O mercado de capitais é primordial fonte de financiamento do desenvolvimento sustentável de um país. A crise do mercado financeiro internacional em 2008 suscitou intensos debates sobre a melhor forma de evitar a ocorrência de eventos capazes de impactar severamente a economia real. A resposta está onde sempre esteve: nas pessoas e nos diversos incentivos e motivações destas. E que personagem teria a maior propriedade, poder e dever de zelar por retornos sustentáveis ajustados aos riscos? Os investidores institucionais - sejam eles gestores de recursos ou fundos de pensão.
São eles que possuem a maior participação nos diferentes segmentos de mercado (ações, debêntures, derivativos, certificados de recebíveis e etc). Logo, em função de seu porte e relevância, os investidores institucionais precisam assumir papel central na defesa da sustentabilidade do mercado financeiro.
Confiança se adquire pela demonstração de responsabilidade. Passados sete anos do pico da crise, um dos diagnósticos mais sólidos que se extraem é que lacunas estruturais no desempenho de responsabilidade dos investidores institucionais abrem espaço para ocorrência de colapsos de diversas naturezas: financeiro, ambiental, reputacional e social.
O papel dos investidores institucionais não pode ser dissociado do dever fiduciário pactuado ao assumir a gestão de recursos em nome de um conjunto de indivíduos. Eles são stewards dos recursos de terceiros. O que quer dizer que “tomam conta” dos valores mobiliários, os ativos que serão tratados nesse Código AMEC. A relevância da função exercida pelos investidores institucionais gera necessidade do Código AMEC de stewardship reunindo o conjunto de princípios e orientações sobre a melhor forma de atender a esse dever fiduciário.
Os investidores institucionais brasileiros rejeitam o rótulo de ativistas, pois assim se denominam os investidores que objetivam dominar a gestão das companhias investidas no mercado americano. Isso não faria sentido dentro do contexto local em que ainda prevalece a estrutura acionária de controle definido. Mas não ser ativista não justifica ser passivo no que diz respeito ao cumprimento de seus deveres fiduciários, no cumprimento de suas responsabilidades para com seus contratantes. O engajamento responsável na vida dos emissores de valores mobiliários faz parte do dever fiduciário dos investidores institucionais. Investidores ativistas não, mas ativos sim.
As poucas corporations surgidas no mercado brasileiro após o grande número de ofertas públicas iniciais (IPOs) no período 2004-08, mostram-se hoje com pouca atividade proprietária por parte de seus investidores institucionais. E pode-se mesmo afirmar que o Novo Mercado, um dos maiores avanços no desenvolvimento da governança corporativa no Brasil lançado há 16 anos, passa por momento crítico e encontra-se em processo de revisão de suas regras. Vale ressaltar que o engajamento dos investidores institucionais com os emissores de valores mobiliários investidos é extremamente relevante para melhoria das práticas de governança das empresas e no Brasil este engajamento ainda é baixo.
Não podemos deixar de citar o paradoxo dos chamados investidores "passivos", ou aqueles que seguem a composição de determinado índice de bolsa. Justamente por não poderem se dar ao luxo de "votar com os pés", ou seja, vender as ações quando não concordam com o rumo tomado pelas companhias que compõem o índice. Isso configura uma razão adicional para se engajarem nas vidas das cias. investidas. A passividade dos gestores de fundo de índice deveria estar restrita à composição de sua carteira.
A exemplo dos códigos de governança corporativa que proliferaram no mundo após a crise de 2001 (são mais de 100), já existem códigos de “stewardship / investimentos responsáveis” em pelo menos 11 países. Transparência e prestação de contas são princípios que norteiam todos os códigos de governança corporativa no mundo. O código do Reino Unido (The UK Stewardship Code, FRC – Financial Reporting Council), lançado em setembro de 2012 é o que está mais avançado em termos de divulgação e aderência. Conta com 300 signatários e um acompanhamento cada vez mais ativo do FRC em orientá-los sobre como se engajar efetivamente com as companhias investidas, e como reportar essa atividade.
A Comissão Técnica da AMEC constatou que existem algumas iniciativas de stewardship dispersas em documentos regulatórios e, principalmente autorregulatórios no mercado brasileiro, mas não havia um código nacional que reúna as melhores práticas de stewardship. A AMEC decidiu então, no início de 2015, que lançaria o Código AMEC de Stewardship. Foi criado um grupo de trabalho (GT) específico que analisou como o assunto vem sendo tratado no Brasil e no mundo. Este trabalho foi feito no período de novembro de 2015 a maio de 2016. O GT avaliou erros, acertos, dificuldades e evolução dos diversos códigos lançados no mundo bem como a visão de investidores institucionais nacionais e internacionais sobre os mesmos. O resultado deste diálogo encontra-se consolidado neste Código AMEC.
Objetivos
Ao lançar este Código AMEC, a proposta é desenvolver a cultura de stewardship no Brasil promovendo o senso de propriedade nos investidores institucionais e criando padrões de engajamento responsável. A AMEC entende que o desenvolvimento de atividades de stewardship por investidores institucionais promoverá a adoção de boas práticas de governança corporativa e criará valor para as empresas, pois investidores mais ativos levarão as empresas a ter processos mais estruturados de gestão dos seus negócios e de mitigação dos seus diversos riscos.
O Código AMEC privilegia a essência sobre a forma, sendo, portanto, baseado em princípios: uma bússola, e não uma prescrição. A eficácia dos códigos prescritivos tem sido questionada, pois estes parecem ter criado a mentalidade de “cumprir tabela” (box ticking mentality) tornando sua adesão meramente superficial, com poucos efeitos práticos. O que se pretende é iniciar um processo de mudança de cultura de gestão e propriedade de valores mobiliários ao longo do tempo. Também por este motivo, na etapa inicial de implantação do Código AMEC, não haverá atividades sancionadoras para os aderentes. Caso seja necessária, a AMEC poderá adotar iniciativas pedagógicas com o intuito de esclarecer o real sentido dos Princípios AMEC.
Nesse sentido, o Código AMEC não é uma lista rígida de regras. Ele contém 7 princípios apresentados a seguir, e que serão detalhados no Manual de Implementação do Código AMEC a ser lançado em momento posterior. O Manual fará recomendações sobre a aplicação dos princípios.
O lançamento deste Código AMEC possibilitará adesões, sem monitoramento da AMEC em um primeiro momento. Após a elaboração e divulgação do Manual de Implementação, e ainda após prazo para a compreensão do mercado a respeito do conteúdo e execução dos Princípios AMEC, é que poderá ser iniciado monitoramento, conforme decisão a ser tomada pela Diretoria Executiva da AMEC. A adesão ao Código AMEC deverá ser integral, mas os signatários podem definir etapas de evolução na aderência a cada princípio. Não haverá adesão a certos princípios e outros não.
O objetivo do Código AMEC não é criar novas incumbências de conformidade para os investidores institucionais. Este Código AMEC deve levar à criação de um único documento interno, que pode ou não ser desdobrado, dependendo da estrutura organizacional de cada aderente. As políticas aqui mencionadas, notadamente no que diz respeito a controles internos e conflitos de interesses, já integram as atuais e mais recentes exigências regulatórias e autorregulatórias dos investidores institucionais.
OS PRINCÍPIOS DO CÓDIGO AMEC
Para fins do Código AMEC, stewardship é o cuidado na gestão e o monitoramento dos valores mobiliários detidos por beneficiários finais, os clientes. O cuidado será delineado neste Código AMEC por meio dos seus 7 princípios. A gestão de recursos é atividade que exige confiança e essa se consolida com adoção de práticas de stewardship.
Neste sentido, os investidores institucionais, no cumprimento de seu dever fiduciário para com seus beneficiários finais, devem:
1. Implementar e divulgar programa de stewardship.
2. Implementar e divulgar mecanismos de administração de conflitos de interesses.
3. Considerar aspectos ASG nos seus processos de investimento e atividades de stewardship.
4. Monitorar os emissores de valores mobiliários investidos.
5. Ser ativos e diligentes no exercício dos seus direitos de voto.
6. Definir critérios de engajamento coletivo.
7. Dar transparência às suas atividades de stewardship.
O CÓDIGO AMEC
Princípio 1: Implementar e divulgar programa de stewardship - Os investidores institucionais devem implementar programa de stewardship estabelecendo parâmetros claros e objetivos sobre quando e como evoluirão nessas atividades.
Orientação
Stewardship é um processo evolutivo, um planejamento de longo prazo com metas claras e não uma decisão de efeito imediato.
Estabelecer quais serão as atividades de stewardship desenvolvidas e como será feita a evolução no exercício dessas atividades.
Esclarecer como as diretrizes escolhidas para interação entre os investidores institucionais e os emissores de valores mobiliários, geram e protegem valor para os beneficiários finais.
Atuar perante os públicos de interesse (stakeholders) no sentido de dar visibilidade ao seu programa de stewardship, e viabilizar sua implementação em relação a cada um desses públicos, incluindo, mas não limitado a clientes e emissores de valores mobiliários.
Princípio 2: Implementar e divulgar mecanismos de administração de conflitos de interesses - Os investidores institucionais devem possuir mecanismos de gerenciamento de conflitos de interesses e assegurar seu pleno funcionamento no âmbito de suas atividades de stewardship.
Orientação
O dever fiduciário dos investidores institucionais é sempre agir no interesse dos seus beneficiários finais. No entanto, conflitos de interesses são comuns na interação com os emissores de valores mobiliários. Estes conflitos podem ser entre os investidores institucionais e seus beneficiários finais, entre os diferentes segmentos de negócios dos investidores institucionais, entre estes e os ativos investidos e também entre os próprios beneficiários finais. A decisão de voto em assembleias é exemplo de situação de possível existência de conflito de interesse.
Os investidores institucionais devem administrar esses conflitos indicando as medidas necessárias para que prevaleça sempre o interesse de seus beneficiários finais, ressalvadas as disposições legais, especialmente o Artigo 115 da Lei 6.404/76, a Lei das Sociedades Anônimas.
Os investidores institucionais devem ser capazes de demonstrar que as atividades de stewardship estejam protegidas contra pressões e conflitos de interesse.
Princípio 3: Considerar aspectos ASG nos seus processos de investimento e atividades de stewardship - Os investidores institucionais devem considerar em seu processo de investimentos fatores ambientais, sociais e de governança, ponderando tanto seu impacto sobre risco e retorno como sua contribuição para o desenvolvimento sustentável dos emissores de valores mobiliários.
Orientação
Os fatores ASG impactam os emissores de valores mobiliários e influenciam de forma determinante a sustentabilidade dos mesmos. A análise e o monitoramento dos fatores ASG integra a avaliação de riscos e oportunidades associadas aos investimentos, ainda que não sejam os determinantes finais da decisão de investimento.
Investidores institucionais ao gerir de forma prudente o capital de seus beneficiários finais, devem considerar fatores ASG relevantes como quesito fundamental no cumprimento de seu dever fiduciário, dando a devida transparência sobre a forma como esses fatores são considerados.
Investidores devem avaliar os posicionamentos dos emissores de valores mobiliários acerca dos temas ASG relevantes.
Princípio 4: Monitorar emissores de valores mobiliários investidos - Os investidores institucionais devem monitorar os emissores de valores mobiliários investidos.
Orientação
Os investidores devem definir seu engajamento com os emissores de valores mobiliários investidos, delineando se, quando e como se comunicarão com os mesmos buscando posicionamento claro e adoção de medidas cabíveis em relação às questões-chave.
Deve haver definição sobre a evolução do conhecimento dos investidores sobre as questões-chave dos emissores de valores mobiliários. Exemplos de questões-chave são: estratégia, remuneração e política de sucessão dos administradores, mapeamento e monitoramento dos riscos incorridos nas atividades corporativas e políticas ASG.
A interação entre investidores institucionais e emissores de valores mobiliários deve ser evidenciada em documentos internos.
Princípio 5: Ser ativos e diligentes no exercício dos seus direitos de voto - Os investidores institucionais devem exercer seus direitos de voto nos emissores de valores mobiliários sendo ativos e diligentes. Os votos devem ser reportados adequadamente, assim como as justificativas para seu não exercício.
Orientação
Práticas diligentes de stewardship culminam no exercício consciente do direito de voto. Longe de ser um fim em si mesmo, o direito de voto é a forma pela qual os detentores de valores mobiliários cumprem o seu papel na estrutura de governança corporativa dos emissores investidos. A ausência do exercício diligente de voto afeta proporcional e negativamente os freios e contrapesos dos emissores, impactando sua performance e, consequentemente, os beneficiários finais dos investidores institucionais.
Exercer com diligência os direitos políticos – e especialmente o direito de voto dos ativos investidos e o padrão de comportamento a ser exigido dos investidores institucionais para que possam cumprir adequadamente seus deveres fiduciários. Não exercer tais direitos, portanto, deve ser a exceção, devidamente justificada e documentada. Este entendimento deve integrar a política de investimento dos investidores institucionais.
Os investidores institucionais devem participar ativamente nas assembleias dos emissores de valores mobiliários fundamentando seu voto em cada matéria e documentando o processo de discussão interna acerca das matérias e as decisões tomadas sobre as mesmas. Renúncias ao exercício ativo do direito de voto devem ser justificadas, ainda que de forma agregada.
Princípio 6: Definir critérios de engajamento coletivo - Os investidores institucionais devem criar condições de engajamento coletivo com outros investidores quando apropriado.
Orientação
Em determinadas circunstâncias, o engajamento coletivo é uma forma mais eficaz de comunicação entre investidores e emissores de valores mobiliários, pois aumenta a legitimidade nas questões em que se deseja influenciar e otimiza custos e riscos para todas as partes envolvidas.
Os Investidores institucionais devem definir em que situações considerarão agir em conjunto com outros detentores dos valores mobiliários investidos, esclarecendo se terão papel ativo ou passivo nesta inteiração.
Princípio 7: Dar transparência às suas atividades de stewardship - Os investidores institucionais devem divulgar quais serão as atividades de stewardship desenvolvidas e como será feita e divulgada a evolução no exercício dessas atividades.
Orientação
Os investidores devem divulgar sua adesão ao Código AMEC e reportando periodicamente sobre as atividades aqui disciplinadas e os avanços relevantes na aderência a cada princípio deste código.
(*) A AMEC publica periodicamente na Revista RI - artigos a respeito de posições importantes para a associação. O objetivo é facilitar o reconhecimento da Amec como referência em discussões a respeito do nosso mercado de capitais, e difundir as ideias defendidas pela associação para o público em geral.
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