“Há duas maneiras de ver a vida: acreditar que não pode haver milagres ou acreditar que tudo é um grande milagre.” - Albert Einstein
Compreender que durante 1 bilhão de anos a vida foi se moldando lentamente desde a criação do oxigênio, dos primeiros seres unicelulares até este mega ecossistema único até onde nossas super lentes telescópicas enxergam. De fato, é um esforço tão grandioso que para nós seres humanos, a vida é um milagre que se fez e refez várias vezes em espaços de milhões de anos entre os eventos.
Depois dessa mega construção, sem participação do Homem, comprometê-la parece estar sendo fácil e certamente não haverá milagre na sua reconstituição com a nossa presença. O que está acontecendo?
Desde que o homem se organizou economicamente, as relações com a Natureza foram mudando. As primeiras organizações econômicas não reconheciam a natureza entre seus fatores de produção. Esta fase foi de ampla exploração da madeira importante, por exemplo, para as descobertas marítimas.
Posteriormente, na era pós descobrimentos, o Homem se apropriava dos recursos naturais, reconhecendo o seu direito de explorar em benefício da sociedade (Francis Bacon), a partir de um sistema circular aberto, ainda com a premissa de infinitude dos recursos naturais. A Revolução Industrial turbinou esse sistema, a partir do uso dos combustíveis fósseis em larga escala.
A poluição começou a se tornar um problema, o que foi alertado por Arthur Pigou no início do Século XX, quando chegou a defendeu o que se chama atualmente o “Princípio do Poluidor Pagador”.
Na área social, economistas como John Stuart Mills levantaram questões importantes como justiça social e desigualdade de renda. Mills defendia em seu livro Princípios da Economia Política - 1848, que o crescimento econômico tinha uma condição estacionária provocada pela tendência de estabilização da população. Foi o primeiro a colocar a questão do crescimento em discussão.
Alfred Marshall, pai da economia neoclássica consolidou a dimensão humana de seus fundamentos. Para entender seu pensamento sobre o Meio Ambiente, ele entendia que água e ar não exigem esforço de trabalho para sua produção e, portanto, não geram valor. Para o ar ter valor precisava da ação do trabalho humano. Além do mais “era abundante”.
Foi Nicholas Georgescu-Roegen (Analytical Economics, 1966, The Entropy Law and the Economic Process, 1971, entre outros) quem defendeu claramente que os paradigmas econômicos não poderiam funcionar em um sistema como a Terra e propôs uma terceira alternativa, a do sistema circular fechado em que a Natureza entra como o terceiro elemento da circularidade. Nada mais entra, a menos que soframos bombardeios sistemáticos de meteoros.
Para ele o planeta tem recursos finitos com perda de energia no processo de transformação da matéria (Lei da Entropia), apesar dos esforços de melhoria de produtividade por progresso técnico. Além disso, a recomposição dos recursos naturais no tempo requerido pelo sistema econômico circular aberto nem sempre era possível e criou um problema até agora sem solução. Georgescu introduziu assim o conceito de eficiência energética e desperdício criticando a ineficiência dos processos econômicos que geravam perdas irreversíveis de energia.
Apesar do reconhecimento de muitos economistas quanto ao brilhantismo do trabalho acadêmico de Georgescu-Roegen, entre eles Paul Samuelson, era difícil, e ainda é, discutir os limites do crescimento e suas implicações. E assim a produção acadêmica continuou majoritariamente convencional, o que acabou transformou a bandeira do Meio Ambiente em um problema geopolítico.
Se esta questão já é complexa por si só, entramos em um processo tecnológico que robotiza a economia, gerando ainda mais stress na substituição do fator trabalho por capital físico, resultando em mais pressão sobre os recursos naturais.
Está claro que a função de produção básica da economia não foi estruturada para resolver esse problema. A tensão entre Economia e Meio Ambiente aumentou muito depois da 2ª guerra mundial, com um stress crescente entre política econômica e política ambiental até os dias atuais.
André Lara Resende destacou que a Economia não se preocupou com essa questão até o século XX. Edmar Bacha foi taxativo, “..estamos falando de uma Função de Produção cuja escassez ambiental não está incorporada na análise econômica”. Eduardo Giannetti aponta que “o sistema de preços.....não é capaz de detectar todos os custos envolvidos na produção de bens e serviços - tem um ponto cego grave.” (a respeito desses autores ver “O que os economistas pensam da sustentabilidade”, Arnt, Ricardo, org, 2008).
Por essas razões, além de Arthur Pigou, Georgescu-Roegen, lembrando ainda mais recentemente dos economistas Prêmio Nobel 2018, William Nordhaus e Paul Romer (mudanças climáticas e tecnologia) e da importante produção acadêmica da Economia Ambiental e Economia Ecológica (que não conversam muito com as demais áreas econômicas) e sem o apoio da economia convencional, temos de reconhecer a iniciativa do Terceiro Setor pressionando os Governos e os agentes econômicos para reconhecer a importância da Natureza. Desde os anos 60, elas têm tido papel estratégico para o sucesso da Eco-92, quando o setor privado começou a se aproximar institucionalmente.
A relação entre Economia e Meio Ambiente historicamente foi e tem sido uma relação conturbada
O conceito de Desenvolvimento Sustentável “atender as necessidades das gerações presentes sem comprometer as necessidades das gerações futuras” continua sem o devido debate intergeracional. O que a menina Greta Thunberg está fazendo é exatamente isso. Chamando para esse debate, para resolvermos qual o padrão de consumo e de investimentos que as gerações atuais têm de construir para permitir às gerações futuras o acesso aos mesmos benefícios. Seremos capazes de fazer esse trade-off intergeracional? A Previdência Social exigiu de nós decisões amargas que foram tomadas.
O problema ambiental agora está colocado de forma objetiva e escolhas têm de ser feitas com amplo conhecimento de suas consequências. É nisso que temos de nos dedicar no futuro, seja no nível macro como também micro nas esferas ambiental, social, econômica e política. Está tudo interconectado.
A Amazônia e o Centro Oeste foram mais desmatados nos últimos 50 anos do que em toda a sua existência. Não é porque os países do Norte desenvolvido se devastaram e, no caso do Brasil, devastaram a Mata Atlântica, que vamos segui-los no mesmo erro. Destruir a maior biodiversidade do mundo, de alto valor agregado, quando mantida em pé e viva, para vender ilegalmente madeira e colocar gado de baixa produtividade agride ao bom senso pois é muito mais caro refazer a vegetação natural quando essas terras são abandonadas.
O Brasil (200 milhões habitantes) tem um território desmatado superior ao da índia (1,3 bilhões habitantes). Não se justifica desmatar mais.
Devemos buscar eliminar os pontos cegos, que poderão, em alguma medida, comprometer no instante zero alguma fatia dos lucros empresariais, mas essa internalização de custos terá compensações, pois não fazer isso será gerar custos sociais, que terão de ser pagos por alguém ou por elevação da carga tributária, o que impacta os lucros do mesmo jeito.
Reduzir o impacto dos eventos extremos do Clima é mais do que urgente e a Amazônia tem papel vital para o equilíbrio do clima e redução das emissões. É comum nestes tempos difíceis do novo Coronavirus, dizer que o “Meio Ambiente ficou um pouco esquecido por causa da pandemia”. Ao contrário, desmatamento e comercialização irresponsável de animais selvagens vivos estão no centro do problema desde os tempos de várias outras pandemias.
Não há como nos desconectar como Sociedade do Meio Ambiente pois somos parte dele.
Apesar dessas barreiras estruturais, o tema Sustentabilidade avança, a integração ASG à análise de investimentos avança, a Governança do Clima avança, apesar dos eventuais retrocessos, como os que vivemos recentemente. Desde a Eco-92 até a eleição do atual presidente dos Estados Unidos o processo avança. A China é hoje o maior produtor de equipamento eólicos e solares do mundo sendo também é o maior produtor dessas fontes de energia. Os Estados Unidos já voltaram ao Acordo de Paris. A esperança voltou.
Temos instrumentos robustos – TCFD focado no Clima, Gestão ASG alinhando-se institucionalmente a nível regulatório e auto regulatório integrando interesses entre setor produtivo e investidores, as ODS criando força como referência de objetivos estratégicos e oportunidades sendo um forte indutor na orientação de parcerias público-privadas.
O Laboratório de Inovação Financeira, uma iniciativa ABDE/BID/CVM/Cooperação Alemã por meio de GIZ com quase 200 instituições participantes, está fazendo um trabalho de alto nível orientado para o desenvolvimento da Gestão ASG nas empresas e como apoio ao processo decisório dos investidores, além de debater soluções para o funding de setores estratégicos saneamento, agropecuária, energia, transportes e mobilidade urbana, entre outros. Nesse sentido, destacamos a sua contribuição para edição do Decreto nº 10.387 que dispõe sobre o incentivo aos projetos de infraestrutura que proporcionam benefícios sociais e ambientais. Destacamos ainda a instituição do sandbox regulatório, fundamental para o desenvolvimento de projetos inovadores entre outras iniciativas. O LAB mudou a discussão, aproximando convertidos e não convertidos, mostrando que não é uma questão de opinião, mas de decisão de investimentos.
Temos esperança de que o Brasil será um país saneado até 2030; de que vamos caminhar para uma agropecuária com modelos de produção mais modernos, mais eficientes na melhoria da produtividade com consumo racional de água e sequestro de carbono; vamos continuar avançando para uma matriz energética mais eficiente e limpa; que seja possível avançar para a construção de modais de transporte e de modernos; que continuemos no caminho da inovação tecnológica para aliviarmos a pressão sobre o meio ambiente na geração de valor adicionado para o PIB.
Temos esperança de uma relação madura entre Economia e Meio Ambiente. O Mercado de Capitais é um ambiente importante para a sua construção
Precisamos de mais transparência na discussão sobre os fundamentos do crescimento econômico, do acesso aos serviços ambientais e da justiça social - direitos humanos e distribuição de renda e oportunidades.
Precisamos reformular o conceito de receitas, custos e lucros econômicos considerando-se a internalização das externalidades geradas pelo processo produtivo e estrutura de mobilidade social. Esse é o nosso desafio. Não existe milagre, mas urgência nas decisões.
Eduardo Werneck
é vice presidente da Apimec Brasil e sênior adviser da Resultante.
eduardo.werneck@apimec.com.br