Ponto de Vista

COMPLIANCE NO SETOR FINANCEIRO

A convite do Prof. Gilmar Masiero da FEA/USP fui convidado a participar - no último dia 3 de setembro - como palestrante de um seminário por ele organizado sobre o tema” Compliance in the financial sector”. A primeira observação é que a questão do compliance é relativamente nova nas responsabilidades da governança corporativa, ou pelo menos com essa nomenclatura.

Na medida em que os padrões de conduta foram progressivamente demandados pelos investidores institucionais , principalmente estrangeiros, que aportavam recursos em nossos mercados, a questão do compliance passou a fazer parte de forma mais destacada dos conselhos de administração.

Reportei-me à definição que me pareceu ilustrativa de compliance - retirada da enciclopédia livre “Wikipédia” - que transcrevo a seguir:

Compliance: Nos âmbitos institucional e corporativo, compliance é o conjunto de disciplinas para fazer cumprir as normas legais e regulamentares, as políticas e as diretrizes estabelecidas para o negócio e para as atividades da instituição ou empresa, bem como evitar, detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade que possa ocorrer. O termo compliance tem origem no verbo em inglês “to comply”, que significa agir de acordo com uma regra, uma instrução interna, um comando ou um pedido.

Em tese, tais atribuições de um conselheiro estariam perfeitamente cobertas em seu mandato. No entanto, com a complexidade da situação que aqui vivemos, e das repercussões do mundo externo que nos atingem diretamente, o tema compliance tornou-se uma necessidade e passou a compor parte da agenda obrigatória dos conselhos. Em muitas empresas abertas, o compliance officer passou a ser presença obrigatória, não só no comitê de auditoria como também lhe é reservado especial espaço nas agendas do Conselho de Administração. Diria mesmo que o compliance é uma questão estratégica e hoje estão elencadas como de maior relevância no papel dos conselheiros.

Na minha exposição, procurei dar uma visão histórica baseando-me em minha experiência sobre a questão do compliance desde os primórdios do mercado até os dias de hoje em que o tema ficou intrinsecamente vinculado à questão da governança. Na própria definição do compliance, antes mencionada, fica evidente a associação do compliance com os códigos de ética e de conduta. Mencionei minha participação no primeiro colegiado do Comitê de Ética Pública em 1999, nomeado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e liderado pelo Dr. João Geraldo Piquet Carneiro. Compus o Comitê em companhia de Lourdes Sola, Miguel Reale Jr., Celina Vargas do Amaral Peixoto e fomos responsáveis pela implementação do Código de Conduta da Alta Administração.

O prefácio que fiz para o livro de Mario Ernesto Humberg “Código de Ética e Conduta”, alertei para alguns dos casos vividos quando na Brasilpar introduzimos o conceito de capital de risco e que nos obrigou, após algumas experiências desagradáveis, a editar um código de ética que deveria ser subscrito por todas as empresas em que estávamos considerando participar para evitar constrangimentos posteriores. Lembrei que esses códigos deveriam ser um trabalho conjunto em que todos os setores da companhia deveriam participar e diretamente ligados a sua concepção e implantação.

Ao tratar da questão da Ética lembrei a relevância da autorregulação que deveria ser uma constante, não só das instituições financeiras como também de todos aqueles que estejam preocupados em ter um mercado sadio e transparente, minimizando a necessidade da intervenção regulatória do Estado nos mais diferentes níveis.

Falei de minha experiência vivida como trustee do IASB onde nos defrontamos com as diferenças de abordagem entre o sistema norte americano baseado em fatos e o europeu, lastreado em princípios, o que obriga seus apoiadores a fazer uma leitura ética do que estão implementando. O sistema contábil americano poderia ser lido como: “se algo que não é proibido é permitido”, o que levanta muitos questionamentos e talvez seja uma das razões pelo qual até agora não facilitaram que houvesse uma fusão dos sistemas IFRS (IASB) com o USGAAP (FASB), que seria uma grande conquista para o mercado mundial. Lembrei que esses temas foram tratados com maiores detalhes em meu livro recém-lançado “valeu a Pena”.

Perguntado se as empresas verdadeiramente éticas são negociadas com prêmio nas Bolsas, mencionei estudo da McKinsey que indica que as ações naquela categoria são negociadas na S&P com um prêmio de 54%.

Também fui questionado se as empresas brasileiras estão conformadas dentro dos princípios éticos. Infelizmente, 3 em cada 4 executivos brasileiros não acreditam que suas empresas sejam eficientes na introdução de padrões profissionais éticos (McKinsey - Nicola Calicchio).

Nesse mesmo aspecto, estudos do passado, baseando-se em levantamentos nas gôndolas de supermercados sobre produtos de empresas que tem e agregam padrões de sustentabilidade vis a vis aqueles congêneres que não indicam essa política, mas com preços mais baixos, indicam que somente consumidores com renda mais alta são mais sensíveis a apreciar esses produtos mais caros.

Não cheguei a mencionar, por falta de tempo, que nos Estados Unidos as empresas se queixam de um crescente conjunto de regras regulatórias colocando enorme pressão nos seus executivos para atender as diferentes normas que são obrigados a adotar. Lembro-me, não faz muito tempo, que almoçando com um banqueiro de Wall Street, ele mencionou que dentre 100 contratados pelo sistema financeiro, cerca de 60/70% eram para a função de compliance.

Isso talvez explique que o Presidente Trump, em um de seus devaneios tenha “tuitado” a possibilidade da obrigação de acabar com a obrigatoriedade dos demonstrativos financeiros trimestrais para as companhias abertas, no que tenho sérias dúvidas.

Enfim, a questão da regulação é sempre um assunto complexo pois os dois extremos são questionáveis: o excesso e a regulação deficiente.

De qualquer forma, as instituições e indivíduos têm que saber se proteger e se informar melhor e não esperar que o Estado seja o censor de seus atos e seu guardião permanente.


ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA
economista, foi o primeiro presidente da CVM,
e um dos responsáveis pela organização e instalação
da Comissão de Valores Mobiliários no Brasil.
teixeiradacostaroberto@gmail.com


Continua...