmetros de cálculo do valor da multa, reduzindo o grau de subjetividade das decisões e assegurando maior segurança jurídica para os participantes do mercado.
III) - Inadequação do parâmetro de fixação dos valores das multas com base no faturamento do grupo econômico
O artigo 11, §1º, inciso V, da Lei nº 6.385, de 1976, com redação dada pela Medida Provisória nº 784, dispõe que as multas aplicáveis pela CVM poderão ser fixadas em montante correspondente a até 20% do valor do faturamento total individual ou consolidado do grupo econômico, obtido no exercício anterior à instauração do processo administrativo sancionador, no caso de pessoa jurídica.
A adoção desse critério é justificada no caso de diplomas legais que tratam, por exemplo, de infração contra a livre concorrência em setores econômicos, tendo em vista que, nesses tipos de infração, a própria empresa infratora é beneficiada economicamente em detrimento de suas concorrentes.
Porém, a mesma pertinência não se mostra aparente quando se considera a generalidade das infrações ocorridas no âmbito do mercado de valores mobiliários, em especial nos casos de ilícitos de natureza societária, relacionados às companhias abertas, seus acionistas controladores e administradores.
Há que se atentar para o fato de que a fixação de multa em valor correspondente a 20% do valor do faturamento total individual ou consolidado do grupo econômico (valor que pode chegar a 60% do faturamento, no caso de reincidência) pode comprometer seriamente a situação financeira de uma empresa, levando-a até mesmo a uma situação de insolvência.
IV) - Ampliação do valor das multas cominatórias sem adoção de mecanismos que assegurem a adequada dosimetria das penas
A Medida Provisória 784 confere nova redação ao §11 do artigo 11 da Lei nº 6.385, de 1976, para dispor que a CVM poderá aplicar multa cominatória em razão da inexecução de ordem por ela emitida, a qual poderá ser fixada, por dia de atraso no seu cumprimento, em valor correspondente a um milésimo do valor do faturamento total individual ou consolidado do grupo econômico, obtido no exercício anterior à aplicação da multa; ou R$ 100 mil, o que for maior.
É importante sublinhar que a multa cominatória não se confunde com as penalidades que a CVM pode aplicar em razão de infrações às normas que regem o funcionamento do mercado de valores mobiliários. Trata-se de uma multa que possui natureza diversa da multa-penalidade, pois atua como instrumento de coerção aplicável às pessoas sujeitas ao poder de polícia da autarquia para que cumpram suas determinações.
A Exposição de Motivos não esclarece por que foram elevados os valores de multa cominatória, não registrando tampouco situações em que o uso desse instrumento tenha se mostrado ineficaz em razão do limite de valor até então vigente.
A depender do grupo econômico e do valor de seu faturamento, pode-se chegar a valores injustificadamente altos, que acabariam desvirtuando a finalidade da multa, que desse modo deixaria de funcionar como instrumento de persuasão para assegurar o cumprimento das determinações da CVM para servir como verdadeira modalidade de punição.
V) - Inadequação da pena de vedação à contratação com instituições oficiais
A Medida Provisória nº 784 acrescenta ao artigo 11 da Lei nº 6.385, de 1976, o § 13, que a CVM “poderá proibir os acusados de contratar, até o máximo de cinco anos, com instituições financeiras oficiais, e de participar de licitação...”.
Cabe destacar que a penalidade já se encontra prevista em outros diplomas legais, como por exemplo, a Lei Anticorrupção. Em adição, a CVM, como órgão regulador do mercado de valores mobiliários, tem suas competências relacionadas com a tutela dos interesses da poupança popular, devendo exercê-las sempre em consonância com as finalidades elencadas no artigo 4º da Lei nº 6.385, em especial para “estimular a formação de poupanças e a sua aplicação em valores mobiliários”.
Na medida em que a tutela dos interesses da administração pública por atos de improbidade e demais atos lesivos ao patrimônio público não se insere no âmbito de competências da CVM, não se justifica atribuir-lhe a competência para aplicar a pena de proibição de contratar com o poder público. Além de não guardar qualquer conexão lógica com as infrações às normas que disciplinam o funcionamento do mercado de valores mobiliários.
Por fim, a Abrasca reitera seu apoio à iniciativa de fortalecimento institucional do poder punitivo da CVM, mas entende que os excessos devem ser eliminados do texto da MP 784. Entendemos que os excessos que buscamos apontar poderão gerar desequilíbrios na atuação da CVM, criando incentivos para que os administrados recorram ao Poder Judiciário.
Alfried Plöger
é presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (ABRASCA)
abrasca@abrasca.org.br