A B3 publicou em agosto edital de audiência pública com novas regras para que as companhias listadas aumentem a diversidade de gênero e a representatividade de grupos minorizados em cargos de alta liderança dentro das empresas. A ideia é criar um Anexo ESG para fazer parte do Regulamento para Listagem de Emissores, cujas normas comecem a vigorar no próximo ano.
A Abrasca está alinhada com a B3 com relação à importância da implementação de medidas para promover diversidade e inclusão. São princípios que há algum tempo vem sendo debatidos pela entidade e que já fazem parte de iniciativas e projetos desenvolvidos por grande parte das companhias associadas.
A questão é que, para um assunto tão relevante como este, a B3 concedeu somente um mês para as empresas se manifestarem, justamente os agentes econômicos que são o alvo da medida. Foi um prazo exíguo que não permitiu às associadas tempo para estudar, debater e formular adequadamente um posicionamento sobre um assunto que está na pauta das suas prioridades estratégicas. Usualmente, os prazos praticados internacionalmente para exame dessas questões são bem mais longos.
A própria B3 certamente estudou o assunto por um tempo muito maior e continua a utilizar um período até mais dilatado para consolidar a audiência pública. É incompreensível a exiguidade do prazo dado às companhias. Há empresas que levam esses temas aos seus conselhos de administração, que se reúnem de acordo com cronogramas anuais. Nesse período da audiência, houve muitos casos em que os conselhos não puderam ser ouvidos como deveria ter ocorrido porque não havia reunião programada, prejudicando a formulação do posicionamento da companhia.
Mesmo diante das considerações expostas pela Abrasca, a B3 não achou conveniente dilatar o prazo para receber sugestões. Com isso, a etapa de compatibilização das propostas das companhias não pode ser totalmente concluída: as sugestões foram aprovadas pela maioria, mas sem unanimidade. A carta-resposta da Abrasca – enviada no último dia do prazo da audiência – foi concluída pela nossa equipe técnica sem o refinamento habitual.
A Abrasca pleiteou mais tempo porque a proposta da B3 não se restringia apenas a diversidade e inclusão, mas envolvia outros tópicos relacionados a procedimentos internos das companhias. No edital da audiência, por exemplo, havia temas relacionados à remuneração da administração, à política de indicação e ao relato de práticas ESG. Além disso, julgamos importante o entendimento que as empresas estão em estágios distintos de maturidade na pauta ESG, e, portanto necessitam de mais tempo para analisar e debater com profundidade os temas propostos pela B3.
Analise das questões
Cabe citar também que a iniciativa da Bolsa cria sobreposições de obrigações, pois alguns tópicos já estão incluídos no regulamento de listagem e em outros dispositivos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Com relação a esse ponto, a nossa recomendação foi a de que essas alterações sejam levadas para os regulamentos dos segmentos especiais (Novo Mercado, Nível 2 e Nível 1). Isso vai permitir que cada companhia se posicione de acordo com a sua realidade/estágio de evolução em relação às propostas, especialmente aquelas que fogem do tema diversidade e inclusão.
A Abrasca, em resposta a uma pergunta do Edital da B3, sugeriu que as medidas sejam aplicáveis apenas para as companhias dos segmentos especiais de listagem, excluídas as de menor porte e/ou que possuam percentual maior que 15% das ações negociadas fora do bloco de controle (free float). Concordamos também com a exclusão das companhias emissoras de BDR Patrocinado da abrangência do anexo.
Por outro lado,, no atual estágio da agenda ESG no Brasil, seria mais relevante e eficaz promover o engajamento dentro da empresa para que os conselhos ou diretorias fossem reflexo de sua força de trabalho, sem a exigência específica da quantidade de membros nesses órgãos de administração, pelo menos inicialmente. Considera-se prioritário implementar medidas para aumentar a diversidade e inclusão em todos os níveis da administração, começando pelos mais básicos. As associadas não consideram prudente a B3 tornar obrigatória a diversidade de gênero e representatividade de grupos minorizados iniciando pelos cargos de alta liderança dentro das companhias.
“Em sua opinião, algum grupo deveria ser incluído na definição de comunidade minorizada ou excluído?” Para essa questão a Abrasca argumentou que, em consonância com o modelo “pratique ou explique”, adotado no Anexo ESG, as associadas entendem que cada empresa deve ter a liberdade de identificar os grupos minorizados, cujas iniciativas de diversidade pretendem proteger, para além daquelas categorias definidas no anexo.
Essa identificação deve se dar de forma justificada, levando-se em consideração os públicos impactados pela empresa, seu modelo de negócios, o impacto de suas operações e suas localidades de atuação. Por exemplo, uma empresa que explore atividade mineradora ou agricultura sustentável em áreas florestais pode definir grupos indígenas ou quilombolas como grupos minorizados. A Abrasca sugeriu também que seja considerada a diversidade de uma forma mais ampla, de acordo com a realidade social brasileira.
Esta metodologia tem a clara vantagem de criar uma norma flexível, fluída, que permitirá que cada empresa atenda suas comunidades minorizadas impactadas de forma mais efetiva, sem ficarem vinculadas a uma agenda pré-definida e estanque de diversidade.
A B3 quis saber também: os prazos propostos para a adaptação progressiva à Medida ASG 1 estavam adequados?
A maioria das associadas disse que não, porque as medidas alteram a estrutura da administração das companhias; acham também que precisam de mais tempo para aferir os dados que refletem diversidade. É considerado como prazo ideal para adaptação das companhias listadas o período de três e quatro anos, respectivamente, após o início da vigência do anexo. Os prazos propostos pela B3, portanto, seriam aumentados em um ano. Vale lembrar que, na regra aprovada pela Nasdaq, foi concedido o período de dois anos para praticar ou explicar a existência de um membro diverso no conselho e o período de quatro a cinco anos (a depender do caso) para praticar ou explicar a existência de dois membros diversos no conselho.
Por fim, sugerimos que a B3 avalie a pertinência de criar programas de treinamento em parcerias com organizações de recrutamento e recursos humanos focados em diversidade e comunidades minorizadas. O objetivo seria o de oferecer às empresas abertas brasileiras consultoria em recrutamento de talentos minorizados, possivelmente com banco de currículos e perfis específicos de tais grupos.
Eduardo Lucano da Ponte
é presidente-executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca).
abrasca@abrasca.org.br