Comunicação

COMO A COMUNICAÇÃO INTERFERE NA TOMADA DE DECISÃO?

Você já deve ter ouvido ou mesmo dito a frase "não foi isso o que eu quis dizer". Comum e desconfortável, essa frase nos faz pensar em como articulamos nossos pensamentos para que a mensagem que eu desejo passar seja a mesma que o receptor vai receber. Por isso mesmo que os processos comunicacionais não devem ser desprezados em nenhuma instância, já que quando a mensagem não circula de maneira satisfatória para todos os envolvidos em uma situação comunicacional, o caldo pode entornar. 

A interpretação das palavras não é um mero caso de Semântica. Um exemplo disso é relatado pelo linguista canadense, professor na Universidade de Harvard, Steven Pinker, em seu livro “Do que é feito o pensamento”. Segundo o autor, o arrendatário do terreno no qual ficavam as torres gêmeas, Larry Silverstein, possuía apólices de seguros no valor de U$S 3,5 bilhões para cada “evento” destrutivo no local. Esse detalhe semântico fez do ataque às torres alvo de uma discussão judicial pautada fundamentalmente na existência do termo “events” (fato). Segundo a interpretação dos advogados de Silverstein a queda das torres seria definida em termos físicos: duas torres caíram, dois eventos ocorreram; já para os advogados da seguradora, o “11 de Setembro” se classifica como uma articulação de fatos que culminaram com o choque dos aviões contra os edifícios, portanto, “11 de Setembro” deveria ser tratado como sendo um único evento. A questão é: o termo “events”, constante no contrato, tem o valor de US$3,5 bilhões ou o dobro, US$ 7 bilhões? Se tivesse havido uma preocupação adequada à redação da cláusula teria sido evitada a discussão acerca de uma indenização bilionária.

Não precisamos ir tão longe para pensarmos a respeito do valor (e aqui não me refiro ao valor monetário, como no caso acima) das palavras. Pense em uma circunstância em que tenha sido mal interpretado. Qual o tamanho do desgaste causado? poderia ter sido evitado? O que houve de errado no momento da troca de informação?

É nesse sentido que precisamos pensar no valor da comunicação para a tomada de decisão. Sabemos dos riscos inerentes às decisões daqueles que lidam com altos cargos executivos e estratégicos. Sabemos também do estresse gerado por essa responsabilidade e sabemos ainda o quão importante é ter clareza sobre suas decisões.

Pensar na comunicação para tomada de decisões é pensar se "estou sendo claro no que pretendo passar como informação?", "é possível que algum dos envolvidos em todas as instâncias do processo possa não compreender minha mensagem?", “há a possibilidade de dubiedade na interpretação da minha mensagem?” Essas perguntas podem soar-lhes óbvias, mas essa mesma pressuposição de obviedade não deve ter tocado o redator do contrato de Silverstein.

Creio que ele jamais tenha tido a intenção de causar uma bilionária disputa judicial por conta de uma palavra.Também não poderia imaginar, na assinatura do contrato, que em um 11 de setembro de um ano vindouro haveria de ocorrer uma das maiores tragédias da aviação. Acredito que não passa pela cabeça de quem redige um contrato de arrendamento que um avião pode ser propositalmente jogado contra um edifício. Então você me pergunta "qual sua sugestão para resolver essa situação?" É simples, seja sempre muito claro em sua comunicação. E se no contrato especificasse o que a seguradora entende como "evento?"

Outro caso, verídico, refere-se a uma ata de um Conselho de Administração, onde o Conselho tomou a decisão de que a Companhia teria um fluxo financeiro com um determinado cliente na ordem de R$ 15 milhões.Alguns conselheiros saíram daquela reunião certos de que tinham aprovado que o item "contas a receber" referente a esse cliente não poderia passar de R$ 15 milhões. Passado algum tempo, o determinado cliente quebrou e a Companhia tinha em “contas a receber” R$ 50 milhões. Reunião extraordinária do Conselho foi convocada e ai? O CEO conseguiu comprovar matematicamente que o fluxo financeiro estava em R$ 15 milhões, ou seja, ao assinar as atas tenham certeza de que as informações ali retratam fielmente o que foi deliberado e que essa informação está clara e compartilhada equanimemente por todos os presentes. Uma das formas de garantir maior fidedignidade é a Companhia possuir uma Secretaria de Governança e esta ficar responsável, entre outras atribuições, pelas atas do Conselho.

Outro exemplo, desta vez relacionado ao tempo que uma informação deve vir a público, em um IPO próximo ao final de um ano, uma Companhia do setor de construção civil tornou público que iria lançar no ano seguinte 38 novos empreendimentos.Em setembro do ano seguinte a empresa só tinha lançado 4 novos empreendimentos e no ITR do terceiro trimestre a companhia informa que não lançaria os 38 empreendimentos prometidos devido à crise internacional.Faltando menos de 3 meses para acabar o ano, a empresa ainda tinha que lançar 34 novos empreendimentos e ela vinha somente nesse momento dar essa informação ao público. Ora, os investidores já tinham há muito tempo incorporado a crise na avaliação da empresa.A área de RI da companhia errou o tempo de agir, pois o comunicado tinha que vir muito antes, inclusive com a explicação de como seriam aplicados ou utilizados os recursos financeiros captados.

Não que você precise pensar que um avião pode se chocar contra um prédio quando for redigir um contrato de arrendamento, mas, ao se comunicar, pense na escolha de cada uma de suas palavras. Foi a melhor escolha? há dubiedade na interpretação? estou sendo claro no meu intento? Se responder positivamente a todas essas perguntas, fique tranquilo, você está bem preparado para se expressar em sua tomada de decisão. 

A tomada de decisão do Conselho de Administração tem que estar totalmente clara para que o CEO a implemente corretamente e o profissional de RI possa comunicá-la ao mercado adequadamente.


Maria Cecília Guilherme Siffert
é publicitária, professora universitária e consultora de Comunicação Corporativa. Atualmente cursa o doutorado em Linguística na Unicamp estudando Análise do Discurso do Humor na Política.
mariasiffert@uol.com.br

Roberto Sousa Gonzalez

é diretor da Bússola Governança - Consultoria & Treinamento, especializada em Secretaria de Governança; professor em cursos de pós graduação na FECAP, Fipecafi entre outras instiuições; autor do livro: Governança Corporativa - O poder de transformação das empresas.
roberto@bussolagovernanca.com.br


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