Em Pauta

CROWDFUNDING DE INVESTIMENTO: PORTA DE ACESSO AO CAPITAL PARA STARTUPS & PEQUENAS EMPRESAS

Com crescimento acima de 450% em captação nos últimos quatro anos, o Crowdfunding de Investimento, modelo de financiamento coletivo, se firmou como alternativa inovadora para o financiamento de empreendedores que demandam capital para o desenvolvimento de seus produtos e serviços e de diversificação das carteiras, pois as ofertas antes estavam mais restritas a “investidores-anjos” ou fundos de venture capital e private equity.

Regulamentado em 2017, pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) o total captado nas ofertas de crowdfunding saltou de R$ 8.342.924 em 2016 para R$ 46.006.340 em 2018 e dados extraoficiais demonstram que a tendência ainda é de novos recordes. A plataforma de investimento online em startups EqSeed, por exemplo, intermediou no primeiro semestre deste ano R$ 5,5 milhões de investimentos em três rodadas concluídas. O valor é três vezes maior do que o do ano passado. A plataforma deve passar de R$ 30 milhões investidos até o fim de 2019. Hoje está com R$ 28 milhões.

“Esta modalidade de investimento já existia antigamente, mas era de uma forma “mambembe”. O crowdfunding é a antiga “vaquinha” feita para ajudar desde uma criança doente... até fazer obra em praça, entre outras finalidades. Mas, com o tempo, se percebeu que era possível investir em empresas desta forma. Com as regras mais claras, se conquistou a confiança”, ressalta Ricardo Rosanova Garcia, gerente de operações da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca). O mais comum agora é a ocorrência de crowdfunding de investimento, modalidade em que investidores fornecem fundos para uma empresa e recebem uma parte na forma de participação societária (equity).

De startups tecnológicas à pequenas empresas de setores tradicionais com um bom plano de crescimento, a captação via plataforma digital atinge vários tipos de investidores e é uma porta de entrada também para a profissionalização da governança corporativa. O crowdfunding de investimento possibilita que empresas com receita anual de até R$ 10 milhões realizem ofertas por meio de financiamento coletivo na internet com dispensa automática de registro de oferta e de emissor, sendo observado o limite de captação de até R$ 5 milhões a cada período de 12 meses.

“A incipiente atividade de captação de recursos pela internet se desenvolveu rapidamente e, a partir em julho de 2017, quando a CVM passou a regular a oferta pública de distribuição de valores mobiliários de sociedades empresárias de pequeno porte, o movimento se intensificou”, explica o advogado Carlos Augusto Junqueira, da Cescon Barrieu.

Além do crescimento do volume captado, outros indicadores de mercado e as experiências de investidores e empreendedores demonstram o potencial do mercado. Entre 2016 e 2018, houve um crescimento de 92% das ofertas de sucesso, de 24 para 46. O valor médio captado saiu de R$ 350 mil para R$ 1 milhão e a média de investidor por oferta também cresceu de 31 para 195 (529%). O número total de investidores, ao final do ano passado estava próxima a 9 mil.

“Empreendedores e investidores precisarão de cultura financeira, maior intimidade com investimentos de risco, e governança corporativa para transformar suas ideias em produtos e processos. Amparada por uma rede de investidores-anjos, conscientes e ousados tomadores de risco, a internet é o lugar perfeito para o surgimento de novas startups que representem o verdadeiro potencial criativo de nossa juventude, aliada à profissionalização necessária para encarar novos sócios na empreitada”, complementa Junqueira.

Plataformas
As ofertas são realizadas exclusivamente por meio de página na internet, programa, aplicativo ou meio eletrônico que forneça um ambiente virtual de encontro entre investidores e emissores nos termos da ICVM 588. Existem atualmente 21 plataformas de crowdfunding registradas na CVM - eram 4 em 2016, e 14 em 2018. Através dessas plataformas digitais, investidores adquirem cotas de participação numa determinada empresa, se tornando inicialmente credores para que posteriormente se tornem sócios, podendo receber dividendos ou revender sua participação num momento futuro, com detalhes dependendo do contrato firmado.

Para Garcia, o crescimento está relacionado à própria democratização do acesso de empresários ao capital e maior transparência de informação aos investidores. “Em alguns casos, há investidores-anjos participando destas operações, mas o interessante é que elas permitem a pulverização para investidores menores, seja pessoa física ou jurídica. As plataformas são abertas, públicas em que qualquer um pode entrar. Assim, o processo democratiza a entrada de muitos com participações acionárias pequenas”, diz. Ao mesmo tempo, o mercado tem atingido a maturidade.

Como regra geral, os investidores podem aplicar, nesse tipo de oferta, no máximo R$ 10.000,00 por ano-calendário. Caso a renda bruta anual do investidor ou o montante de seus investimentos financeiros seja superior a R$ 100.000,00, esse limite pode ser ampliado para até 10% do maior desses dois valores, também considerando o ano-calendário. Este limite regulamentar não se aplica a investidores considerados qualificados, conforme a regulamentação da CVM, como é o caso dos investidores que possuem aplicações financeiras em valor superior a R$ 1.000.000,00, e nem ao investidor líder, caso haja sindicado de investidores.

A EqSeed, pioneira no mercado de crowdfunding no Brasil, participou ativamente da consulta pública que a CVM fez antes de lançar no mercado a Instrução 588. A própria plataforma, inclusive, já captou no mercado usando sua própria tecnologia. Em dezembro de 2018, foram obtidos R$ 2,5 milhões em apenas 27 horas de forma totalmente online. Foram dois recordes: a maior e a mais rápida rodada da história do crowdfunding de investimento brasileiro. Foram 160 investidores de diversos estados do Brasil, investindo um ticket médio de R$16 mil, com 63% dos valores provindos de investidores qualificados.

“A instrução trouxe muita segurança para o mercado e refletiu também nos nossos números, então hoje temos mais de R$ 28 milhões investidos pela plataforma, o que transformou 24 startups”, relata Anthony McCourtney, sócio e head de relações com investidores da EqSeed. Hoje a EqSeed é líder no mercado em volume captado em 2018 e a maior parte de sua base de 28 mil pessoas cadastradas é composta de investidores qualificados.

O momento histórico marcado por juros mínimos e tendência de novos cortes na Selic leva as pessoas a buscarem diversificação. “Uma opção para quem quer diversificar a carteira buscando renda variável é ter a possibilidade de comprar participações em startups que foram selecionadas. Então, temos todo esse cuidado”, afirma. Das mais de 4 mil empresas avaliadas pela EqSeed, menos de 1% foi aprovada para fazer a captação.

Como plataforma, a EqSeed conta com uma área de relações com investidores que presta todo o suporte atendimento e garante que os direitos dos investidores sejam cumpridos perante as startups e promove o canal de comunicação entre as duas partes. “As empresas acabam tendo um canal de comunicação oficial com o investidor e fornecem o relatório trimestral. A CVM exige que elas enviem esses dados semestralmente, mas decidimos que o ideal seria trimestral, em linha com as práticas de mercado”, diz Mc Courtney.

Lacuna
O crowdfunding de investimento, na prática, tem sido utilizado para atender a uma lacuna na captação de recursos de um segmento de empresas nascentes, em especial as baseadas em tecnologia, ligadas à pesquisa e ao desenvolvimento de ideias inovadoras: as chamadas startups. “A potência do empreendedorismo do Brasil será posta à prova pela popularização do investimento de risco pela multidão (crowdfunding). Com isso, diversos paradigmas tendem a ser mudados. Esse novo tipo de investimento deve gerar amadurecimento geral e viabilizar projetos com qualidade e sustentabilidade para o bem de todos, mas especialmente dos empreendedores “estartupeiros”, defende Junqueira.

Essas empresas, principalmente nos estágios iniciais do desenvolvimento de seu produto, precisam de capital, mas, dadas as suas características, não são totalmente atendidas por bancos ou pelas opções tradicionais do mercado de capitais, como a emissão de ações e debêntures, e nem sempre estão aptas a captar recursos dos fundos de venture capital e private equity que contam com um valor mínimo de entrada.

“Através destas plataformas, os investidores começam a entender o papel das startups que é bem diferente do tradicional que estamos acostumados a aplicar”, destaca Claudia Wilson, CEO da Beez Studio. Ela observa que, na bolsa, por exemplo, o investidor compra as ações e espera o valuation da empresa aumentar para obter o retorno. Já o investidor de startup vem com a postura de sócio e gestor e isso atrapalha o processo.

“O que eu recomendo para a startup é que no primeiro aporte, seja de quem for e do tamanho que for, deve-se criar um conselho. Não precisa ser um conselho formal, mas sim para prestar informação, e se obrigar a prestar contas, ao menos, uma vez por mês para dar conforto ao investidor para que ele saiba aonde seu dinheiro está sendo colocado”, explica.

Na prática, as empresas só fazem isso quando viram uma limitada e recebem um aporte acima de R$ 2 milhões. “As pequenininhas, em geral, não têm esse tipo de governança. No crowdfunding de investimento estamos começando a colocar a cultura do papel startup ao investidor tradicional. A startup passa a ter o acesso mais facilitado a recursos porque o risco do investidor é mais diluído”, explica.

Fomento ao empreendedor
A opção da cervejaria Leuven por captar recursos para sua expansão via crowdfunding foi a oportunidade de criar uma comunidade engajada de investidores e a estratégia deu certo. “Hoje temos 600 investidores. É melhor ter uma comunidade de 100 pessoas que invistam R$ 20 mil e tenham a sensação de pertencimento do que somente um investidor de R$ 2 milhões”, afirma Gustavo Barreira, presidente da Leuven. Somadas todas as rodadas realizadas pela cervejaria, a empresa angariou o valor de R$ 14,1 milhões desde 2017.

O executivo, que já atuou na área de Relações com Investidores, se inspirou nas empresas de capital aberto para dar transparência aos seus stakeholders. Mas, o engajamento chega ir até além. Inclusive, os próprios investidores da marca contam com desconto na compra da cerveja, o que estimula que eles adquiram o produto e apresentem para amigos e familiares, alimentando a própria demanda. O mesmo não acontece com companhias abertas. Apesar de os investidores comprarem as ações, a falta de identificação com os negócios não gera a mesma fidelização.

No Brasil, a Leuven foi a primeira cervejaria a lançar um crowdfunding de investimento. Em 2017, a empresa liderou a maior e mais rápida captação do Brasil, no valor de R$ 1,67 milhão em oito dias. O feito foi repetido em 2018, totalizando R$ 4,5 milhões, para construção de uma nova fábrica, duplicando capacidade produtiva. “Nosso modelo foi inspirado na Brewdog, cervejaria escocesa, com 117 mil sócios, que captou mais de cem milhões de libras via crowdfunding”, diz Barreira.

Em maio deste ano, a Leuven finalizou uma nova captação privada (restrita aos investidores que já tinham ações) de R$ 4,7 milhões, 57% acima da meta de R$ 3,0 milhões. E, ao abrir, sua terceira roda pública alcançou os R$ 5 milhões. O valor estabeleceu a maior captação deste modelo de financiamento já realizado no país. O aporte máximo permitido por investidor era de R$ 500 mil.

A estratégia tem dado certo tanto para a empresa quanto para investidores. Enquanto em todo ano de 2015, a Leuven vendeu apenas 32 mil litros, em 2019 deve colocar no mercado 426 mil litros. No primeiro semestre de 2019, o volume de vendas de 157 mil litros representa aumento de 138% na comparação com igual intervalo de 2017, ano da primeira operação. Para o segundo semestre, a projeção da empresa é de crescer 166% versus o segundo semestre de 2017.

A capacidade produtiva, após a instalação dos equipamentos novos ficará em 75 mil litros mês. “Hoje contamos com uma fábrica nova com o dobro da capacidade e passamos por uma reorganização societária que formará a Companhia Brasileira de Cerveja Artesanal”, diz Barreira. A CBCA é o resultado da fusão em curso com a Cervejaria Schornstein, de Pomerode, SC. Deve ainda ser instalada uma nova fábrica em Salvador. “Com a união das duas cervejarias, buscamos sinergias e aproveitar o melhor que cada uma pode oferecer, uma estrutura profissional e propondo desafios de crescimento para atrair os melhores talentos do segmento cervejeiro”, ressalta.

A Vestigarden, empresa pioneira no mercado brasileiro que conta com tecnologia própria para a produção de jardins verticais, está em meio a sua primeira captação via crowdfunding. O objetivo é obter R$ 600 mil através de dívida conversível (no vencimento do contrato ou em situações específicas, os investidores têm o direito de escolher entre resgatar a dívida ou convertê-la em participação (equity) na empresa). Deste total, 35% já foi captado através do aporte de 21 pessoas. O mínimo para entrar na operação é de R$ 2.500,00.

“Primeiramente, fizemos uma captação privada e agora vamos abrir para oferta pública. Queremos trazer o investidor para se tornar mais próximo da empresa, fazendo reuniões trimestrais e apresentando nossos relatórios de crescimento. É preciso dar transparência”, diz o CEO da Vestigarden, o engenheiro agrônomo André Lacava Bailone. A operação de crowdfunding de investimento da empresa tem por objetivo principal realizar a abertura de franquias, que por sua vez proporcionarão a tração necessária para o fortalecimento da Indústria.

A experiência de mercado da empresa, que já realizou grandes obras como o maior jardim vertical do Brasil, executado no Hospital Sírio Libanês, com aproximadamente 1.000 m² de área, e projetos como os jardins verticais do Hospital do Coração, Sesc Paulista, Shopping Jardim Pamplona, lojas da rede Carrefour, Infoglobo, Hotel Palácio Tangara, entre outros, permitiu o desenvolvimento de tecnologia própria que passará a ser franqueada com os recursos da operação.

“Todo mundo sai ganhando. A empresa que capta os recursos para crescer, a comunidade com o aumento do número de projetos que visam a melhora do meio ambiente, pois sabemos que até 2030, 91% da população estará vivendo em cidades que serão cada vez mais verticais, rodeadas por concreto e poluição, e o investidor conseguirá obter uma melhor rentabilidade”, diz Bailone. Ele complementa que o setor apresenta alto potencial de crescimento, já que o Jardim Vertical veio como uma solução para revestimentos sustentáveis, pois além da estética, traz inúmeros benefícios para a área implantada, como diminuição da temperatura interna do local, consequentemente a diminuição do uso de ar condicionado, aumento da umidade relativa do ar, atrativo para polinizadores e também animais, que fazem parte do ecossistema mas muitas vezes não encontram alimento ou moradia, retenção de água das chuvas, melhoria da qualidade do ar, entre outros.

“Para desenvolvimento dos instaladores capacitados e fidelização dos mesmos, a Vertigarden abrirá as portas para micro franquias aumentando seus “braços” pelo Brasil e a demanda industrial interna. Com os franqueados, teremos a possibilidade de atender a demanda brasileira com muito mais qualidade e preços competitivos, tornando o jardim vertical algo mais acessível para os clientes finais”, complementa o engenheiro.

A empresa projeta um crescimento exponencial da indústria, através da abertura de franquias. A expectativa é de obter, pelo menos, dois a três franqueados nas cidades com mais 1 milhão de habitantes, de um a dois para cidades com mais de 500 mil habitantes e um franqueado para cidades em até 250 mil habitantes. “Nossa meta é, em seis meses, colocar as micro franquias em ação, e ao final de 2020 termos ativos 10 franqueados, estabelecendo uma meta de 100 franqueados ao longo de 10 anos pelo Brasil e América Latina”, afirma.

E o investidor?
Os investidores devem estar atentos e cautelosos no momento de aceitar um investimento, devendo considerar também que, apesar do aporte ser feito em conjunto, diversos direitos individuais surgirão por força do título detido. “Analisar oportunidades de investimento, risco e retorno faz parte da vida. Avaliamos risco e retorno a todo tempo, de forma estruturada ou não. É preciso que todos tenham mais consciência dos riscos envolvidos para que adotem precauções e observem alertas importantes”, observa Junqueira.

Consciente dos riscos, o investidor Ingo Schmidt foi um dos que aplicou recursos na Leuven, mas seu portfólio conta com cerca de 40 empresas, sendo 15 via crowdfunding. Atualmente ele trabalha na área financeira de uma grande empresa e está a três anos de se aposentar, mas parar de vez não está em seus planos. “Estou começando a olhar para outro mercado que é justamente de startups, e uma das possibilidades é de fazer investimentos nesse ecossistema, bastante diferente. Hoje sou só um pequeno investidor e, às vezes, faço um pouco de network, mas não sou aquele investidor-anjo típico”, conta.

O crowdfunding, neste sentido, é visto por Schmidt como uma alternativa que abre muitas portas. “A gente consegue diluir o risco em diversas empresas. O investimento em startup é de alto risco. Apenas 6% dão certo. Assim, preciso ter, no mínimo 13 startups, para uma dar certo, mas pode ser que as 13 dêem errado. Então, essa ferramenta permite diluir bastante os investimentos para diminuir o risco e aumentar a chance de ter sucesso”, explica.

Na Leuven, Schmidt é membro do conselho, mas vê esta postura como exceção. “É um ponto fora da curva em relação aos volumes que ela conseguiu captar, à velocidade das captações e a essa governança que adotou. Mesmo não tendo a necessidade dos fundadores ou sócios principais entenderem de governança. “Ela tem as reuniões trimestrais com todos os sócios, onde vão lá os 700 sócios. Isso é muito bom, anima o investidor a investir mais ou ter mais confiança na empresa que ele investiu. Esta governança poderia ser um exemplo para as demais”, destaca.


Continua...