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É inegável a relevância econômica das empresas familiares no Brasil e no mundo. A International Finance Corporation – IFC, braço privado do Banco Mundial, estima que em média70% das sociedades em atividade de cada país são familiares. De acordo com a International Family Business Network, as empresas familiares contribuem com cerca de 60% do PIB agregado da América Latina. No Brasil, dos 200 maiores grupos econômicos em atividade, aproximadamente 50% se originaram de grupos familiares nacionais.
Por acrescentarem questões afetivas e pessoais aos assuntos empresariais, os grupos familiares enfrentam problemas de governança e conflitos específicos que se somam àqueles enfrentados pelas demais empresas.
Um dos mais relevantes conflitos típicos das empresas familiares ocorre quando, com o passar das gerações, membros da família permanecem na gestão das empresas, sendo remunerados por isso, enquanto outros permanecem apenas na condição de acionistas, dependendo do recebimento de dividendos para auferirem remuneração.
Assim, os problemas se renovam a cada ano, por ocasião da deliberação de destinação dos lucros: os gestores desejam manter as empresas capitalizadas, reinvestindo os resultados na própria atividade empresarial, enquanto aqueles que estão afastados do dia a dia das empresas, desejam distribuir a maior parte dos lucros como dividendos.
Dentre os diversos mecanismos de governança corporativa para empresas familiares, que se propõem a reduzir não só o conflito societário/familiar acima narrado como os demais problemas de governança específicos das empresas familiares, destacam-se os escritórios familiares (ou family offices, como consagrado na literatura especializada).
Esses escritórios familiaresfuncionam como um centro de investimentos e prestação de serviços às famílias prósperas, como assessoria financeira, jurídica, tributária e até pagamentos de despesas diárias, tais como despesas médicas e com seguros.
Atuam também na estruturação e intermediação de investimentos em outras empresas. Além disso, quando exercem essa função, o fazem de maneira muito semelhante aos fundos de private equity, investindo na aquisição de participações minoritárias de companhias com potencial de valorização, visando revender referida participação com lucro em um intervalo de poucos anos. Servem, assim, como um instrumento para a diversificação das atividades empresariais da família, reduzindo a sua exposição aos problemas econômicos setoriais que possam afetar os negócios originais.
Por essas razões, os family offices são normalmente administrados por profissionais independentes que possuem habilidades em administração, finanças e contabilidade, consequentemente, transformando-se em robustos e bastante completos centros de serviços de gerenciamento de riqueza para tais famílias. Por isso, podem prestar serviços não apenas para uma única família, mas diversas e podem, ou não, adquirir personalidade jurídica própria, dependendo das necessidades de seus clientes.
Os recursos para o financiamento das atividades dos escritórios familiares são normalmente aportados por cada membro ou por seus núcleos familiares. Com o passar do tempo, são sustentados também pelos valores eventualmente cobrados pelos serviços prestados (especialmente no caso dos escritórios multifamiliares e/ou profissionais) e dos resultados dos investimentos por eles realizados.
Os family offices prestam um importante serviço à governança dos grupos familiares, evitando conflitos de interesses e contribuindo para diversificar os investimentos do grupo.
Ao eliminarem a necessidade de os membros da família arcar com custos corriqueiros, ao prestar-lhes serviços diversos e efetuarem os pagamentos de despesas cotidianas, os escritórios familiares eliminam parcela das tensões surgidas da parte dos acionistas afastados da gestão das empresas e que dependem dos dividendos para custear, entre outros gastos, referidas despesas.
Por fim, ao diversificarem os investimentos, colocando sob os auspícios de profissionais com capacidades específicas, geram uma nova fonte de receitas, contribuindo ainda mais para reduzir os conflitos pelos destinos dos resultados das empresas da família.
Helena Spieler
é sócia do Ambiel, Manssur, Belfiore e Malta Advogados, graduada em direito pela PUC-SP, pós-graduada em Direito Empresarial pela PUC/COGEAE e especialista em Mercado de Capitais pela FGV-SP.
spieler@ambiel.adv.br
Tiago Gomes
é sócio do Ambiel, Manssur, Belfiore e Malta Advogados, graduado em direito e Mestre em Direito Comercial pela USP.
gomes@ambiel.adv.br
Apesar da maioria quantitativa das empresas familiares no mundo e de suas reconhecidas vantagens em vários aspectos relativo a outras organizações, internacionalmente é alta a sua taxa de mortalidade precoce. Vários estudos e estatísticas mostram que cerca de 70% não sobrevivem à 2ª geração e apenas 3% a 4ª. A ampla maioria das famílias não enxerga isso, nem entende o porquê.
Analisando e acompanhando casos em países desenvolvidos como EUA, Alemanha, Suécia, etc, bem como no Brasil, há mais de 50 anos e lidando consultivamente com centenas de clientes há 30, são muito claras as razões pelas quais, apesar dos desafios que se colocam a todas, apenas algumas se tornaram centenárias de sucesso, como Cargil, Ikea, Wuppermann, Itaú, etc. E antes que alguém imagine que isto se deve a tamanho, lembro que gigantes como Matarazzo, Olivetti, Kodak, Krupp, Andrade Vieira, Brandalise, viraram pó, enquanto um restaurante alemão de uma casa chamado Fischerman’s opera sob comando de uma família há 350 anos.
A base do sucesso reside na capacitação e técnica dos gestores do negócio; na visão e tratamento holístico da operação e gestão; no reconhecimento e conscientização de que a empresa familiar é composta de um tripé – família + propriedade + empresa – algo muito mais complexo do que outras organizações que apenas tem “propriedade e empresa”; no adequado tratamento e sistematização de cada uma das dimensões desse tripé, única forma de preservar o imprescindível “affectio societatis” e o patrimônio, numa evolução de vida que inexoravelmente transforma uma sociedade de trabalho numa de capital; no entendimento de que enquanto valores e princípios devem ser um legado imutável, capital e gestão precisam ser técnicos, flexíveis e dinâmicos, esquecendo o espelho retrovisor; para isso, a clareza de objetivos familiares de longo prazo e um consequente plano estratégico são vitais. Cabe aqui lembrar que nenhum desses fatores de sucesso é sexualmente transmissível.
Para avaliar e entender o cenário no Brasil, resolvemos fazer uma classificação do quadro encontrado nas 100 organizações familiares mais significativas dentre as mais de 250 empresas que atendemos consultivamente nos últimos 30 anos. Os fatores avaliados foram catalogados em três níveis: bom, médio e não existente / desprezível, o que nos levou ao seguinte retrato:
BOM | MÉDIO | NÃO | |
Objetivo de longo prazo definido | 17% | 25% | 58% |
Planejamento estratégico | 9% | 11% | 80% |
Gestão profissionalizada | 9% | 19% | 72% |
Regulamentação da sucessão | 7% | 13% | 80% |
Separação Fam. x Prop. x Empresa | 7% | 28% | 65% |
Abertura a mudanças | 7% | 11% | 81% |
Média | 9% | 18% | 73% |
A primeira constatação é de total consistência, em todos os fatores, com poucos “bons” até muitos “nãos”, os quais atingem o elevado percentual de médio de 73%, superior aos 70% internacionais! A análise da categoria “não“, nos mostra que 80% desprezam os aspectos da regulamentação da sucessão e o planejamento estratégico. O primeiro deles mostra, por sí só, a principal razão do desaparecimento precoce das empresas familiares, pois o vírus mortal da sucessão só não se manifesta caso seja mantido inerte através de objetivo, técnico e competente tratamento preventivo. Parte da explicação reside no fato de que a maioria não suporta pensar na finitude da vida ou crê que tratar da sucessão chama a morte.
Por outro lado, a pouca atenção ao planejamento tem ligação íntima com a alta aversão de 81% a mudanças: planejar significa olhar para o futuro, dinâmico, novo, disruptivo, coisa difícil nas empresas familiares que prezam muito mais o espelho retrovisor. Sem falar que, planejar é impossível se não tivermos objetivos de longo prazo definidos, o que quase 60% não tem. Finalmente, se considerarmos que 2/3 não possuem gestão baseada em critérios profissionais e misturam os foros de família, de propriedade e da empresa, trazendo assuntos técnicos de gestão para o almoço de domingo, ou interesses pessoais e particulares de herdeiros para a diretoria executiva, temos o complemento que faltava para entender o desaparecimento das empresas familiares. Interessante observar que, mesmo entre os “bons”, as piores avaliações vão para os quesitos de sucessão, abertura a mudanças e separação de foros.
O culpado não é o mundo disruptivo, a velocidade da tecnologia, nem o capitalismo selvagem.
Telmo Schoeler
é fundador e presidente da ORCHESTRA Soluções Empresariais
tschoeler@orchestrasolucoes.com.br
Normalmente, quando falamos de empresas familiares nos remetemos, muitas vezes erroneamente, a um modelo de gestão que alguns torcem o nariz, o mercado financeiro principalmente, por muitas vezes estar estigmatizado por conflitos no seio familiar, confusão entre o patrimônio empresarial e o da família controladora, baixa qualidade técnica da gestão, falta de transparência, etc.
A empresa familiar pode e deve buscar um elevado e qualificado padrão de gestão, adequado ao desenvolvimento dos negócios e a proteção do patrimônio familiar. Assim, o primeiro passo para esse novo padrão de gestão é separar muito claramente o patrimônio da empresa do patrimônio dos controladores. Não se deve confundir o caixa da empresa com a conta bancária dos controladores, são universos distintos.
Uma empresa familiar é um patrimônio construído por alguém que, normalmente, dedicou parte substancial de sua vida, de seu tempo de lazer e muito sacrifício familiar, teve muita intuição, correu riscos importantes, sempre teve muita garra e acima de tudo, trabalhou de forma obstinada para construir um sonho. Assim, além de um patrimônio tangível, aquele que deve estar registrado na contabilidade da empresa ou no Imposto de Renda da família, há também o patrimônio que representa a memória e a marca de alguém com as características que eu relacionei; esse patrimônio eu o chamo de patrimônio emocional. Esse patrimônio emocional precisa ser tratado da forma adequada. Vamos discuti-lo em outra oportunidade. Portanto, não podemos dizer que a empresa que o pai construiu é a mesma empresa que o filho quer, pode não ser a empresa que o filho construiria por mais que os pais queiram ou force o filho a seguir os seus passos, ele pode ter outros interesses, outra visão de mundo, outros valores. Pensar que a sucessão é um assunto que acaba dentro da família é um erro comum em processos de sucessão e só ampliará os riscos ao patrimônio da família.
Diante disso, o mais importante em uma empresa familiar é a preservação da riqueza da família. Essa riqueza não pode ser submetida aos riscos de uma gestão de baixa qualidade. Por isso, o mais recomendável é dotar a empresa de um modelo de governança, instrumentos de gestão e mecanismos de controle que não a exponha a gestores temerários, sejam eles oriundos da família controladora ou de profissionais do mercado. Sim, no mercado também há muitos profissionais que podem colocar em risco uma empresa.
Não devemos ter a ideia fixa que a sucessão em uma empresa sempre deve ser feita com a ascensão de um membro da família, essa sucessão precisa ser assegurada por mecanismos adequados de controle e boa qualidade de gestão. Enfim, a empresa familiar é como qualquer empresa, ela precisa de boa gestão, nada mais que isso. Se a solução estiver dentro da família, muito bem, mas se não for o caso, o mercado deve ser uma solução. Antes, há que dotar a empresa de todos os instrumentos de gestão e governança adequados.
O jogo de poder no ambiente familiar e o apego do fundador aos negócios que ele criou, algo absolutamente normal, afinal a empresa é só mais um filho dele, é o ponto mais crítico de um processo sucessório, mesmo sendo uma sucessão dentro da família ou não. O desafio é esse fundador entender, ou perceber, o momento adequado de passar o bastão. É preciso uma boa dose de desprendimento para fazer essa passagem; muitas vezes não terá tempo para comandar o processo sucessório e os conflitos familiares podem ser ampliados.
Adalmir Sampaio Gomes
é Administrador de Empresas; consultor em Reestruturação e Gestão Empresarial e Processo de M&A; sócio da Flexus Consultoria em Negócios.
adalmir@flexusconsultoria.com.br