Educação Financeira | Em Pauta | Enfoque | Entrevista |
Espaço Apimec | Fórum Abrasca | IBGC Comunica | IBRI Notícias |
Opinião | Orquestra Societária | Ponto de Vista | Previdência |
Este artigo apresenta reflexões sobre os eventos ocorridos nos municípios de Mariana e Brumadinho, Minas Gerais, respectivamente em 2015 e 2019. Em cada município, uma barragem de resíduos produzidos pela extração mineradora das empresas Samarco (pertencente à Vale S/A) e Vale, se rompeu, matando seres humanos, animais e produzindo uma devastação sem precedentes em terras e rios. Estas reflexões são feitas com base no Modelo de Gestão Sustentável (MGS) e em seus fundamentos, explicitados na edição 229 desta Revista RI.
Antes de fazermos as reflexões citadas, gostaríamos de apresentar algumas palavras introdutórias, expressando nossa profunda consternação com o evento recentemente ocorrido em Brumadinho, Minas Gerais, nosso estado natal, e as nossas preocupações com o futuro, especialmente considerando os riscos que correm muitos brasileiros que vivem próximos de barragens de mineração inseguras.
O pesadelo ocorrido em Mariana, também em nosso Estado, há pouco mais de três anos, se repetiu, com outras especificidades e impactos sobre a vida humana muitas vezes mais devastadores. Recapitulemos: no dia 5 de novembro de 2015, segunda-feira, uma barragem de resíduos minerais da Samarco, pertencente à Vale (50%) e à australiana BHP (50%), se rompeu no município de Mariana (MG), provocando 19 mortes e pelo menos um desaparecimento de pessoas. As vidas perdidas, a devastação de terras e a intoxicação em grande medida do Rio Doce e de sua bacia são danos socioambientais cujo custo é incalculável. A enxurrada de lama chegou até o Oceano Atlântico, no litoral do Espírito Santo, deixando uma trajetória de destruição e sofrimento.
Pouco mais de três anos após, no dia 25 de janeiro de 2019, sexta-feira, uma barragem integralmente pertencente à Vale se rompeu, em Brumadinho (MG), deixando os brasileiros estupefatos, no pior sentido possível. O rompimento produziu, como o primeiro, uma enxurrada de lama que devastou terras e águas. No momento em que escrevemos este artigo, registram-se 206 mortos e 102 desaparecidos, de acordo com a Defesa Civil, incluindo trabalhadores da própria Vale. O Rio Paraopeba, afluente do Rio São Francisco e uma das fontes de água de Belo Horizonte, com seu elevado nível de intoxicação, pode impactar enormemente outras regiões.
Estamos há quase dois meses do ocorrido em Brumadinho. Ficamos – como os brasileiros e o mundo – estarrecidas com o ocorrido. Mais ainda por sermos mineiras, de Belo Horizonte, sendo que Brumadinho e Mariana estão relativamente próximas da Capital. Várias pessoas ao nosso redor têm suas origens nesses locais e alguns conhecidos que ali habitam nos fizeram relatos sobre o clima e o desalento reinantes após cada desastre. O sentimento de que é preciso que se faça justiça existe, mas também é preciso serenidade, a fim de evitar juízo de valor não baseado em fatos e dados apurados e comprovados. Sob o prisma das responsabilidades legais dos envolvidos, entre profissionais da Vale e de outras organizações, os órgãos a cargo do assunto estão trabalhando e é preciso aguardar. Sem, entretanto, esquecer, muito especialmente, do que ainda pode ocorrer.
Ter serenidade não significa não ter senso de urgência. É preciso ação das entidades competentes: muitos brasileiros habitam e/ou trabalham próximos de barragens inseguras, dentro e fora do nosso Estado. Apenas em Minas Gerais, há mais de 700 barragens e, segundo ótima matéria publicada pela Revista Plurale sobre o rompimento da barragem de Brumadinho (abril de 2019, em referência ao diagnóstico do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB), cerca de 50 são inseguras. Muitos seres humanos estão sob risco. Não apenas em território mineiro.
Infelizmente, o histórico brasileiro tem vários exemplos de lentidão, quando se pensa em medidas imprescindíveis para a sociedade. Exemplificando: em 1962, a cientista, escritora e ecologista estadunidense Rachel Carson publicou o livro Silent Spring (Primavera Silenciosa), no qual ela apontou que o DDT (diclorodifeniltricloroetano), substância usada como inseticida, causa câncer em seres humanos e interfere na vida animal. Em função desse e de outros estudos, o DDT foi banido de vários países nos anos setenta. No Brasil, apenas em 2009 toda a cadeia que vai da fabricação até o uso do DDT foi proibida, por meio da Lei nº. 11.936 de 14 de maio de 2009. Isto é defensável?
Voltando aos eventos de Mariana e Brumadinho, urge que as autoridades competentes tomem providências para evitar novos desastres e temos alguns sinais de que isso está sendo feito, ao menos em Minas Gerais, após o segundo rompimento de barragem. A coordenação desta prioridade absoluta cabe ao Estado Brasileiro, às suas entidades competentes, não à Vale. Esta é a corporation no centro dos eventos de Mariana e Brumadinho. Ela é uma corporação importante para a economia, com capacidade financeira, mas não é o Estado e não tem que assumir o papel que pertence ao Estado. Precisa ter suas responsabilidades apuradas, precificadas e prevenir novos desastres em seu negócio, mas não é a ela que cabe fazer o que o Estado tem o papel de fazer.
Adicionalmente, ter serenidade não significa não prestar atenção à ação do Estado. Temos lido em veículos de mídia sobre os esforços coordenados de entidades como os Ministérios Públicos Federal e Estadual e as Polícias Federal e Civil entre outras para lidar com a apuração do ocorrido em Brumadinho e para prevenir perdas de vidas em novos desastres. Enaltecemos esses esforços, mas lembramos que essas entidades não têm o dever de cuidar apenas do ocorrido em Brumadinho. Preocupa-nos que elas – e outras entidades envolvidas nos esforços de apuração e prevenção – não recebam todo o reforço de pessoas, equipamentos e recursos financeiros necessários para que possam cumprir seu papel. Será tal preocupação procedente?
Infelizmente, pode não ser provida a estrutura para quem precisa trabalhar. Conforme observa a jornalista, Cristina Serra, autora do livro Tragédia em Mariana – a história da maior tragédia ambiental do Brasil –, editado pela Record News, em entrevista concedida à Rádio Jovem Pan, o processo jurídico de Mariana está a cargo de um juiz federal, encarregado com este e outros processos. Não houve a criação de uma força-tarefa para cuidar de um processo complexo, com 21 réus e mais de 400 testemunhas. E não há previsão de quando o caso terminará. Este é o quadro.
Não poderíamos não citar o trabalho dos bombeiros que vêm atuando em Brumadinho. A estes heróis anônimos e imprescindíveis, somente podemos dizer: que bom que vocês existem. E por fim, lembramos que o setor de mineração é muito importante para o progresso e para o País, trazendo bilhões de reais em divisas e gerando muitos empregos, mas isso não significa que a sua sustentabilidade social e ambiental pode ser relegada a segundo plano. A mineração traz impactos ao meio ambiente e a comunidades e não é possível fazer de conta que não é assim.
Passemos, a partir deste ponto, às nossas reflexões sobre o ocorrido em Mariana e Brumadinho, sob o prisma do Modelo de Gestão Sustentável (MGS). Consideremos as informações do quadro seguinte, que contempla a definição do MGS, seus 20 fundamentos (edição 229 desta Revista RI) e, na parte inferior, as oito dimensões desse Modelo. No quadro em questão, realçamos cinco fundamentos que embasarão nossas reflexões: 1. comprometimento com a ética; 2. introjeção dos conceitos de alinhamento, governança e sustentabilidade; 5. sustentabilidade e gestão de riscos; 6. obrigações formais e boas práticas; e, 14. inteligência de processos e projetos.
MODELO DE GESTÃO SUSTENTÁVEL (MGS) PERSPECTIVA: VALE S/A
O Modelo de Gestão Sustentável – MGS – é o conjunto de princípios, valores e crenças, que se transpõem em práticas de administração respeitadas, comunicadas e amplamente aplicadas pelos líderes e gestores na organização, suportadas por diversas ferramentas de apoio à gestão, visando a performance sustentável e a satisfação de todos os stakeholders.
Essas práticas têm as funções de direcionar, planejar, conectar, executar, controlar, corrigir, energizar e tornar consistentes com a sustentabilidade as principais dimensões da Arquitetura Organizacional – seu desenho ou projeto –, materializando a estratégia, por fim, em resultados sustentáveis.
As funções citadas não são exaustivas, por se tratarem de elementos-chave ao sucesso da organização, organismo vivo em constante evolução.
Os 20 Fundamentos do MGS |
Funções e Possíveis Associações com os Eventos Mariana e Brumadinho |
||||
Supra organizacionais | |||||
1. Comprometimento com a ética | D E S C | Direcionar | |||
2. Introjeção dos conceitos de alinhamento, governança e sustentabilidade | D E S C | Direcionar e ser sustentável | x | ||
3. Comprometimento com o MGS | D E S C | Direcionar | |||
Comuns aos cinco vértices | |||||
4. Abrangência da visão de grupo | D E S C | Direcionar | |||
5. Sustentabilidade e gestão de riscos | D E S C | Ser sustentável | x | ||
6. Obrigações formais e boas práticas | D E S C P D C A |
Todas Todas |
|||
7. Alinhamento entre os cinco vértices da Estrela de Galbraith | C | Conectar | |||
Específicos por Vértice da Estrela de Galbraith Estratégia, Estrutura, Processos & Tecnologia, Pessoas & Cultura e Sistema de Recompensas |
|||||
8. Compreensão sobre os conceitos básicos da estratégia | D E S C P D C A |
Todas Todas |
|||
9. Inteligência na concepção e planejamento da estratégia | D E S C P D C A |
Direcionar Todas |
|||
10. Inteligência na implantação da estratégia | D E S C P D C A |
Direcionar Todas |
|||
11. Compreensão sobre os conceitos básicos de estruturas organizacionais | D E S C P D C A |
Direcionar Todas |
|||
12. Inteligência de estruturas | P D C A | Todas | |||
13. Compreensão sobre os conceitos básicos de processos e projetos | D E S C P D C A |
Direcionar Todas |
|||
14. Inteligência dos processos e projetos | P D C A | Todas | x | ||
15. Compreensão sobre as aspirações das pessoas | D E S C | Energizar | |||
16. Compreensão sobre a cultura organizacional | D E S C | Direcionar e energizar | |||
17. Desenvolvimento de lideranças | D E S C | Energizar | |||
18. Inteligência da gestão de pessoas | P D C A | Todas | |||
19. Compreensão sobre os conceitos básicos de sistemas de recompensas | D E S C P D C A |
Todas Todas |
|||
20. Inteligência do sistema de recompensas | P D C A | Todas |
PDCA | ||
Planejar (plan) | P | Planejar caminhos de sucesso para o futuro, em qualquer nível da organização |
Executar (do) | D | Executar atividades, em qualquer nível da organização |
Controlar (control) | C | Controlar atividades e resultados, em qualquer nível da organização |
Corrigir (act) | A | Corrigir rotas planejadas, em qualquer nível da organização |
DESC | ||
Direcionar | D | Direcionar a Arquitetura Organizacional, o desenho ou projeto da organização, criando orientações gerais e específicas para os cinco vértices da Estrela de Galbraith |
Energizar | E | Estimular pessoas a produzirem bons resultados e a evoluírem, criando a cultura desejada, em qualquer nível da organização |
Tornar consistentes com a sustentabilidade – ser sustentável | S | Introjetar os conceitos de sustentabilidade e do Triple Bottom Line – TBL –, em qualquer nível da organização |
Conectar | C | Conectar os cinco vértices da Arquitetura Organizacional - a Estrela de Galbraith -, interligando-os e alinhando-os entre si |
1) FUNDAMENTO 1: COMPROMETIMENTO COM A ÉTICA
Para fins deste artigo, optamos por recorrer ao Código de Brasileiro de Governança Corporativa (2016, p. 15), resultante do esforço de 11 entidades ligadas ao mercado de capitais nacional, o qual estabelece quatro princípios de governança: transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. Sobre o último princípio citado, especificamente, reproduzimos o que consta no Código:
“Os agentes de governança devem zelar pela viabilidade econômico-financeira das companhias, reduzir as externalidades negativas de seus negócios e operações e aumentar as positivas, levando em consideração, no seu modelo de negócios, os diversos capitais (financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social, ambiental, reputacional, etc.) no curto, médio e longo prazos.”
Externalidades são os efeitos colaterais de uma decisão sobre aqueles que dela não participaram. Nos eventos de Mariana e Brumadinho, as pessoas atingidas não participaram sobre as decisões relativas às barragens que se romperam.
Note-se que a expressão “os agentes da governança devem ..., reduzir as externalidades negativas de seus negócios e operações e aumentar as positivas [...]” significa que melhorias seriam esperadas após o rompimento da barragem da Samarco em Mariana. Assim, faz sentido indagar: houve um plano de ação eficaz para lidar com as externalidades negativas? Houve melhorias no tratamento dessas externalidades? As investigações e o tempo dirão se e quais melhorias houve, bem como se elas poderiam ter evitado o pior, ou não.
2) FUNDAMENTO 2: INTROJEÇÃO DOS CONCEITOS DE ALINHAMENTO, GOVERNANÇA E SUSTENTABILIDADE
A palavra “introjeção” é, para nós, sinônima de assimilação de conceitos relevantes sobre os três temas em questão. Nesse sentido, cabem algumas indagações:
1. Em que medida houve efetivo alinhamento entre sócios, conselheiros (representantes dos primeiros), Diretoria Executiva e as áreas operacionais da Organização quanto aos riscos reais dos eventos ocorridos? Os sócios e seus representantes tiveram acesso a um quadro realista dos riscos nos eventos ocorridos?
Aqui, cabe um comentário de cunho genérico: é altamente recomendável que sócios sejam informados sobre grandes riscos que ocorrem nas organizações, mesmo em áreas operacionais. Assim, as duas perguntas apresentadas no parágrafo acima fazem sentido. Aliás, o alinhamento no caso do rompimento da barragem de Mariana seria, a nosso ver, ainda mais crítico, haja vista que havia uma empresa a mais – a Samarco – no contexto do evento, o que amplia o número de agentes a serem alinhados.
2. Qual tem sido a lógica de governança corporativa vigente na Companhia – o modelo financeiro ou o modelo dos stakeholders?
As teorias da governança corporativa se concentram entre dois modelos, segundo a literatura acadêmica: modelo financeiro (“a empresa deve prover retornos econômicos aos seus sócios”) e modelo dos stakeholders (“a empresa deve prover retornos satisfatórios aos seus sócios, sem deixar de considerar interesses de stakeholders importantes”). Qual desses dois modelos tem sido o vigente ou preponderante na Organização?
Na realidade, o modelo dos stakeholders citado é uma versão mais realista daquela original, em que o pressuposto era “a empresa deve equilibrar os interesses de stakeholders importantes”. Essa concepção mais prática foi proposta pelo professor Michael Jensen em seu artigo Value maximization, stakeholder theory, and the corporate objective function (2003).
3. Os sócios e dirigentes da Organização têm clareza quanto à forte associação entre os conceitos de governança corporativa, sustentabilidade e gestão de riscos?
Governança corporativa e sustentabilidade são conceitos atualmente indissociáveis. A sustentabilidade, por seu turno, é indissociável da gestão de riscos. Não faz sentido tratar de governança corporativa sem sustentabilidade e tratar de sustentabilidade sem gestão de riscos.
3. FUNDAMENTO 5 – SUSTENTABILIDADE E GESTÃO DE RISCOS
A sustentabilidade e a gestão de riscos se repetem neste quinto fundamento com foco menos conceitual e mais ligado à construção e implementação da arquitetura organizacional, ou seja, o desenho ou projeto de uma organização. Estamos nos referindo ao processo de gestão de riscos. As perguntas que aqui se apresentam são: a gestão de riscos tem sido satisfatória? O mapeamento de riscos vem sendo feito de maneira a tornar próxima de zero a possibilidade de eventos inaceitáveis? As evidências físicas de riscos estão sendo percebidas e corretamente interpretadas? As decisões de investimentos baseadas nesse mapeamento têm sido adequadas?
Neste ponto, consideramos válido fazer uma breve digressão, dentro do que estamos tratando, e retornarmos ao artigo Orquestra Societária, Gestão de Riscos e Sustentabilidade, publicado nesta Revista RI (edição 203, maio de 2016) com uma reflexão sobre as dimensões probabilidade e impacto dos riscos de ocorrência de eventos organizacionais. A tabela abaixo, para um evento hipotético de uma organização hipotética, é egressa daquele artigo, acrescida das situações 6 e 7:
RISCO DO EVENTO “E” A |
PROBABILIDADE DE OCORRÊNCIA EM % B |
IMPACTO EM $ BILHÕES C |
PERDA ECONÔMICA EM $ BILHÕES D = B x C |
Situação 1 | 0,001% | 10 | 0,0001 |
Situação 2 | 0,01% | 10 | 0,001 |
Situação 3 | 0,1% | 10 | 0,01 |
Situação 4 | 1% | 10 | 0,1 |
Situação 5 | 10% | 10 | 1 |
Situação 6 | 50% | 10 | 5 |
Situação 7 | 100% | 10 | 10 |
Na tabela, a perda econômica probabilística corresponde ao produto da probabilidade de ocorrência do evento pelo impacto que este provocaria. Note-se que quanto mais alta for a probabilidade, maior será a perda econômica. Para probabilidades baixas, a perda econômica não parece assustar, mas à medida que a probabilidade sobe, a perda se aproxima do impacto estimado.
Qual seria o turning point, a partir do qual se deveria preocupar com a perda econômica, no caso de eventos com consequências tão terríveis conforme o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho? Nossa resposta, dada no artigo supracitado e mantida no presente artigo é de fundo ético: a perda deve tender a zero, o que significa probabilidade de ocorrência tendendo a zero também. A avaliação dessa probabilidade para uma tecnologia escolhida é crítica.
Ao mesmo tempo, nem todas as organizações se comportarão de maneira ética e, assim sendo, a ação do Estado é crucial para regular comportamentos. Na tabela anterior, referente à organização hipotética considerada, se a perda de $ 10 bi fosse quintuplicada, apenas a título de exemplo, em função de regras do jogo mais duras, isso talvez alterasse decisões de investimento.
4. FUNDAMENTO 6 – OBRIGAÇÕES FORMAIS E BOAS PRÁTICAS
Quanto ao fundamento 6, as questões que apresentamos dizem respeito a boas práticas de escolhas de tecnologias para o negócio. São perguntas pertinentes: quais são as boas práticas de Engenharia disponíveis para tratar resíduos sólidos produzidos pela atividade empresarial (no caso, a mineração)? Onde elas poderiam ter sido usadas? Segundo qual cronograma de investimentos?
Conforme matéria publicada da Revista Plurale já citada (abril de 2019), no Chile, segundo país da América Latina em mineração após o Brasil, a prática de armazenamento de resíduos por “alteamento a montante”, usada nas barragens rompidas da Samarco e Vale, foi proibida nos anos oitenta. No Brasil, lento em mudar regras do jogo, boas práticas de tratamento de resíduos minerais do setor de mineração aparentemente não avançaram.
5. FUNDAMENTO 14 – INTELIGÊNCIA DOS PROCESSOS E PROJETOS
Por fim, cabe perguntar: independentemente das melhores práticas supracitadas, os processos organizacionais relativos ao tratamento de resíduos têm sido minimamente eficazes?
No caso do rompimento da barragem de Brumadinho, especificamente, a sirene que deveria avisar às pessoas a ocorrência da onda de lama foi engolfada pela própria lama. Parte dos empregados da Companhia se encontrava no caminho da onda e perderam suas vidas no evento. O que dizer?
Abaixo, apresentamos a síntese das perguntas apresentadas, obviamente não exaustivas:
1. Houve um plano de ação eficaz para lidar com as externalidades negativas? Houve melhorias no tratamento dessas externalidades?
2. Em que medida houve efetivo alinhamento entre sócios, conselheiros (representantes dos primeiros), Diretoria Executiva e as áreas operacionais da Organização quanto aos riscos reais dos eventos ocorridos? Os sócios e seus representantes tiveram acesso a um quadro realista dos riscos em ambas as situações?
3. Qual tem sido a lógica vigente de governança corporativa na Organização – o modelo financeiro ou o modelo dos stakeholders?
4. Os sócios e dirigentes da Organização têm clareza quanto à forte associação entre os conceitos de governança corporativa, sustentabilidade e gestão de riscos?
5. A gestão de riscos tem sido satisfatória? O mapeamento de riscos vem sendo feito de maneira a tornar próxima de zero a possibilidade de eventos inaceitáveis? As evidências físicas de riscos estão sendo percebidas e corretamente interpretadas? As decisões de investimentos baseadas nesse mapeamento têm sido adequadas?
6. Quais são as boas práticas de Engenharia disponíveis para tratar resíduos sólidos produzidos pela atividade empresarial (no caso, a mineração)? Onde elas poderiam ter sido usadas? Segundo qual cronograma de investimentos?
7. Os processos organizacionais relativos ao tratamento de resíduos têm sido minimamente eficazes?
Finalizamos observando que talvez a maior parte das respostas às perguntas acima somente seja interna, isto é, talvez apenas os sócios e profissionais da Vale S/A possam responder. Mesmo assim, é importante atentar aos fundamentos que tornam um modelo de gestão sustentável. A qualidade do modelo de gestão da Companhia doravante depende do que ela fará com o que ocorreu. Trata-se de uma Organização importante para o País e que, em nossa percepção, tem recursos humanos e materiais para rever seu modus operandi. Chamamos a atenção dos leitores, em especial, para os fundamentos 2 e 5, relacionados aos temas alinhamento, governança corporativa, sustentabilidade e gestão de riscos: se melhor trabalhados, talvez eles possam fazer a diferença e evitar eventos como as rupturas das barragens de Mariana e Brumadinho.
Cida Hess
é economista e contadora, especialista em finanças e estratégia, mestre em contábeis pela PUC SP e tem atuado como executiva e consultora de organizações.
cidahessparanhos@gmail.com
Mônica Brandão
é engenheira, especialista em finanças e estratégia, mestre em administração pela PUC Minas e tem atuado como executiva e conselheira de organizações e como professora.
mbran2015@gmail.com