No mês de junho último, o Pacto Global da ONU lançou a ferramenta “SDG 16 Business Framework: Inspiring Transformational Governance”, convocando as empresas a assumirem seu papel na implementação do ODS 16: Paz, Justiça e Instituições Eficazes, que trata da construção de sociedades pacíficas e inclusivas, acesso à justiça para todos, instituições eficazes, responsáveis e transparentes.
Dentre as metas do ODS 16, estão a redução de todas as formas de violência, a promoção do Estado de Direito, o combate à corrupção e ao crime organizado, a tomada de decisão responsiva, participativa e representativa em todos os níveis, o fortalecimento da participação dos países em desenvolvimento nas instituições de governança global, o acesso à informação e a proteção às liberdades fundamentais, o cumprimento das leis e políticas não discriminatórias.
Na visão do Pacto Global, embora os elementos do ODS 16 sejam ingredientes fundamentais para o sucesso dos negócios, sua relevância não é bem compreendida pelas empresas. De fato, no Brasil, o ODS 16 tem sido invocado pelas empresas principalmente em conexão com programas de Compliance e, de forma incipiente, com o papel das empresas na proteção dos direitos humanos, em especial após a ocorrência de casos emblemáticos de violação no ambiente de empresas privadas. Afora essas áreas, prevalece a visão de que as metas do ODS 16 são responsabilidade dos Governos.
O recém-lançado Framework convida as empresas a ampliarem sua atuação na promoção da paz, da justiça e do desenvolvimento de instituições estatais eficazes, reconhecendo que essas são condições fundamentais para o atingimento de todos os demais ODS.
Um exemplo que evidencia essa correlação é o desmatamento ilegal da Amazônia. A ação está entre as principais fontes de emissão de gases de efeito estufa no Brasil e a forma de preveni-lo está na aplicação da legislação em vigor. Nessa área, reduções significativas das emissões não dependem do desenvolvimento de novas tecnologias, de mudança de modelos de negócio ou de processos produtivos, substituição de produtos ou outras medidas mais drásticas para as empresas. Depende, sim, da atuação do Estado na persecução e punição de criminosos.
E as empresas, o que tem a ver com isso? Quem compreendeu a severidade dos riscos do aquecimento global para os negócios e o quanto esse é um problema coletivo e global - e não localizado ou setorizado -, já percebeu que as empresas têm tudo a ver com isso.
Elas podem combater o desmatamento ilegal – aqui usado como exemplo ilustrativo - de várias formas, a começar pela eliminação dessa atividade de suas cadeias de suprimento. Uma outra forma, no entanto, é ativamente cobrando do Poder Público a correta aplicação da lei.
Na jornada da sustentabilidade, o ativismo em prol de um Estado que exerça suas funções essenciais e a exigência de prestação de contaspor parte das instituições privadas e públicas tornam-se cada vez mais necessários. Ainda que a sociedade espere que os negócios preencham o vácuo deixado pelos Governos, conforme evidencia o Edelman Trust Barometer 2021, é preciso reconhecer que o desenvolvimento da agenda ESG está limitado pela ação do Estado e do conjunto de instituições sociais. Empresas que desejam contribuir para a construção de um futuro melhor precisam inserir essa consideração no desenho de suas estratégias de sustentabilidade.
Para isso, o Pacto Global convida as empresas a adotarem a Governança Transformacional, “um prisma por meio do qual as empresas podem expandir sua compreensão do “G” em ESG”.
Essa nova governança convoca os negócios a serem responsáveis, éticos, inclusivos e transparentes, impulsionando um desempenho ESG aprimorado, por meio de três dimensões interrelacionadas:
Governança Convencional: expandir a noção tradicional de governança para incluir valores e cultura, estratégias e políticas, operações e relacionamentos.
Governança Sustentável: fortalecer a governança com respeito ao gerenciamento de riscos e oportunidades sociais e ambientais.
Governança Global: inspirar os negócios a contribuírem de forma responsável com as instituições públicas, leis e sistemas nos níveis local, nacional e internacional.
O Pacto Global encoraja as organizações a integrarem os princípios da Governança Transformacional em suas atividades internas e externas, incluindo em suas cadeias de suprimentos, das seguintes formas:
Internamente:
Externamente:
Não se trata mais de apenas “cumprir a lei” (Compliance), mas de atuar para que ela seja cumprida. Não se trata mais de advogarem prol de privilégios e benefícios, de interesses setoriais ou individuais, mas de contribuir para a elaboração e aplicação de leis que impulsionem o país para o desenvolvimento econômico, social e ambiental.
Governança Transformacional não é sobre garantir que a empresa se adaptará às grandes transformações – sociais, tecnológicas, ambientais - que o mundo atravessa. É sobre entender quais (novos) papéis as empresas podem assumir para que essas transformações resultem em um futuro mais sustentável e próspero.
Claudia Pitta
é consultora e professora de Ética Organizacional e Governança, fundadora da Evolure Consultoria, mentora e sócia da plataforma digital CompliancePME, Diretora do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial – IBRADEMP e co-coordenadora de sua Comissão ESG.
claudia.pitta@evolureconsultoria.com.br