O Conselho Fiscal é regulado pelo disposto no capítulo XIII da Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976. A exposição de motivos, a qual reflete as justificativas e intenção do legislador por ocasião da preparação da Lei, nos faz refletir se os objetivos e a intenção do Legislador, por ocasião de sua preparação e submissão para aprovação, foram e ainda continuam sendo alcançados.
Adicionalmente, as práticas de Governança Corporativa no Brasil e no Mundo, muito evoluíram em relação àquelas praticadas por ocasião da promulgação da Lei, no ano de 1976, as quais tiveram grande evolução como resultado, principalmente, de escândalos financeiros ocorridos nos Estados Unidos, como por exemplo:
a) Promulgação da Lei Sarbanes Oxley nos Estados Unidos em 2002, refletindo em outros mercados de capitais ao redor do mundo;
b) Criação de diferentes níveis de listagem e de exigência de boas práticas de Governança pelas Companhias na Bolsa de Valores Brasileira – B3 (Novo Mercado foi criado em 2000);
c) Maior transparência na divulgação de informações pelas Companhias abertas, com a implementação pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM do Formulário de Referência (ICVM 480 de 2009);
d) Criação do Código Brasileiro de Governança Corporativa das Companhias Abertas e a divulgação, por estas, daquelas práticas que adota e a explicação dos motivos pelos quais não adota as práticas nele recomendadas.
Destaco a seguir os principais temas que constam da Legislação atual e que devem ser objeto de novas reflexões, dentro do atual cenário:
Eleição dos membros
Na maioria das companhias existentes na ocasião da promulgação da Lei 6.404/76, todos os membros do Conselho Fiscal eram eleitos pelos mesmos acionistas que escolhiam os administradores. A exposição de motivos menciona que problema constatado era de que o funcionamento do órgão quase sempre se reduzia a formalismo vazio de qualquer significação prática, o que justificava reiteradas críticas que lhe eram feitas e as propostas para sua extinção.
A experiência revelava, todavia, a importância do órgão como instrumento de proteção de acionistas dissidentes, sempre que estes usavam do seu direito de eleger em separado um dos membros do Conselho e desde que as pessoas eleitas tivessem os conhecimentos que lhes permitiam utilizar com eficiência os meios, previstos na lei, para fiscalização dos órgãos da administração.
Reflexões
a) Eleição de um dos membros do Conselho Fiscal em separado
A eleição de apenas um dos membros do Conselho Fiscal em separado, apesar de trazer para o Conselho a opinião de representante dos acionistas não controladores, não altera a situação fática de que a maioria dos seus membros sejam eleitos pelos mesmos acionistas que escolhem os administradores.
Muito embora as competências de fiscalização e denúncia possa ser realizada de forma individual, por qualquer dos membros do Conselho Fiscal, as competências de opinar acerca dos assuntos abaixo, dentre outras atribuições, são exclusivas do colegiado:
i) Emitir parecer sobre o Relatório anual da administração (demonstrações financeiras); e
ii) Emitir sua opinião acerca das propostas dos órgãos da administração a serem submetidas à assembléia-geral, relativas a modificação do capital social, emissão de debêntures ou bônus de subscrição, planos de investimento ou orçamentos de capital, distribuição de dividendos, transformação, incorporação, fusão ou cisão.
Levando-se em consideração que a maioria dos membros do Conselho Fiscal é eleita pelos mesmos acionistas que escolhem os administradores, mesmo que o Conselheiro eleito pelos minoritários discorde de seus pares, o teor do parecer a ser emitido pelo Conselho Fiscal irá refletir a opinião da maioria, formada por membros eleitos pelos mesmos acionistas que escolhem os administradores.
Neste cenário, a crítica que existia por ocasião da promulgação da Lei 6.404/76 e constante em sua exposição de motivos, permanece sendo realizada nos dias de hoje.
Por se tratar de órgão de fiscalização dos atos dos administradores, estes nomeados pelos acionistas controladores, apenas conselheiros nomeados por acionistas não controladores teriam independência necessária para exercer as funções de fiscalização da administração pelo Conselho Fiscal.
Dessa forma, este deveria ser formado, em sua maioria, por membros eleitos pelos acionistas não controladores, sendo garantido aos acionistas controladores a eleição de representantes em número que não representem, a sua maioria.
b) Eleição de pessoas com conhecimentos que lhes permitam efetuar a fiscalização dos órgãos da administração
Para assegurar a eficiência do seu funcionamento, a Lei 6.404/76 prevê requisitos de competência aos seus membros, em que somente podem ser eleitos para o conselho fiscal pessoas diplomadas em curso de nível universitário, ou que tenham exercido por prazo mínimo de 3 (três) anos, cargo de administrador de empresa ou de conselheiro fiscal. Prevê, ainda, que nas localidades em que não houver pessoas habilitadas, em número suficiente, para o exercício da função, caberá ao juiz dispensar a companhia da satisfação desses requisitos.
Levando-se em consideração os meios digitais para realização de reuniões por ferramentas de vídeo-conferência e troca de informações por meio de nuvem, não é mais justificável a nomeação de membros que não cumpram requisitos mínimos de qualificação profissional para exercer as atribuições de Conselheiro Fiscal, mesmo que não sejam residentes no mesmo domicílio da sede da Companhia.
Adicionalmente, como já mencionado anteriormente, de 1976 para os dias atuais o ambiente de Governança Corporativa tornou-se mais complexo. Ademais, as normas de auditoria e as práticas contábeis adotadas no Brasil foram alinhadas às normas internacionais de contabilidade (International Financial Reporting Standards - IFRS) e às Normas Internacionais de Auditoria.
Consequentemente, apenas a formação em nível universitário, principalmente em disciplina que não é inerente ao desempenho das funções e responsabilidades de um conselheiro Fiscal, não se demonstra ser suficiente, sendo requerido, no mínimo, que o membro do Conselho Fiscal tenha experiência em assuntos de contabilidade societária, uma vez que o Conselho Fiscal deve opinar sobre as demonstrações financeiras anuais (prestação de contas) elaboradas pela administração da Companhia e submetidas a aprovação pela Assembleia Geral.
A Instrução CVM 509 de 16 de novembro de 2011 reconhece o profissional com experiência em assuntos de contabilidade societária, como aquele que possua:
I – conhecimento dos princípios contábeis geralmente aceitos (que envolve as normas internacionais de contabilidade – IFRS) e das demonstrações financeiras;
II – habilidade para avaliar a aplicação desses princípios em relação às principais estimativas contábeis;
III – experiência preparando, auditando, analisando ou avaliando demonstrações financeiras que possuam nível de abrangência e complexidade comparáveis aos da companhia;
IV – formação educacional compatível com os conhecimentos de contabilidade societária; e
V – conhecimento de controles internos e procedimentos de contabilidade societária.
Levando-se em consideração a função eminentemente fiscalizadora do conselho Fiscal, com a emissão de parecer sobre a prestação de contas da administração ao final do exercício social, a totalidade de seus membros deveria possuir experiência comprovada em assuntos de contabilidade societária.
O Conselho Fiscal necessita receber, neste momento, suporte para que tenha condições de executar as suas atividades e cumprir com suas responsabilidades. Para tanto, requer alteração na Legislação Societária Brasileira. Entendo que, passados 35 anos do início de vigência da Lei 6.404/76, cumpre-nos reavaliar e revisar seus termos, para assegurar que os objetivos previstos pelo Legislador continuem sendo atendidos, prezando pela manutenção de um ambiente de maior transparência entre os atos dos administradores, eleitos pelos acionistas majoritários, e os acionistas não controladores.
Clóvis Pereira
é Contador, Auditor com experiência de 31 anos atuando em Big4, Conselheiro Fiscal certificado pelo IBGC e membro de Conselhos Fiscais de Companhias Abertas - Novo Mercado. Coordenador de Comitês de Auditoria de Companhias Abertas - Novo Mercado.
Associado ao IBGC e ao IBRACON, onde atua em Comissões e Grupos de Trabalho.
clovis.a.pereira@gmail.com