A invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro deste ano, para além dos horrores de uma guerra inesperada, em um mundo ainda convalescente pelos gigantescos estragos trazidos pela pandemia da Covid-19, tem causado enormes discussões entre visões otimistas e pessimistas.
Se você é conselheiro, faz parte de um comitê de conselho ou tem algum papel decisório em uma companhia listada na B3 ou em qualquer bolsa do mundo, depende de financiamento, é um investidor, ou, de alguma forma faz parte do ecossistema financeiro, com certeza, dedica grande parte da sua vida profissional à avaliação de riscos e oportunidades.
Tais riscos e as oportunidades precisam abranger toda a cadeia de valor. É necessário realizar uma devida diligência de direitos humanos na cadeia de fornecimento, na cadeia de distribuição, para além dos muros da companhia. Ouvir as partes relacionadas, entender o que é mais importante, conhecer amplamente os impactos no meio ambiente, nas pessoas e na sociedade, além de captar a opinião e se engajar com os stakeholders de forma contínua.
E, como começar? Como integrar o ESG à estratégia da companhia? A resposta está nos padrões e estruturas (standards e frameworks) que foram pensados para incorporar os impactos ambientais, sociais e econômicos à materialidade do negócio. Um deles é a Global Reporting Initiative (GRI), utilizado por mais de 75% das maiores companhias do mundo, a qual lançou no fim de 2021, as normas e padrões revisadas e que entram em vigor a partir de janeiro de 2023, ou seja, as empresas que relatarem sobre o período de 2022, precisam utilizar a norma revisada. E o que isto significa? Resumidamente:
O grande coração de qualquer processo de relato, que é a materialidade, mudou.
Agora são 4 passos para se obter a materialidade. A priorização dos impactos passou a ser com base na probabilidade e na severidade (a matriz anterior perdeu o sentido).
A devida diligência de Direitos Humanos na cadeia de valor ganhou uma maior relevância. Este fator deve-se a novas regulações globais, cujos negócios sujeitam-se ao compromisso de agirem de forma responsável nas condutas com respeito aos direitos humanos.
Os stakeholders passaram a ser ouvidos o ano todo, de acordo com a norma revisada. Recomenda-se, inclusive, ganharem assento permanente em comitês de especialistas, ou seja, ganharam um status muito mais estratégico do que na norma anterior, quando era indicada a pesquisa pontual para fins de obtenção dos tópicos (termo substituído por temas) a serem priorizados na materialidade.
A boa notícia é que as normas acabaram de ser publicadas em português, em um grande esforço da GRI, o qual tive a honra de acompanhar de perto e colaborar como chair do comitê de revisão de tradução dos diversos cadernos. Este trabalho iniciou no fim do ano passado.
As normas GRI harmonizam-se com as demais, como o framework do Relato Integrado, agora sob o guarda-chuva do IFRS e que utiliza como conteúdos o SASB (Sustainability Accounting Standards Board). Ambas as instituições estão conversando para que seja contemplada a dupla materialidade ao novo padrão do relato integrado.
A quem deseja obter um selo ESG, a resposta alternativa é que este caminho é uma jornada. A companhia pode sim estabelecer algumas ambições e, parafraseando os gurus da sustentabilidade como Paul Polman, John Elkington e outros de grande respeitabilidade, quanto mais ambição maior será a mobilização da companhia para buscar aquele objetivo. Querer ter um Selo de Empresa B (B Corp) ou se a companhia for listada, fazer parte de alguns dos índices como o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), fazer parte de uma premiação de melhores relatórios e tantas outras, são metas importantes. O relatório de sustentabilidade dará sustentação e ajudará a chegar lá. Sem ele, a companhia opera sem um plano de vôo e poderá não alcançar o alvo.
Por isso mesmo, aplaudimos quando vimos conselheiros buscando conhecimento sobre ESG em nossos cursos de certificação GRI e IFRS. E este tem sido um movimento que começou a aumentar recentemente. É belíssimo ver quando um CEO ou os membros do conselho, durante o processo de construção do relato, verdadeiramente se comprometem com o passo a passo e aproveitam para rever e/ou construir a estratégia de médio e longo prazos da companhia, estabelecer metas ambiciosas de transição, tanto ambientais, quanto as relacionadas às pessoas e à própria governança.
Interessante observar o amadurecimento, tanto de quem faz e que, portanto, sentem as dores da transformação, que são os atores da cadeia de valor produtiva, como os stakeholders que injetam confiança para permitir que ocorra toda esta espiral acelerada de inovação, que são os investidores, tanto os de recursos como talento, como os de recursos financeiros e tecnológicos. O elo entre todos é a confiança construída a partir da informação crível para tomada de decisão ao longo do tempo.
Sensibilizar o colegiado para uma busca mais aprofundada de conhecimento em como incorporar os impactos ambientais, sociais e de governança na definição da materialidade da companhia em que atuamos é papel de todo conselheiro. Há diversos recursos para atingir este objetivo. Afinal, a sustentabilidade é tudo que a companhia faz. Ela está incorporada nas inovações, no design de novos produtos ou serviços, na abordagem das diversas políticas internas e nas estratégias relacionadas às pessoas. E, capturar as oportunidades trazidas pela transição para uma economia de baixo carbono, igualmente fazem parte deste rol de atribuições. O caminho está dado e o conhecimento em um sistema de gestão, como a GRI, ajuda a navegar rumo ao desenvolvimento sustentável.
Daniela Manole
Conselheira de Empresas, certificada CCA, IBGC. Membro das comissões de estudos em sustentabilidade e de empresas familiares do IBGC. CEO & Founder Bridge3 Governança & ESG, Training Center GRI e IFRS no Brasil.
daniela@bridge3.com.br