Você como profissional de RI sempre vai correr atrás daquela base acionária ideal. De preferência fundos que comprem e “sentem praça” no papel, junto a alguns outros que possam prover liquidez. Agora mensurando a quantidade de fundos com preocupações ESG no âmago.
O bom profissional fica atento a vários indicadores, como num painel de avião. Quanto está o custo do aluguel de ações (short interest)? Que horas aquele fundo vai vender, pois atingiu seu teto de apreciação (cost basis)? Isso além do olho em algumas negociações críticas de certos gestores. Sempre mantendo estreito contato com aqueles para entender um determinado movimento acionário. E olha que tudo isso, hoje em dia, com inteligência artificial, bots e transações de alta frequência (HFT), é apenas parte da equação. Em 1995, cerca de 80% dos investimentos eram ativos. Hoje em dia, apenas 13%. E o que tomou o espaço não foi necessariamente o investimento passivo e indexado. O que já responde por quase 50% das transações são exatamente as transações HFTs com algoritmos e inteligência artificial.
Portanto a “catalogação” de suas interações deve seguir um padrão de ciência de dados onde toda a parte qualitativa possa se tornar algo mensurável. Isso porque boa parte do que ocorre ficará fora de seu controle. Todos sabem que a maioria das companhias já usa inteligência artificial em alguns aspectos do fluxo de trabalho. As pesquisas em relação a texto e palavras vêm avançando com muita rapidez. Trata-se de algo que antevejo estar presente muito em breve na parte de relatórios de CRM.
Com a pandemia, todas as atividades tornaram-se virtuais. As conferências e seminários tornaram-se teleconferências. O único que se discute, em termos de melhores práticas, é algo bem básico, qual o número eficiente de pessoas que podemos ter por teleconferência (num dos principais provedores Zoom, Webex, etc...). Mas os gestores e contatos não possuem apenas telefone e e-mail. Eles são um manancial de outras informações críticas. O quanto gerenciam da minha ação? No setor? No país? Estão vendendo ou comprando? O quê?
Dito isso, temos que ter cuidado para não nos afogarmos com excesso de informação. A filtragem torna-se parte crítica para se trabalhar com o essencial. Uma das questões culturais curiosas, que observamos no Brasil, é o de ser um mercado conhecido no exterior como “full disclosure”, ou seja, a companhia tem ciência, através do seu banco custodiante, de quem compra e vende suas ações diariamente no nível de fundo (mas não de gestor que é a peça chave).
O mesmo não ocorre nos EUA, apesar de ser um mercado mais desenvolvido, levando em consideração outros aspectos. Isso leva a uma espécie de frenesi por parte do management querendo fazer uma gestão de quem entra e sai diariamente. Nos EUA, por exemplo, essa informação, em termos de dados públicos, só é obtida a cada trimestre. Portanto, nem tanto ao céu ou ao mar. Trabalhar com dados semanais, ou mensais, é suficiente para se compreender alguma tendência. Principalmente porque os profissionais de RI estão falando com os gestores toda semana, ou todo dia.
Hoje em dia a interlocução interna com equipes de estratégia e sustentabilidade criou quase que um RI paralelo. Realmente muito tempo é gasto. Principalmente a interlocução relacionada a ESG. Sobre esse tema, eu sou um pouco cético e vou revelar minha posição de “contrarian” em relação ao que vem sido cogitado, ainda no âmbito de RI. Não teremos nunca uma normatização de regras via relato integrado. Tais tentativas são e serão infrutíferas. Se não existe até hoje para a contabilidade, totalmente quantitativa, não teremos para ESG, para além do meio-ambiente e questões sociais. O melhor é criar um repositório único e customizado.
E quando a companhia for instada a fazer um relato utilizando um dos principais marcos (SASB, GRI, TCFD etc...) que ele saia pronto em pouco tempo de um repositório. Voltando ao ponto do relato integrado. Eu nem sei se é algo desejável. Seria como se a humanidade falasse um idioma. Perderíamos em explicação e nuance. As demandas são muito distintas e o melhor é munir-se do maior número de dados possíveis, e criar relatórios de sustentabilidade de acordo com a necessidade do momento.
Durante essa travessia, será necessário um parceiro externo ou consultor que tenha soluções sob medida. Alguns serviços podem ser os chamados “off the shelf”, já prontos. Mas em se tratando de ESG, trabalha-se com materialidade e a questão é extremamente criteriosa. Há um universo particular em cada companhia. O DNA pode ser 99% igual como nos humanos, mas esse percentual mínimo nos expõe a diferenças de cultura e materialidade significativas. Eu gosto de dizer que pouco fala-se do “G” em ESG pois a governança é o tópico menos glamouroso e o mais difícil de compreensão. Por outro lado, ouso dizer, é o mais importante e estruturante.
No próximo artigo tentarei abordar a governança, essa esquecida, em tempos de ESG.
Fernando Carneiro
é diretor de Issuer Solutions - LatAm para a IHS Markit.
fernando.carneiro@ihsmarkit.com