O fraco crescimento da economia brasileira tem como um dos fatores principais a baixa taxa de investimento. Na última década, o governo foi protagonista como financiador dos projetos de empresas de todos os portes. No entanto, com a escassez de recursos públicos, consequência da crise fiscal, subsídios começaram a ser retirados e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) reduziu seu papel, sendo gradativamente substituído por aportes privados. Há dúvidas se a mudança de postura será mantida no próximo governo. Neste sentido, os presidenciáveis têm sido pouco claros sobre qual a política a ser adotada, algo essencial para a retomada da economia.
A relação entre investimento e PIB medida pelo IBGE foi de 15,6% em 2017, a menor desde 2000. O indicador está muito abaixo de níveis capazes de devolver o país à rota do desenvolvimento sustentável. Uma expansão do PIB em torno de 5% ao ano exigiria uma taxa de investimento de aproximadamente 25%. Historicamente, o Brasil vem investindo abaixo desse patamar e o indicador recuou nos últimos anos devido, principalmente, à redução do investimento privado.
“Dada a correlação positiva entre taxa de investimento e crescimento do PIB, a situação deixa evidente a necessidade de o Brasil encontrar fontes alternativas de capital, frente ao esgotamento da capacidade de investimento do setor público que, ao longo dos anos, foi o provedor de financiamento de longo prazo do setor privado”, explica o estudo “Mercado de Capitais: caminho para o desenvolvimento”, elaborado pela Anbima e B3.
Diante desta perspectiva, a pergunta é: de onde sairá o dinheiro para financiar o aumento dos investimentos e o futuro crescimento do PIB. Tanto os candidatos de direita quanto os de esquerda ainda relutam em falar explicitamente se vão manter a atual postura do BNDES ou voltarão para a era de créditos subsidiados em que o custo dos empréstimos era menor do que o valor de captação do governo. “Os candidatos têm sido um pouco vagos em relação ao papel do banco. Não há muita especificação, nada de concreto e categórico”, avalia Sérgio Lazzarini, professor de estratégia do Insper.
Em post recente no Twitter, o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, por exemplo, declarou que vai dar crédito a pequenas empresas via BNDES a juro zero. Altamente criticado, o post saiu do ar rapidamente. Em seu programa de governo, o candidato, Jair Bolsonaro, do PSL, afirma que o “BNDES deverá retornar à centralidade em um processo de desestatização mais ágil e robusto, atuando como um ‘Banco de Investimentos’ da União e garantindo que alcancemos o máximo de valor pelos ativos públicos”.
O programa de governo petista destaca que o aprofundamento da competição bancária deverá ser estimulado pelos bancos públicos e pela difusão de novas instituições de poupança e crédito. “Daí porque se torna fundamental revitalizar os bancos públicos, especialmente BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, e os mecanismos de financiamento ao desenvolvimento nacional. O Brasil precisa superar a estrutura oligopolista que controla o sistema financeiro e bancário privado”. O programa ainda prevê a alteração da Taxa de Longo Prazo (TLP), visando filtrar a volatilidade excessiva típica dos títulos públicos de longo prazo e dar incentivo a setores e atividades de alta externalidade e retorno social. No entanto, o candidato petista tem declarado publicamente que o programa representa os pontos de vista do PT e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e não necessariamente os dele próprio.
“Mesmo considerando apenas os programas dos candidatos com maior chance de vencer, não parece ainda muito claro seu posicionamento sobre esses temas”, diz o economista Raul Velloso, referência em políticas públicas. A visão dos especialistas é de que não se pode voltar aos equívocos passados. “O agravamento da crise fiscal levou recentemente à introdução de uma nova taxa de referência para o BNDES, a TLP, sob a qual reduziram-se drasticamente os subsídios dos financiamentos do banco, algo que dificilmente deveria mudar enquanto a crise persistisse, e que aponta para um papel menos expressivo do banco no financiamento do setor de infraestrutura”, afirma Velloso
A partir de janeiro deste ano, a TLP passou a substituir a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) para novos empréstimos. Após a mudança, o governo deixou de dar subsídios para as empresas sem transparência. A taxa anterior era subsidiada e até mesmo menor do que as que o governo paga para tomar dinheiro emprestado ao vender títulos de dívida.
De 2013 a 2017, a média dos juros cobrados pelo BNDES para financiar os investimentos ficou abaixo da Selic. Nessa época, o Programa de Sustentação dos Investimentos (PSI), lançado em 2009 como estratégia de combate à crise financeira internacional de 2008, foi acelerado e algumas linhas chegaram a ter juros negativos, ou seja, abaixo da inflação. O PSI foi extinto e, em 2016, a diferença dos juros do BNDES em relação à Selic começou a diminuir. “As taxas começam a convergir no mercado e, se for necessário aprovar algum subsídio, isso vai ser mais explícito. Será preciso aprovar no orçamento da União. Antes um burocrata decidia aplicar. Espero que a lição tenha sido aprendida”, diz Lazzarini.
Desta forma, o protagonismo do BNDES como financiador de projetos vem sendo gradativamente substituído pelo capital privado. Esta postura tem sido defendida dentro do próprio banco, que elabora no momento um Plano Diretor para o Mercado de Capitais. A instituição hoje conta com cerca de R$ 84 bilhões de ativos. Em sua maior parte, o portfólio está alocado em ações de grande liquidez, de empresas como Petrobras, Vale, Fibria, JBS e Suzano. Se os valores aplicados em companhias de grande porte forem excluídos, a carteira cai para R$ 23,4 bilhões.
“Vamos desinvestir das ações mais maduras, buscando alocar esses recursos em ativos que tenham apelo de sustentabilidade ambiental, social e de governança, desenvolvimento regional, inovação e mercado de capitais, que entrou como um dos objetivos transversais de todas as atuações do banco”, afirmou a diretora de Investimento BNDES, Eliane Lustosa, em evento recente da Amec.
Para Lazzarini, não há justificativa para que o BNDESPar mantenha participação acionária em grandes empresas. “Progressivamente devem ser vendidas e os investimentos precisam se concentrar em firmas mais empreendedoras que têm bons projetos, mas estão restritas em capital. É necessário colocar metas de crescimento para os empreendedores e deixar estes investimentos ao longo do tempo. Não faz sentido manter a posição”, defende.
A mudança de trajetória foi imposta inicialmente pela ex-presidente Maria Sílvia Bastos Marques, com a visão de que o banco deve ser complementar ao mercado privado. “O banco deve atuar com empréstimos ou participações acionárias que entram em áreas em que investidor o privado tem dificuldades ou não tem interesse em entrar. As práticas anteriores envolveram empréstimos sem critério ou até para cobrir falhas do próprio governo”, observa Lazzarini.
Até então, o BNDES emprestava com subsídios à setores que exibiam falhas regulatórias. O medo do intervencionismo do governo levava os investidores privados a ficarem reticentes em financiar. “Isso é um absurdo porque quem criou o risco foi o governo. Parece-me mais sensato retirar o risco e colocar o banco somente em condições em que não há como obter financiamentos com recursos privados. Os agentes privados podem achar soluções de financiamento e de apoio desde que se reduzam os riscos regulatórios do governo”, diz.
Parceiro
A postura da Anbima e B3 é de que o BNDES deva continuar atuando cada vez mais como parceiro do mercado de capitais, reduzindo sua participação direta e atuando como investidor âncora nas emissões de títulos, já que a presença do banco funciona como uma chancela de qualidade aos olhos do mercado. “Para os novos projetos, a atuação do BNDES durante a fase pré-operacional é importante, dada a sua capacidade de análise e acompanhamento dos projetos, sem a necessidade de cobertura de fiança bancária. Após esse período, o mercado de capitais assume o financiamento, por meio de emissões de debêntures”, defendem as entidades.
Com esse posicionamento, o banco passará da ponta de financiador a custo subsidiado para financiador a taxas de mercado, atuando como investidor das debêntures. Desta forma, o BNDES assumiria o papel de indutor do desenvolvimento sustentável e da adoção das melhores práticas nas empresas apoiadas. “A atuação do governo deve ser mais ampla, porém, evitando excessos. Pode dar mais profundidade a alguns mercados, como, por exemplo, o de dívida privada. Há espaço para se incentivar emissões”, diz Eliane Lustosa.
Não há falta de recursos. A questão consiste que existam bons projetos, aos quais o banco tem muito a oferecer em termos de infraestrutura, com pessoas capacitadas para selecionar e auxiliar os empreendedores. “Por que não ajudar as empresas a fazer bons projetos trazendo mercado? No crédito, é ancorar as iniciativas e depois ir ao mercado. Precisamos buscar profundidade e replicabilidade”, complementa.
Retomada
Dados do estudo do próprio BNDES: “Perspectivas do Investimento 2018-2021”, que abrange vinte setores econômicos, sendo doze da indústria e oito de infraestrutura e que respondem por cerca de 80% a quase 100% dos investimentos, demonstram que a perspectiva é de que os valores investidos na economia alcancem R$ 1,03 trilhão em cinco anos, o que corresponde a uma média anual de R$ 258 bilhões. “Nesse sentido, o atual levantamento evidencia uma mudança na trajetória e sinaliza uma retomada do investimento, que poderá ser potencializado à medida que haja redução das incertezas relacionadas à economia e ao calendário político”, diz.
O cenário que baliza as projeções do estudo “Mercado de Capitais: caminho para o desenvolvimento”, elaborado pela Anbima e B3, é similar. A projeção é que os investimentos totais do país saiam de R$ 1,02 trilhão em 2017 para R$ 1,38 trilhão em cinco anos. “Esse volume poderia ser incrementado em 21,2% em 2022 se o Brasil alcançasse um mercado de capitais do porte de países desenvolvidos. A taxa corresponde a um aumento de R$ 294 bilhões no investimento total projetado para o período”, diz o documento.
Considerando apenas os investimentos em infraestrutura, o aumento poderia ser de 18,2% em 2022, contabilizados nos setores básicos de energia, saneamento, telecomunicações e transporte. O levantamento projeta ainda que os recursos alocados no setor de energia ganhariam um incremento de R$ 32 bilhões em cinco anos, ao passo que os investimentos adicionais em saneamento seriam de R$ 9 bilhões no mesmo período. O impacto sobre o setor de telecomunicações alcançaria R$ 13 bilhões, saltando para R$ 27 bilhões.
Substituição
O estudo da Anbima e da B3 explica que, qualquer que seja o tamanho da necessidade de investimento do país nos próximos anos, será preciso encontrar fontes alternativas de capital, pois o modelo de financiamento que sustentou o crescimento econômico brasileiro em boa parte do século XX não é mais capaz de viabilizar os investimentos necessários para que o Brasil volte a ter uma expansão sustentável do PIB.
O BNDES tem registrado queda significativa, de 26,7%, no volume de desembolsos desde 2013. A participação do banco na matriz de financiamento nacional é menor a cada ano: passou da média de 14,3% no período de 2010 a 2014 para 5,3% em 2017. Esse encolhimento reflete a menor disponibilidade de recursos e a mudança das políticas operacionais do banco.
A lacuna deixada pelo BNDES vem sendo, paulatinamente, coberta pelo setor privado. O mercado de capitais, que representava 10,2% dos financiamentos em 2014, atingiu 13% em 2017. Já os investimentos estrangeiros responderam por 32,4% no ano passado. Esta foi a maior participação do mercado desde 2005 e o impulso foi dado pela queda na taxa de juros e pela menor oferta de crédito público subsidiado. Ao mesmo tempo, o BNDES mudou sua política de financiamento, concentrando-se em setores de maior impacto social.
O estudo da Anbima e da B3 ressalta que os números continuam ascendentes. De janeiro a junho de 2018, a captação total das companhias brasileiras via mercado de capitais atingiu R$ 144,5 bilhões, volume que superou a média do período nos últimos sete anos (R$ 122,5 bilhões). No semestre, as debêntures de infraestrutura (regidas pela Lei 12.431) bateram recorde de emissões desde sua criação, em 2011, somando R$ 9,6 bilhões. Nessa modalidade, o total alcançado a partir de 16 operações foi quase quatro vezes maior do que o registrado entre janeiro e junho de 2017, quando também foram realizadas 16 operações.
Hoje, a escassez de fontes privadas de financiamento de longo prazo resulta em um modelo no qual grande parcela das empresas se financia majoritariamente com recursos próprios. Mesmo quando vão a mercado, as companhias não têm por objetivo se capitalizar para investimento: o refinanciamento de passivo e o capital de giro são os principais destinos dos recursos obtidos via emissão de dívidas. Em 2017, apenas 2,4% das emissões foram direcionadas para investimentos e menos de 10% tinham prazo acima de dez anos. Essa ausência de capital de longo prazo restringe investimentos em novos projetos.
Falhas
Na atual situação, o Estado brasileiro precisa direcionar recursos públicos cada vez mais escassos para áreas como saúde e educação, deixando que o setor privado se encarregue de financiar áreas com capacidade de levantar recursos via instrumentos privados de captação nos mercados de ações e dívida corporativa. Neste sentido, o BNDES tem estimulado os gestores a atuarem em determinadas falhas do mercado. “Hoje o banco tem R$ 3 bilhões em fundos, alavancando R$ 16,2 bilhões de recursos privados. Este é um papel importante para atrair recursos privados que possam gerar externalidades positivas”, diz Eliane Lustosa.
As entidades de mercado, considerando a grave crise fiscal enfrentada pelo governo, consideram urgente adotar ações para que o mercado de capitais absorva parcelas cada vez maiores do financiamento de setores como transporte, telecomunicações, energia elétrica e saneamento. “É fato que existem razões para subsidiar certos segmentos onde há externalidades positivas óbvias, como o de mobilidade urbana, via ganhos oriundos do descongestionamento de vias, ou segmentos onde a taxa de retorno social, por algum motivo, é superior à privada”, complementa Velloso.
Para Eliane, apesar da situação fiscal, o ambiente futuro mostra-se oportuno para o desenvolvimento do mercado de capitais. “Atendendo a essa questão, o banco pode atuar no pilar da infraestrutura para as negociações. O Brasil, no mercado acionário, ainda está muito mal na comparação com outros países em termos de número de empresas no mercado, custos de transação e na parte de liquidez. Neste sentido, há muito o que se fazer para o desenvolvimento do mercado de ações. No mercado de dívida, estamos bem abaixo em diversos aspectos como no prazo dos títulos e volume de emissões. O banco está focando nas falhas de mercado de dívidas e inovação”, complementa Eliane Lustosa.
O estudo da B3 e da Anbima demonstra que uma agenda de fortalecimento do mercado de capitais traria impactos positivos para a economia logo nos primeiros cinco anos: a renda per capita poderia chegar a R$ 38,8 mil em 2022, ou R$ 4 mil adicionais (11,6%) aos R$ 34,6 mil previstos atualmente; Seriam gerados 1,7 milhão de empregos adicionais; O volume total de investimentos seria 21% superior. “Assim como observado no PIB e na geração de empregos, um mercado de capitais mais desenvolvido também teria reflexos positivos na arrecadação de impostos. O incremento seria de 12,1% em 2022, o equivalente a R$ 1 trilhão acumulado, praticamente a metade da arrecadação registrada em 2017, que foi de R$ 2,1 trilhão. O impacto estimado seria incremental aos R$ 2,4 trilhões projetados para daqui a cinco anos”, destaca o estudo.