Nos últimos anos, a temática da sustentabilidade está cada vez mais em alta. Pouco a pouco, nós, como sociedade, começamos a entender os nossos impactos sobre o planeta e a necessidade de pensar em soluções sustentáveis para mitigar estes riscos. Dessa forma, não poderia ser diferente em grandes eventos internacionais como a Copa do Mundo - que a cada quatro anos se torna novamente o assunto do momento.
Este ano, mais do que nunca, há uma grande expectativa sobre o evento para que as entidades responsáveis por sua organização se atentem às questões de sustentabilidade e utilizem uma abordagem estratégica Greentech (tecnologia verde) a seu favor nesta jornada. Os olhos do mundo todo estão agora voltados para o Catar, país que sediará a Copa este ano, para observar e fiscalizar as medidas que serão tomadas para neutralizar os impactos de um evento deste porte. Mas, para entendermos essas medidas, precisamos antes compreender o que é Greentech e como pode auxiliar a jornada de sustentabilidade da Copa do Mundo.
Greentech: o que é?
Greentech é o termo usado para designar todo um ecossistema de tecnologias verdes. Este conceito dá origem ao próprio nome: green (verde) + tech (tecnologia). Mas, apesar de associarmos tecnologia necessariamente a softwares e informática, ‘tech’, neste caso, vai muito além disso.
Tecnologia, no conceito de Greentech, refere-se a todas as iniciativas das organizações, empresas, entidades e sociedade que têm como objetivo levar à chamada Revolução Verde — ou seja, levar o mundo para um patamar sustentável —, sejam elas tecnologias potencialmente disruptivas e que usem softwares, ou conhecimentos técnicos que tragam mudanças na forma de fazer as coisas, através de novos métodos e processos. A captação de carbono, por exemplo, faz parte do ecossistema Greentech e não é apenas software; envolve também todo um mecanismo, com questões químicas e físicas.
No esquema abaixo, podemos observar mais dos diversos componentes do ecossistema Greentech:
Fonte: Bravo Research
Ao centro, temos todas as tecnologias que são aplicadas ao mercado de sustentabilidade. Ao redor, no primeiro círculo, encontramos vendedores de tecnologia e provedores de soluções e serviços. Mais afora, no círculo maior, observamos todas as questões regulatórias: as agências do governo, os reguladores, as PMEs (pequenas e médias empresas), as aplicações de negócio e o sistema de provedores desse negócio, e as grandes empresas.
Em luz da crescente preocupação acerca das questões climáticas e de sustentabilidade, o mercado deste ecossistema Greentech tem seguido uma linha ascendente nos últimos anos. Segundo pesquisas da Bravo Research, braço de insights e inteligência da Bravo GRC, a estimativa é que este mercado siga em alta no futuro próximo:
Fonte: Bravo Research
Greentech e Copa do Mundo
Para pensar Greentech na questão de grandes eventos, especificamente a Copa do Mundo, precisamos olhar para diversas questões. Não basta simplesmente mensurar a pegada de carbono — promessa feita para esta Copa com a qual a Fifa (Federação Internacional de Futebol), inclusive, está enfrentando grandes dificuldades —, é preciso também se atentar a muitas outras variáveis.
A título de exemplo, o que vai acontecer com os estádios construídos para o evento após o fim da Copa? Este, também, é um fator que faz parte de uma decisão sustentável. Afinal, o Catar é um país pequeno, com pouco menos de três milhões de habitantes, e não tem uma tradição no futebol como o Brasil.
Neste caso, foi adotada uma estratégia mais ou menos clara sobre a finalidade dos estádios pós-Copa. Apenas um dos estádios, que é mais antigo, vai manter a capacidade de 40 mil pessoas. Os demais terão sua capacidade reduzida para 20 mil, enquanto outro pode ser transformado em um parque. Estas são medidas importantes para evitar que as construções caiam em desuso.
Outras questões precisam ser ponderadas, como a geração de carbono no transporte dos milhões de pessoas que devem se locomover ao país. Como em toda Copa do Mundo, espera-se um grande fluxo de turistas e trabalhadores estrangeiros. Sabendo da imensa quantidade de toneladas de carbono que serão geradas nesse processo, é preciso pensar: qual é a visão necessária para neutralizar este impacto já na origem? É possível, por exemplo, usar um sistema de transporte mais estável?
Neste sentido, uma das propostas do comitê organizador da Copa do Mundo 2022 é realizar um evento mais compacto. Nas duas edições anteriores - realizadas no Brasil, em 2014, e na Rússia, em 2018 -, as distâncias continentais entre os estádios onde foram realizados os jogos representaram um problema na locomoção. Ao concentrar todas as partidas em Doha, capital do Catar, a organização do torneio pretende impactar positivamente a pegada de carbono.
Há também o fator da alimentação: o que é sustentável neste caso? Ou, em outro exemplo, a questão dos impactos causados pelos aparelhos de ar-condicionado, que serão usados em massa, uma vez que o clima no país é conhecido por suas elevadas temperaturas.
Em relação à economia circular, precisamos pensar do ponto de vista dos produtos que circularão por lá, a fim de desenvolver estratégias de engenharia reversa, em que exista a possibilidade de recuperação, tratamento e reutilização destes produtos.
E os fatores a serem ponderados não param na questão climática. Quando falamos em Greentech, precisamos pensar também em gestão de riscos. A Copa do Mundo é um evento gigante, que envolve, inclusive, a atenção às questões de cibersegurança e privacidade de dados, além da segurança física do público e trabalhadores de todas as áreas do evento. Este é, portanto, um assunto complexo e multifacetado, que precisa ser pensado do ponto de vista de toda a materialidade dos impactos que serão causados, e o que pode ser feito para que sejam neutralizados.
Neste sentido, o papel da tecnologia verde é auxiliar na visão sistêmica que deve ser empregada, analisando as várias partes de um todo para componentizar e tratar esses assuntos de forma particularizada. A Greentech pode prover tecnologias, métodos e novas formas de pensar problemas complexos.
Promessas de sustentabilidade na Copa do Mundo 2022
A Fifa, entidade responsável pela organização das Copas do Mundo, prometeu que a edição de 2022 do evento esportivo seria a primeira da história totalmente neutra em emissões de carbono.
A meta foi formalizada ainda em 2020, ano em que foi publicada a Estratégia de Sustentabilidade da Copa do Mundo do Catar, que previa um evento mais compacto e sustentável do que suas versões anteriores. Entre as ações, além da neutralização da pegada de carbono, foi proposto o monitoramento da poluição do ar, a redução da produção de lixo, medidas para construções mais sustentáveis, a economia no consumo de água e o aumento da reciclagem.
Caso sejam efetivamente realizadas, os impactos destas medidas serão extremamente positivos. E não apenas de forma material; é também um grande exemplo para o mundo todo de que é, sim, possível realizar ações para diminuir os impactos da interferência humana no meio ambiente, mesmo em um evento de alta complexidade como a Copa do Mundo.
Assim, várias tecnologias que eventualmente forem utilizadas para estes fins poderão ser replicadas em empresas, cidades, estados e países. É o efeito cascata: as medidas que forem desenvolvidas para atender às necessidades de sustentabilidade da Copa poderão alterar permanentemente a forma como fazemos as coisas.
Nós já vimos isto acontecer antes. Se hoje temos em nossos carros tecnologias como freios ABS, direção dinâmica e alarmes de pré-colisão, devemos muito disso à Fórmula 1. Ou seja, estes avanços foram desenvolvidos em um ambiente de extrema complexidade e alto nível de competição, e subsequentemente trazidos para o mundo real, a fim de aprimorar a segurança nos automóveis que dirigimos no nosso dia a dia.
Carbon Market to Watch
Entretanto, há uma polêmica em relação à efetividade destas promessas. Em um relatório divulgado recentemente, a organização não-governamental Carbon Market to Watch (CMW) apontou que o comitê organizador da Copa do Mundo estaria provavelmente subnotificando as emissões de carbono projetadas para o evento. Segundo o estudo, estas podem ser até oito vezes maiores do que o estimado, e os créditos de carbono comprados para compensar essas emissões devem ser insuficientes.
A ONG levantou ainda a preocupação acerca da utilização das arenas após o evento, uma vez que, antes de ser nomeada sede da Copa do Mundo 2022, Doha possuía apenas um grande estádio. Agora, outros sete foram construídos.
O relatório também critica a estratégia de absorção de emissões de carbono através da construção de um viveiro de árvores e grama em grande escala. Segundo a CMW, é inverossímil que esta medida tenha efeitos duradouros.
Estes apontamentos, se comprovados, têm uma série de impactos negativos. Neste caso, teríamos o efeito cascata reverso: da mesma forma que as ações, se realizadas, trariam diversos impactos positivos; não fazer, e pior ainda, omitir ou criar uma versão enganosa da realidade, é altamente pernicioso. Passaria a imagem, para o resto do mundo, de que não estamos preparados ainda para alcançar soluções eficientes para as questões de sustentabilidade. Como consequência, perderíamos essa oportunidade de desenvolvimento e evolução de tecnologias benéficas para o homem e o meio ambiente.
Naturalmente, as entidades responsáveis pela organização da Copa do Mundo do Catar se mantêm firmes em sua defesa contra as críticas. Um representante do comitê afirmou ao jornal britânico The Guardian que as informações divulgadas pela CMW são “especulativas e imprecisas”. A Fifa também contesta o relatório, assegurando que já possui planos em ação para o uso dos estádios após o torneio, e que não cabe calcular a pegada de carbono deixada pelas arenas com base somente em seu uso durante o evento.
A Copa do Mundo de 2022 começa em 21 de novembro e se estende até 18 de dezembro. Só então poderemos observar de forma precisa a eficiência das medidas tomadas para neutralizar os impactos ambientais a curto e longo prazo. Esperamos que as promessas de sustentabilidade sejam cumpridas para que possamos tirar deste evento um bom exemplo dos avanços que estão sendo feitos rumo a uma sociedade mais consciente.
O tabuleiro global das práticas ESG está se movimentando em muitas direções e, certamente, o palco da Copa do Mundo é uma oportunidade de andarmos algumas casinhas para frente; é o que todos esperamos.
Claudinei Elias
é CEO e fundador da Bravo GRC e Conselheiro Deliberativo do Instituto Capitalismo Consciente Brasil (ICCB).
claudinei.elias@bravogrc.com