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Lembro da primeira vez que ouvi a diretora de Sustentabilidade da B3, Sonia Favaretto, falar sobre a importância da comunicação para a sustentabilidade: “não basta botar o ovo, temos que aprender a cacarejar”. Disseminar as iniciativas das empresas, desenvolver indicadores relevantes e reportar ao mercado as práticas ambientais, sociais e de governança corporativa já é realidade para a maior parte das empresas de capital aberto no Brasil, impulsionadas pelas demandas de diversos stakeholders e, especialmente nos últimos anos, pelo aumento do interesse de investidores institucionais. Relatar as questões ESG, no entanto, apresenta três desafios importantes: quando, o que e como tratar o tema junto ao mercado de investimentos?
Ao falarmos do quando, temos uma palavra mágica: tempestividade. Embora as iniciativas de sustentabilidade muitas vezes estejam orientadas para o médio e longo prazo, no mercado de investimento as informações costumam ter um prazo de validade mais curto. Na Resultante, avaliamos mais de 130 empresas listadas para investidores institucionais em um ciclo anual, processo que gera análises interessantes não somente das práticas, mas do processo de relato das companhias. Entre as empresas analisadas, apenas 54 publicaram relatórios de sustentabilidade no primeiro semestre de 2019, com dados relativos ao exercício de 2018. Isso representa 40% da nossa amostra de avaliação. Entre os setores que reportam mais cedo estão os bancos, em que 45% reportaram suas informações ESG entre março e abril, e o setor elétrico, com 75% dos relatórios lançados até junho deste ano.
Ter informações em tempo hábil para a análise de investimentos é fundamental. A demora na estruturação e reporte de informações ESG demonstra uma desconexão entre a gestão da sustentabilidade e o dia-a-dia dos negócios, em um protocolo de coleta anual de dados junto às áreas da empresa – processo, aliás, que é normalmente estressante e de difícil engajamento junto aos profissionais que não fazem parte dessa rotina. Falamos em Relato Integrado, mas muitas vezes deixamos passar que o relato precisa ser a consequência de uma gestão integrada. Como ocorre com as demonstrações financeiras, o relatório de sustentabilidade não é um fim em si mesmo, mas a consequência das iniciativas e resultados da organização, só que em relação aos temas ESG.
Entramos aí no segundo ponto: o que reportar? Todas as metodologias internacionais de relato de sustentabilidade reforçam a importância de analisar a materialidade das questões ESG, para que o reporte reflita as questões mais importantes para o modelo de negócios, estratégia e stakeholders de cada companhia. É aí que a dificuldade começa... a relevância dos temas ESG varia de acordo com o setor de atuação, segmento de cliente, região geográfica, entre outros fatores que impactam as atividades de uma organização.
Estabelecer a materialidade de uma empresa não deve ser um processo pro forma. Mais do que um insumo para o relato, a materialidade resume o que é sustentabilidade para a organização. Quando bem conduzida, pode inclusive trazer percepções e oportunidades importantes a serem consideradas na revisão da estratégia, como quando aponta para uma tendência de demandas do consumidor, padrões sociais e demográficos, abordagens diferenciadas da concorrência ou visões de seus stakeholders até então desconhecidas pela alta gestão.
Ainda são poucas empresas que contam com uma participação mais ativa da Diretoria Executiva e do Conselho de Administração na elaboração e revisão da materialidade. O processo, geralmente conduzido pelas áreas de sustentabilidade, deve ser mais do que um item do checklist dos relatórios, e isso também diz respeito à forma como essas pesquisas são conduzidas. Em muitos casos, documentos da própria empresa e do mercado já trazem a visão de diferentes stakeholders. Relatórios das áreas de atendimento ao cliente, publicações de ONGs e organizações multilaterais e documentos dos próprios padrões internacionais de relato dão suporte ao estudo dos temas mais relevantes para a empresa. A Sustainability Accounting Standards Board, SASB, por exemplo, apresenta um mapa de materialidade setorial que permite às empresas estabelecer um nível mínimo de relato das questões de sustentabilidade.
Para definir o que e como reportar, a empresa deve refletir sobre o público-alvo deste processo. Em uma pesquisa realizada pela Resultante junto a empresas de capital aberto, em 2013, embora mais de 50% dos participantes relatem que o principal público destes documentos é o investidor, este público é considerado o mesmo atendido pelos relatórios. Embora tenha seis anos, a pesquisa ainda reflete a realidade de muitas empresas na hora de reportar questões ASG.
Para que os investidores capturem o valor da sustentabilidade para as empresas, é necessário inicialmente que elas próprias o façam. Que criem métricas, indicadores e estudos que avaliem de que forma o fortalecimento das relações com seus stakeholders criam tendências ou geram impactos positivos sobre as linhas do balanço. E essa conta só é possível quando colocamos todos juntos à mesa avaliando o impacto de temas ASG sobre a matriz de riscos corporativos, mapeando tendências de mercado e identificando oportunidades para criar um diferencial competitivo. Em última instância, a sustentabilidade acaba sendo uma ótima “desculpa” para unir esforços e quebrar silos nas empresas, trazendo todos ao debate de um assunto que é transversal às suas operações e relações.
O desenvolvimento de métricas relevantes, tanto para a gestão como para o mercado, é um desafio. Além de exigir informações de todas as áreas da empresa, é importante que elas vão além de números operacionais e guardem relação com o desempenho corporativo. Ao invés de mensurar o consumo de água ou energia, avaliar o dado em relação ao volume de produção ou à receita é uma alternativa para avaliar a eficiência no consumo de recursos. No mercado de capitais, o Índice Carbono Eficiente da B3, o ICO2, relativiza as emissões de gases de efeito estufa pela receita das empresas para a formação do seu portfólio. Vale ressaltar que o índice tem um desempenho historicamente superior aos índices tradicionais do mercado de ações.
Uma vez mensurados, esses indicadores devem ser apresentados de forma objetiva e, especialmente, comparável. Não apenas entre as empresas do mesmo setor, mas ao longo do tempo. A comparabilidade é condição sine qua non para que o mercado compreenda a evolução da empresa no tema, seu posicionamento em relação à concorrência e o resultado efetivo de suas ações ligadas a temas ambientais, sociais e de governança corporativa. O relato de sustentabilidade pode ser apresentado como uma peça de comunicação, mas é cada vez mais analisado como um instrumento de prestação de contas das empresas ao mercado. Neste sentido, o formato perde importância para a linguagem pragmática e o conteúdo relevante para a gestão e os resultados da companhia.
Em meus anos como gestora de portfólio e analista de investimentos, aprendi a procurar informações relevantes em relatórios extensos e encontrar as contradições entre discurso e prática. Sejam os dados ASG apresentados em uma seção bem escrita no formulário de referência, dentro do site de RI ou qualquer formato que seja de fácil acesso e relevante para os investidores, a comunicação será melhor quando feita em tempo adequado à tomada de decisão e quanto mais claras, comparáveis e confiáveis forem as informações.
Maria Eugênia Buosi
é economista, mestre em finanças, sócia-fundadora da Resultante Consultoria Estratégica, co-autora do Livro Top CVM Apimec Análise de Investimentos e professora das disciplinas de Finanças Sustentáveis da B3 Educação.
eugenia.buosi@resultante.com.br