Em Pauta

AGENDA POSITIVA DE GOVERNANÇA: A INFLUÊNCIA DOS LÍDERES PARA UMA GOVERNANÇA QUE INSPIRA, INCLUI E TRANSFORMA

De que forma os líderes empresariais devem fazer frente às rápidas transformações, com foco em uma sociedade mais justa e no respeito ao meio ambiente? O IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - junto com outras entidades e especialistas - indicam os pilares dessa mudança e propõem uma série de medidas práticas.

Os fatores ESG não são algo novo, são abordados há décadas, mas o que mudou na conjuntura atual é que a percepção sobre a sua importância e as pressões para medidas efetivas têm aumentado de forma significativa. A sociedade demanda - com mais urgência - que as empresas assumam corresponsabilidade para solucionar os principais desafios que limitam a prosperidade, geram desigualdade social e prejudicam o planeta.

Mais do que nunca as questões ESG - cuja sigla significa Environmental, Social and Governance ou, em português, Ambiental, Social e Governança - estão sob os holofotes. Alguns eventos foram responsáveis por colocar essa pauta em evidência. Em 2019, a organização Business Roundtable, que reúne CEOs de 181 das maiores companhias dos Estados Unidos, que juntas empregam mais de 15 milhões de pessoas e contam com um faturamento anual acima de US$ 7 trilhões, comunicaram a mudança de propósito corporativo do grupo, na verdade, uma ruptura com a política adotada há mais de 20 anos, que colocava a maximização dos lucros dos acionistas como prioridade. Assim, a nova diretriz é que as empresas passem a se comprometer também com seus colaboradores, clientes, fornecedores e demais comunidades envolvidas.

No ano passado, Larry Fink, CEO da BlackRock, a maior gestora do mundo, que conta com US$ 7,8 trilhões em ativos sob gestão, escreveu uma carta ressaltando a importância das empresas considerarem os princípios ESG em seus negócios e colocando a sustentabilidade como padrão para os investimentos. A BlackRock logo partiu para a prática, promovendo várias alterações nas estratégias de seus fundos oferecidos no mercado, seguindo esse critério.

Também em 2020, no Fórum Econômico Mundial (World Economic Forum - WEF), chegou-se à conclusão de que os cinco principais riscos com probabilidade de ocorrência até 2030 são de natureza ambiental, destacando a importância da gestão de riscos pelas corporações. E, agora no início do ano, o WEF divulgou um relatório dos principais riscos globais, baseado em uma ampla pesquisa, confirmando a alta chance desses riscos ambientais – que lideram por probabilidade e por impacto, além de mencionar as intercorrências da pandemia da Covid-19, como aumento da disparidade social e fragilização da economia ainda nos próximos três a cinco anos.

Diante desse cenário, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), ao completar 25 anos como influenciador de boas práticas e melhores processos para a administração das empresas no país – reconhecido por difundir a transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa, lançou a Agenda Positiva de Governança, aprofundando os aspectos ESG.

Conforme Henrique Luz, presidente do Conselho do IBGC, os seis pilares, listados a seguir, podem ser adotados por todos os tipos de organizações, de qualquer porte ou setor:

1) Ética e Integridade: é um imperativo moral – e um fator decisivo para a continuidade dos negócios – que os líderes das organizações promovam uma cultura de integridade, em que as pessoas pratiquem a confiança, o respeito, a empatia e a solidariedade.

2) Diversidade e Inclusão: uma cultura corporativa baseada na diversidade e inclusão, além de assegurar um valor humano fundamental – o respeito à diversidade –, é fonte permanente de criatividade e longevidade. Os líderes devem agir com urgência e comprometer-se a assegurar tratamento justo e oportunidades iguais para todos, sobretudo na promoção de equidade de gênero e raça. 

3) Ambiental e Social: a atuação dos líderes na gestão dos impactos ambientais e sociais deve ir além da agenda institucional. É fundamental integrar essas questões ao modelo de negócio e promover a articulação da organização com os diversos setores da sociedade.

4) Inovação e Transformação: a inovação deve ser a base de uma visão de futuro que objetiva o desenvolvimento sustentado da organização. Os líderes devem tomar decisões coerentes com o propósito e a estratégia do negócio, gerenciar os riscos do processo e ter disciplina para colher os resultados das ações no tempo certo e gerar valor para todas as partes interessadas.

5) Transparência e Prestação de Contas: os líderes devem promover a transparência e prestar contas de sua atuação a partir de um diálogo aberto com as diferentes partes interessadas, identificando seus interesses e expectativas, a fim de obter mais confiança e melhores resultados.

6) Conselhos do Futuro: para que atuem como agentes de transformação e catalisadores da adaptabilidade e da agilidade das organizações, os conselhos devem ser compostos com maior foco em diversidade e competências socioemocionais. Disposição para questionar, ouvir ativamente, respeitar outras visões, ousar, desaprender e reaprender são condições essenciais para explorar novas formas de gerar valor e viabilizar as transformações necessárias. 

“Sempre trabalhamos proativamente e constatamos que deveríamos organizar e colocar em único documento os conceitos fundamentais e diversas medidas, listadas a seguir, de natureza prática para que os líderes empresariais não fiquem só na teoria e contribuam mais para uma sociedade mais justa”, explica Luz.

15 medidas para uma governança que inspira, inclui e transforma

  1. Garantir com atitudes e medidas de conscientização que líderes e colaboradores fundamentem suas decisões na identidade da organização (propósito, missão, visão, valores e princípios) e compreendam como seus comportamentos diários impactam a organização e a sociedade.
     
  2. Integrar os seis pilares da Agenda Positiva de Governança (ética e integridade; diversidade e inclusão; ambiental e social; inovação e transformação; transparência e prestação de contas; e conselhos do futuro) ao propósito, à cultura organizacional e aos modelos de negócio e de geração de valor.
     
  3. Zelar para que os relacionamentos da organização com seus colaboradores, clientes, fornecedores, sócios e demais partes interessadas sejam baseados nos mais sólidos princípios de integridade, principalmente naqueles relacionamentos entre o público e o privado.
     
  4. Identificar e divulgar ao mercado indicadores e a justificativa econômica (business case) para a adoção de práticas ligadas às questões ambientais, sociais e de governança corporativa.
     
  5. Contribuir para a elaboração de leis, regulações, políticas públicas e padrões que estimulem as organizações a adotar melhores práticas em relação a questões sociais, ambientais e de governança corporativa.
     
  6. Estimular o mercado e o consumo de produtos e serviços sustentáveis por meio de investimento em inovação, pesquisa e desenvolvimento.
     
  7. Promover abertura a novos modelos de decisão baseados na experimentação, adotando instrumentos que permitam maior tomada de riscos na inovação.
     
  8. Fortalecer o esforço de inovação por meio de parcerias com centros de estudos e academia e do fomento ao empreendedorismo e ao ecossistema de startups.
     
  9. Capacitar pessoas para que a organização se desenvolva em um novo contexto de negócios: mais íntegro, transparente, sustentável, diverso e inovador.
     
  10. Adotar os princípios básicos da governança corporativa nas atividades que devem nortear a gestão e o diálogo da organização com as partes interessadas.
     
  11. Evidenciar a forma como a organização gera valor ao longo do tempo, por meio da divulgação de informações integradas de natureza econômico-financeira, social, ambiental e de governança corporativa com igual nível de qualidade e confiabilidade.
     
  12. Garantir que as informações divulgadas sejam comunicadas, tanto para o público interno quanto para o externo, de forma completa, clara e concisa, considerando a percepção das partes interessadas sobre os impactos causados pela organização.
     
  13. Implantar processos seletivos e programas de incentivo que reconheçam e desenvolvam líderes empáticos – que demonstrem capacidade de escuta ativa, vontade de servir, liderança horizontal, colaboração e abertura ao dissenso.
     
  14. Criar um ambiente de confiança e segurança psicológica para que as pessoas possam divergir entre si, reportar erros e irregularidades, manifestar dúvidas e preocupações e oferecer suas contribuições abertamente.
     
  15. Constituir um programa de diversidade e inclusão com alocação de recursos financeiros e pessoas dedicadas a pôr em prática um plano com ações intencionais para ampliar a diversidade e fomentar a cultura inclusiva na organização, bem como no conselho de administração.

De acordo com Henrique Luz, a elaboração da Agenda Positiva de Governança envolveu mais de 50 pessoas entre especialistas em governança e sustentabilidade, acadêmicos, agentes do mercado e representantes diversas entidades, entre elas, a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), Associação Brasileira de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI), Instituto Capitalismo Consciente Brasil e o Instituto Ethos.

O entendimento é que os conselheiros de administração e os gestores executivos têm o papel de fortalecerem a cultura das empresas com base em princípios éticos e sustentáveis.

A transição do capitalismo de shareholders para o capitalismo de stakeholders está acontecendo. Nesse sentido, está mudando também o patamar de consciência do que significa ser líder de uma companhia e das suas responsabilidades, avalia Ricardo Young, presidente do Conselho do Instituto Ethos. “Participei de inúmeros conselhos de empresas e algum tempo atrás, por exemplo, quando eu abordava ética e integridade, havia constrangimento, diziam que ali não era o lugar para falar desse tipo de pauta e que era preciso concentrar a agenda nos projetos e nos resultados. O que aconteceu é que a complexidade do nosso tempo passou a exigir uma outra qualidade de liderança empresarial com uma visão sistêmica, incorporando e sustentando os valores ESG“, diz.

Young afirma que nos últimos anos, os escândalos de corrupção envolvendo grandes companhias como a Petrobras e Odebrecht, alvos da Operação Lava-Jato, geraram clima de desconfiança, prejudicaram o ambiente de negócios e levaram a muitas discussões sobre a necessidade de uma legislação mais forte e punitiva para acabar com o crime. “As leis são ferramentas importantes, mas na verdade, ficou claro que é a cultura da organização que dá sustentação e fundamentação tanto à estratégia ESG quanto ao compliance para que não haja corrupção. É essencial que os gestores disseminem com clareza os valores da organização para que os colaboradores e comunidades envolvidas entendam como agir diante dos dilemas éticos e desafios que surgem a todo momento. Ilustrando com uma situação, se houver um incêndio em uma sala de cinema, todas as pessoas que estão lá se unem imediatamente em torno do mesmos objetivo que é sair do local e combater o fogo, apesar das suas diferenças. Da mesma forma, em uma empresa, os funcionários e demais stakeholders devem se mobilizar em torno de um objetivo e valores comuns e verdadeiros – que eles entendem e acreditam - não meramente protocolares”, comenta o presidente do Conselho do Instituto Ethos.

“O termo deveria ser GSE, com governança em primeiro lugar, por conta da necessidade de uma estruturação de empresas humanizadas, que têm propósitos e líderes conscientes”, defende Hugo Bethlem, presidente do conselho do Instituto Capitalismo Consciente no Brasil.

Estudos mostram que companhias que têm propósito, que são as causas pelas quais elas existem, muito mais do que simplesmente gerar lucros, conseguem manter alta reputação, aumentar a fidelidade dos clientes e ter resultados consistentes ao longo do tempo. De acordo com Bethlem, essas empresas conquistam o share of heart, ou seja, criam um laço afetivo com o consumidor e despertam o respeito e admiração por outras partes envolvidas.

Aqui no Brasil, o Instituto Capitalismo Consciente liderou uma pesquisa chamada “Empresas Humanizadas”, ao longo de 2018 e 2019, revelando as vantagens competitivas e a performance positiva das companhias humanizadas. O estudo envolveu 1.115 empresas de todos os tamanhos e segmentos, sendo que 22 participaram de todas as etapas, entre elas, a Natura, Boticário, Reserva, Klabin, Hospital Israelita Albert Einstein e Jacto.

Esse levantamento mostra que retorno sobre o patrimônio (ROE) das empresas humanizadas foi 6 vezes maior do que a média das 500 maiores companhias do país em um período de 20 anos. As empresas com propósito têm um nível de satisfação dos colaboradores 225% superior do que a média das 500 maiores companhias e um índice de satisfação de clientes (NPS) 248% superior. O estudo resultou no livro “Empreendedorismo Consciente: Como Melhorar o Mundo e Ganhar Dinheiro”, lançado no ano passado. Agora, outro levantamento está em andamento, com um número maior de companhias interessadas.

Agora vai? Motivos não faltam e há pressões por todos os lados
Na visão de Fabio Alperowitch, sócio-fundador e gestor de portfólio da Fama Investimentos, muitas empresas ainda não acordaram e acham equivocadamente que ESG é uma pauta de conformidade. Desse modo, essas companhias acreditam que precisam ser responsáveis ambientalmente para não tomarem multas e serem responsáveis socialmente para não se tornarem alvos de processos trabalhistas, o que é básico a ser feito, enquanto ESG diz respeito à criação de valor. Então, segundo ele, uma empresa que não defende a diversidade e inclusão e que não seja expressamente anti-racista e anti-homofóbica, terá dificuldade para atrair e reter talentos. As companhias que não se preocupam com questões ambientais, serão cada vez mais rejeitadas pelos consumidores, e as empresas pouco diversas dificilmente tomarão as melhores decisões. “Não é como um interruptor que liga e desliga, que só porque o ESG não está na agenda da empresa que ela irá quebrar amanhã, mas ao longo do tempo, as coisas tendem a piorar para ela”, destaca.

Hugo Bethlem, do Instituto Capitalismo Consciente, ressalta que existe uma forte pressão dos consumidores e dos colaboradores Millennials e, principalmente, da Geração Z, que valorizam mais o respeito ao meio ambiente e a diversidade do que as gerações anteriores. “A nova geração mais engajada, quer ter orgulho das empresas onde trabalham”, diz.

Segundo Henrique Luz, do IBGC, há um movimento crescente de empresas aderindo aos pilares ESG. Contudo, ainda existe um universo considerável de companhias que ainda não se mobilizaram ou onde vigora o descolamento entre o discurso e a prática, isto é, nos relatórios e comunicações aparecem muitas coisas que não são lastreadas em ações. “A distância entre o discurso e a prática não pode ser um abismo. Infelizmente, muitas empresas vão entrar fazendo greenwashing, mas certamente a sociedade e os investidores vão depurar isso ao longo do tempo”, avalia.

Conforme ele, aos poucos, ganha força o ativismo dos investidores institucionais, seguindo as iniciativas da BlackRock e de outras grandes gestoras, que estão demandando aos conselhos e CEOs das empresas onde aportam recursos uma gestão mais efetiva dos impactos ambientais e sociais.

Para Fabio Coelho, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), os agentes não têm agido de forma homogênea, são muito diferentes entre si. Analisando a indústria de gestão de recursos no Brasil, há casas tradicionais que estão sendo desafiadas por modelos de negócios mais dinâmicos de assets independentes, há gestoras com cultura estrangeira e aquelas com cultura de bancos. “Não temos ainda um padrão sobre aplicação do ESG, mas as casas mais sofisticadas nessa pauta têm adotado práticas de engajamento com as empresas investidas, exercido o voto nas assembleias e feito manifestações públicas de cobrança de práticas de negócios alinhados aos valores”, afirma.

Na visão de Fabio Alperowitch, o ativismo dos acionistas é incipiente e aborda ESG de forma reducionista. “O ativismo, quando existe, diz respeito principalmente à redução da emissão de CO2 e existe também pressão pela equidade de gênero, como se tudo se resumisse a isso. Porém, as questões ambientais e sociais são muito mais amplas e complexas”, afirma.

Mas a mudança é inevitável. Na avaliação de Flávia Mouta, diretora de Emissores da B3, como as questões ESG se comprovam relevantes tanto para imagem e reputação das organizações quanto para seus resultados, os investidores estão ficando mais atentos. Ela comenta, por exemplo, que a ausência de determinados compromissos ambientais e sociais podem, em última instância, interferir em acordos comerciais, prejudicando exportações e importações. “Tendo em vista esse tipo de impacto, investidores institucionais, dado o seu dever fiduciário, estão cada vez mais exigentes e criteriosos em relação a esses compromissos de transparência e avanços em boas práticas ESG. Mas vale ressaltar que esse comportamento também começa a ser observado em outras classes de investidores, como os de varejo”, diz.

Sonia Consiglio Favaretto, especialista em sustentabilidade, conselheira de administração e SDG Pioneer pelo Pacto Global das Nações Unidas, diz que a pandemia da Covid-19 é mais um fator que colocou a sustentabilidade na linha de frente das empresas, desafiando os CEOs e conselhos.

Segundo especialistas, a crise do coronavírus tem levado um olhar mais social e humanizado. Nessa linha, diante das medidas de distanciamento para conter o vírus e de outros desafios, a Ambev (ABEV3), por exemplo, criou uma diretoria de Saúde Mental, Diversidade e Inclusão e Bem-estar. A responsável é Mariana Holanda, que tem formação em psicologia.

Outro driver de transformação destacado é que o governo americano, a partir da entrada do presidente Joe Biden, coloca a sustentabilidade como prioridade e se manifesta em prol à diversidade. Logo que tomou posse, Biden anunciou o retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris, tratado no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, que rege medidas de redução de emissão de gases do efeito estufa. “Com a vitória de Biden, a sustentabilidade avançará, afinal os Estados Unidos exercem liderança e influência e irá pressionar não só o Brasil, mas o mundo todo. Certamente, as questões ESG vão ganhar velocidade e importância”, conclui Favaretto.

Joe Biden, informou no seu primeiro dia de governo: "Os Estados Unidos voltarão ao Acordo de Paris e começarei imediatamente a trabalhar com meus colegas em todo o mundo para fazer tudo o que puder, incluindo convocar os líderes das maiores economias para uma cúpula do clima em meus primeiros 100 dias no cargo.”

As atribuições dos RIs nesse cenário
Os executivos de relações com Investidores têm se dedicado em prol do aprimoramento contínuo dos relatos empresariais na perspectiva ESG, para assegurar mais transparência. “Um dos principais desafios dos RIs é a elaboração do Relato Integrado, já que nas divulgações periódicas das S/As existem muitos elementos de criação de valor que são importantes para os investidores, mas que não são adequadamente capturados nas demonstrações financeiras”, destaca André Vasconcellos, RI na Eletrobras e diretor-adjunto no Rio de Janeiro do IBRI. Ele também avalia que os RIs têm defendido essa agenda ESG no ambiente intraorganizacional.

O IBRI já conta com uma comissão ESG para acompanhar a evolução dessas questões e disseminar conhecimento entre os profissionais e contribuiu para a Agenda Positiva de Governança. “A Agenda Positiva tem como objetivo criar um ambiente favorável ao investimento de longo prazo. A boa governança é fundamental na atração de capital”, afirma Rafael Mingone, RI na Gerdau e coordenador da comissão ESG do IBRI.

Copo meio cheio e meio vazio da governança
Segundo especialistas a construção de uma boa governança é uma jornada. Nos últimos anos, houve avanços, mas muitas questões ainda precisam ser resolvidas, há muito espaço para avançar.

Em 2020, a participação de mulheres em conselhos de administração foi de 11,5%, segundo o Spencer Stuart Board Index Brasil. O avanço foi de um ponto percentual em relação ao ano anterior. Ainda é uma fatia pequena, mas em um passado não muito distante, as mulheres não tinham quase nenhuma voz nessa área. “Vejo uma tendência dos conselhos serem mais diversos, com diferentes experiências e visões, tanto em relação às formações, que incluem agora profissionais de sustentabilidade e de variados segmentos - não somente os tradicionais como economia, direito e administração, quanto com a presença de mais mulheres. Eu sou um exemplo, sou jornalista e especialista em sustentabilidade e, hoje, faço parte do conselho do BNDES”, diz Sonia Favaretto.

Atuante no IBGC, Alexandre Silva, presidente do Conselho de Administração da Embraer, diz que houve grande melhoria na governança das companhias como um todo nos últimos 20 anos. “Houve avanço no número de conselheiros independentes, a criação de comitês técnicos mais sofisticados para apoiar as decisões, além das avaliações feitas por consultores externos. Diversos temas como a transformação digital e a diversidade entraram na pauta e se intensificou a preocupação com a gestão de riscos e compliance”, enfatiza.

Para Alexandre Silva, outro aspecto que também ganhou relevância é a inovação, que faz parte da Agenda Positiva de Governança. “A inovação é um pilar da governança. As transformações do mundo são cada vez mais rápidas, com o progresso da tecnologia e de materiais. Então, a inovação deve permear todas as áreas da empresa: os produtos, os processos produtivos, serviços, estrutura comercial e de recursos humanos. Isso é essencial para o diferencial competitivo, melhor desempenho, trata-se mesmo de uma questão de sobrevivência dos negócios.”

Flávia Mouta, da B3, diz que uma forma de ver a evolução da governança no Brasil é acompanhar o histórico do segmento de listagem no Novo Mercado, que passou por aperfeiçoamentos. Diante dos grandes escândalos e crises no mercado, houve demanda por medidas mais efetivas de proteção aos investidores. “O Novo Mercado se adaptou com atualizações em seu regulamento em 2006, 2011 e, mais recentemente, em 2018”, destaca Flávia. Ao longo do tempo, conforme destaca, foram incorporadas regras como a exigência de que ao menos 20% do conselho seja formado por conselheiros independentes e a vedação à sobreposição de cargos do conselho de administração e de diretor presidente ou principal executivo da empresa. As companhias também passaram a ter que divulgar sua política de negociação de valores mobiliários e um código de conduta. Em 2018, o foco escolhido na evolução das regras do Novo Mercado foi o gerenciamento de risco e controles internos. Essas mudanças serão integralmente implementadas pelas companhias até 2022.

“Ainda há muito a ser feito. Questões mais recentes, como a agenda ESG e um forte apelo social pela ampliação da diversidade de gênero e raça são alguns dos desafios que se impõem no ambiente empresarial e que ainda precisam ser enfrentados pelas organizações”, acrescenta Flávia.

Fábio Coelho, da Amec, diz que o saldo é positivo quando se pega um horizonte temporal maior. O mercado financeiro é muito mais sofisticado hoje do que nos anos 2000, quando nem havia o Novo Mercado. No entanto, ele acredita que há um certo paradoxo no ar neste momento. “Toda vez que o mercado de capitais local dá dois passos para a frente em termos de crescimento das operações, temos a impressão que ele dá um passo para trás em termos de governança. Na Amec, falamos que bons anos, com atividade mais intensa de IPOs, geram também desrespeito às práticas consagradas de governança”, ressalta.

Entre os pontos de retrocesso apontadas por ele, a discussão sobre a possibilidade de criação de ações com direitos diferenciados de voto (Super ON), a questão de conflito de interesses em operações entre partes relacionadas, o exercício de voto conflitado em casos de benefícios particulares. “E mais, assistimos no último ano algumas empresas testando o mercado para fazer seus IPOs mesmo sem reunir condições mínimas de governança. Tudo isso gera uma visão negativa, cujas consequências só deverão ser sentidas daqui alguns anos”, afirma o presidente da Amec.

Também com uma posição crítica, Fabio Alperowitch, da Fama Investimentos, diz que adoção de bons princípios de governança depende dos participantes e que os investidores devem acompanhar isso de perto. Conforme ele, a criação do Novo Mercado deve ser reconhecida como algo positivo, um importante passo, mas esse segmento de listagem não pode ser considerado um fator de proteção definitivo aos minoritários. A JBS (JBSS3) é do Novo Mercado, e esteve envolvida em um esquema de corrupção, com a atuação dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

Ele afirma que em um período mais recente, o país voltou a ter algumas situações inadequadas semelhantes às ocorridas na década de 90. “Há muito o que se fazer mesmo, estou falando de escândalos de 2020”, diz. Ele cita o IRB-Brasil Resseguros (IRBR3), que teve irregularidades em suas práticas contábeis e fez a divulgação falsa de que a Berkshire Hathaway, gestora americana de Warren Buffett, teria participação na empresa. E ele fala ainda da aquisição da Linx pela Stone, que colocou os acionistas minoritários em desvantagem. Considerando as indenizações por competição e contrato de trabalho, os principais executivos da empresa receberam R$ 46 por ação, um prêmio de 35% sobre o valor que os sócios minoritários receberam. Em tese, isso poderia ter sido derrubado em assembleia, uma vez que os fundadores tinham uma participação de somente 15% na empresa, mas a votação dos minoritários acabou sendo “coibida” com o estabelecimento de multas. “O problema é que no contrato de compra/venda tinha condicionantes. Haveria multa caso a operação não fosse aprovada, o que colocou os minoritários em situação difícil. Além disso, se os minoritários trouxessem outra empresa para comprar a Linx, mesmo que por um valor maior, haveria multa ainda maior”, explica.

Outro caso emblemático foi da CVC (CVCB3), que no início do ano passado, antes pandemia de Covid-19, teve escancaradas distorções contábeis em suas demonstrações financeiras e falhas nos controles internos. A confusão levou à saída do então CEO, do presidente do conselho da companhia e de outros executivos. Em agosto, a CVC informou que, após investigações, encontrou R$ 362,3 milhões em erros e distorções contábeis e, assim, concluiu a reconciliação das demonstrações financeiras de 2019, incluindo valores referentes aos anos anteriores, causando redução nos resultados. “É bom lembrar que os executivos tinham ganhado bônus com base nos resultados apresentados de forma distorcida ao longo desses anos”, destaca Fábio Alperowitch.

Entrevista | Henrique Luz
presidente do Conselho de Administração do IBGC

RI: Qual é a importância da Agenda Positiva de Governança e o que se espera a partir dela?

Henrique Luz: Ao longo de sua história, o IBGC conquistou relevância, trouxe o conceito de governança e os princípios de Transparência, Equidade, Prestação de Contas e Responsabilidade Corporativa, e sempre agiu com coerência. Isso é um pouco falar de nós mesmos, mas é interessante. Fizemos uma pesquisa há um ano e meio com stakeholders e vimos que eles reconhecem que o IBGC é um bom curador, considera diversos pontos de vista para a construção e gestão do conhecimento e é um mobilizador, que trabalha em rede e com proatividade. A partir desse resultado, constatamos que deveríamos organizar e colocar em único documento os conceitos fundamentais e diversas medidas de natureza prática para que os líderes empresariais contribuam mais para uma sociedade mais justa. É uma agenda para ajudá-los a pensar conosco o futuro da governança no país.

RI: Qual o papel hoje dos líderes no mundo que passa por profundas e rápidas transformações?

Henrique Luz: Quando falamos de liderança aqui nos referimos aos conselhos de administração e as gestões executivas das empresas, que são profissionais capazes de inspirar e estruturar novas maneiras de fazer coisas. É com essas pessoas que estamos nos comunicando, as pessoas que vão liderar e inspirar os processos de mudanças nas empresas e nas entidades.

RI: Como o senhor vê a evolução da governança no Brasil?

Henrique Luz: Teve uma enorme evolução. O Brasil não é um país de corporações, que são empresas que não têm controle definido – há atualmente apenas 14 organizações companhias nessa categoria como a Embraer, Lojas Renner e Burger King. E, em 1995, o país não tinha nenhuma corporação pura e a maior parte dos conselheiros escolhidos pelas companhias abertas não eram independentes, eram amigos e conhecidos dos donos ou pessoas que ocuparam altos cargos como ex-ministro para dar “placa” para as empresas. O fato é que, 25 anos depois, não é bem o que acontece. Tivemos a criação de diversos segmentos de listagem na Bolsa demandando mais informações e transparência. Em 2016, saiu o Código Brasileiro de Governança Corporativa de Companhias Abertas, resultado de um movimento que o IBGC liderou envolvendo 11 entidades e que teve muita base no código do próprio IBGC. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) assumiu esse código e alterou a resolução 480, incluindo o Informe Anual de Governança. Esse informe inclui questões definidas no código e tem a metodologia de reporte “aplique ou explique” (“comply or explain”). O regulador brasileiro optou por esse modelo europeu por não ser impositivo como nos Estados Unidos. Assim, ou a empresa aplica ou explica o motivo porque não faz. Todo país que segue essa linha tem um processo de aprendizado, o que é mais saudável. E não é o regulador que exige, na verdade, é o mercado que lê e precifica as empresas. Eu diria que o Brasil teve um progresso gigantesco, mas existe uma máxima que diz: “governança corporativa é uma jornada”. Então, o que importa não é você ter tudo funcionando hoje, mas é estar em progresso. Tem uma frase de Abraham Lincoln que diz “Eu sou um caminhante lento, mas eu nunca fui para trás”. Essa história é importante em governança. Aqui no Brasil, de forma geral, tivemos aprimoramento, mas ainda temos um longo caminho pela frente.

RI: Quais são suas principais atividades e realizações a frente do conselho do IBGC, além da Agenda Positiva de Governança?

Henrique Luz: Quando eu assumi a presidência do Conselho em abril de 2019, o objetivo foi organizar o novo plano estratégico para os próximos cinco anos. Na verdade, contamos com um programa de pensamento estratégico permanente. Então, definimos os caminhos a perseguir para o IBGC continuar sendo uma entidade relevante no contexto da sociedade vis a vis seu propósito. Temos cumprido uma série de etapas e mudanças nas configurações internas para termos sucesso nessa missão. Nós reunimos hoje mais de 2,5 mil pessoas em todo o Brasil, formamos conselheiros de administração e oferecemos outros tipos de capacitações e comissões técnicas em diversas áreas como inovação e transformação. Inovamos bastante, o nosso Congresso em 2020 com o tema “Governança que Inspira, Inclui e Transforma” foi 100% online e teve a participação de mais de 3 mil pessoas. No evento, eu entrevistei alguém que dificilmente no mundo físico eu conseguiria, que foi o John W. Thompson, presidente do Conselho de Administração da Microsoft. Nesse Congresso, tivemos a participação de vários palestrantes estrangeiros, além de grandes nomes do país. Enfim, temos trabalhado bastante e o IBGC está saudável financeiramente, o que nos retroalimenta para cumprir o nosso plano estratégico como queremos.


Continua...