A adoção de boas práticas de governança corporativa é fator crítico para a mitigação de riscos, para a redução do custo do capital e para a atração de investimentos. O Brasil, apesar de alguns reveses aqui e acolá, tem avançado firmemente nessa direção. Ao progresso da regulação, vêm se juntando ao longo do tempo outras iniciativas, algumas das quais já amplamente consolidadas em nosso mercado de capitais, a exemplo do Novo Mercado, outras mais recentes, como o Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas. Desenvolvido pelo Grupo de Trabalho Interagentes, composto por onze das mais representativas entidades do mercado, entre as quais a APIMEC, esse Código foi incorporado à Instrução CVM 586, de 2017.
Entre outras consequências dessa evolução no campo da governança corporativa das companhias, está a profissionalização de seus conselhos de administração e fiscais, assim como a instalação – às vezes mesmo com previsão estatutária – de comitês de assessoramento, não só de auditoria – os mais comuns -, mas também relativos a várias atividades consideradas essenciais pelas companhias. Constituem-se assim comitês de pessoas; de investimento; de partes relacionadas, entre outros.
Esse movimento de profissionalização vem ocorrendo não apenas em razão das crescentes exigências da regulação, ou por causa das mudanças de percepção de investidores – cada vez mais ocupados e preocupados com temas associados à tríade ASG (questões ambientes, sociais e de governança) -, mas também por iniciativa das próprias companhias, que encamparam essas agendas de mudança.
Os investidores vêm se tornando mais ativos, assim como mais seletivos e criteriosos em suas indicações de conselheiros e membros de comitês de assessoramento, enquanto as companhias vêm acolhendo – não poucas vezes por iniciativa própria – propostas para a formação de conselhos e comitês de assessoramento mais engajados e com alto nível de profissionalização.
Abra-se aí um campo de trabalho para profissionais de investimento experimentados. Esses profissionais, no curso normal de suas atividades, lidam exaustivamente com ferramentas que são também instrumentos essenciais e necessários para uma atuação eficaz em conselhos – de administração ou fiscais – ou comitês de assessoramento.
A caixa de ferramentas do profissional de investimento inclui – necessariamente – bons conhecimentos de contabilidade; de finanças; de técnicas de avaliação de empresas, negócios e projetos; de técnicas e de negociações envolvidas em processos de fusão, aquisição ou cisão; de legislação societária. Boa visão e tino para negócios, que lhes habilitem a identificar riscos e oportunidades das companhias e setores de atividade que acompanhem, também lhes são exigidos e se incorporam às suas rotinas. Frequentemente conhecem com muita profundidade aspectos operacionais das companhias, suas plantas, políticas comerciais, etc. O mercado desses profissionais, especialmente no chamado “sell side”, tem se segmentado, demandando alto grau de especialização e de conhecimento sobre certas indústrias e companhias.
Outra valiosa contribuição que os profissionais de investimento podem trazer às companhias, uma vez que passem a integrar seus conselhos fiscais ou de administração, ou seus comitês de assessoramento, é o ponto de vista do mercado, da companhia vista de fora para dentro. Essa perspectiva integrada, holística, é tão rotineira a profissionais de investimento – afinal, é uma exigência da profissão – que lhes passa despercebida como tal. Mas a lufada de ar fresco que isso pode trazer às discussões nos foros de governança das companhias tem valor.
Até recentemente, não era comum encontrar profissionais de investimento, no desenvolvimento natural de suas carreiras, como membros de conselhos ou de comitês de assessoramento. Esse quadro, no entanto, vem se modificando nos últimos anos. Hoje, e de maneira crescente, já se encontram esses profissionais em maior número nos conselhos de administração, fiscais, comitês de auditoria, entre outros foros especializados de governança das companhias.
Isso provavelmente se deve a um conjunto de fatores. Primeiro, reflete um reconhecimento da efetividade da contribuição que tais profissionais podem trazer.
É também uma consequência do avanço no processo de profissionalização desses órgãos de governança, com ênfase nos aspectos de isenção, independência, eficácia, especialização e assertividade.
Por último, mas não menos importante, há um crescente ativismo de investidores. Administradores estrangeiros de recursos têm uma tradição bem cimentada de cumprimento mais estrito de obrigações fiduciárias, compreendendo a escolha de candidatos e o voto nas assembleias que elegem administradores e membros de conselhos fiscais das companhias em que investem. O mesmo comportamento tem sido adotado por gestores locais, com ênfase em casas independentes que ganharam corpo e importância nos últimos anos, inclusive (ainda que não somente) como desdobramento da fantástica expansão das plataformas de distribuição de valores mobiliários nos últimos tempos.
O caminho está aberto, mas há ainda muito terreno a percorrer. De um lado, os profissionais de investimento, seguindo a trilha deixada por colegas que lhes precederam, podem colocar as posições de conselheiro ou membro de comitê de assessoramento em seus planos de carreira. Não é algo simples, pois a transição não é automática, exige preparação às especificidades e às exigências (algumas severas) desses cargos, mas totalmente factível.
Do outro lado do balcão, temos as próprias companhias e seus investidores, sejam eles controladores ou não. Foram investidores de porta-fólio, não controladores, que iniciaram esse movimento de atração de profissionais de investimento para posições em órgãos de governança das companhias. Isso provavelmente ocorreu por conta de seus administradores terem rotineiramente mais contato e maior proximidade com esses profissionais, estando, portanto, em condições de mais prontamente identificar suas potencialidades. Crescentemente, as companhias e seus controladores também têm feito esse reconhecimento.
O engajamento de profissionais de investimento em conselhos fiscais e de administração, assim como em comitês de assessoramento à administração de companhias e entidades do terceiro setor, deve ser bem-vindo e estimulado, inserindo-se no processo mais amplo de aprimoramento e de evolução da governança corporativa no Brasil.
Todos os interessados terão a ganhar com isso.
Reginaldo Alexandre
é analista de investimento (CNPI) e membro de conselhos de administração e fiscais.
reginaldofalexandre@uol.com.br