Estratégias Digitais

RISCOS REPUTACIONAIS & TRANSFORMAÇÃO DIGITAL

A reputação de uma empresa frequentemente supera 25% do seu valor de mercado, chegando a mais de US$ 16 trilhões da capitalização de mercado nas maiores bolsas de valores do mundo. Ainda que valiosa, a reputação é um ativo frágil e de recuperação lenta e custosa. Com o fenômeno da Transformação Digital, novos eventos fomentam os riscos reputacionais e cabe ao Conselho de Administração monitorar o mapeamento, a mitigação, o estado de prontidão organizacional e o eventual contingenciamento de eventos adversos. O momento não exige novas ferramentas, mas um olhar treinado para o impacto das mudanças no contexto de negócio.

O ambiente corporativo hiper conectado expõe as corporações aos riscos de imagem em escala e velocidade jamais experimentados. Os milhões de consumidores engajados em redes sociais são capazes de repercutir percepções individuais e descontruir em poucas horas, reputações consolidadas ao longo de anos.

Poucos meses atrás uma matéria prima contaminada provocou a morte de ao menos 100 cachorros fazendo com que o fabricante do petisco interrompesse a produção, o varejo removesse das prateleiras todas as marcas da empresa e, nas redes sociais, milhões de consumidores agora associam estas marcas à morte de animais. A empresa, com sede em Guarulhos, segue fechada. A formação de opinião em larga escala produz o fenômeno do cancelamento da marca e consequente exílio no isolamento nas empresas non-grata.

Enquanto o risco de imagem de uma empresa está associado à forma como ela é percebida no curto prazo, a reputação resulta do conjunto de interações com seus stakeholders e sociedade ao longo dos anos. A reputação de uma empresa pode responder por mais de 25% do seu valor de mercado, chegando a mais de US$ 16 trilhões da capitalização de mercado nas maiores bolsas de valores. Ainda que valiosa, a reputação é um ativo frágil, vulnerável à destruição instantânea, e de recuperação é lenta e custosa - quando não, impraticável. É papel do Conselho de Administração diligente, monitorar o mapeamento, a mitigação, o estado de prontidão organizacional e o eventual contingenciamento de eventos adversos.

Os riscos reputacionais afetam a confiança em torno da empresa e suas marcas. Confiança dos clientes, empregados, fornecedores, reguladores, da comunidade e dos investidores. Questões éticas podem envolver todo tipo de corrupção, condições de trabalho ou uso de dados de terceiros. Temas operacionais afetam a qualidade de produto, relacionamento com clientes ou mesmo riscos de acidentes de trabalho. Há também os riscos associados às decisões controversas, tais como declarações de executivos ou práticas corporativas dissonantes das políticas anunciadas. Por exemplo, em 2014 a Volkswagen envolveu-se no escândalo ao ser revelado que escondeu taxas elevadas de emissão de gases de seus veículos, levando à saída do CEO em setembro de 2015.

Com o fenômeno da Transformação Digital (TD), novos eventos fomentam riscos reputacionais na medida em que os processos e modelos de negócios são redesenhados e adotam soluções de Inteligência Artificial (IA), tais como aprendizado de máquina ou processamento de linguagem natural (NLP), blockchain, realidade aumentada ou RPA (robotic process automation). O uso IA pode ser como lidar com uma caixa-preta, sem qualquer visibilidade sobre como as recomendações são estruturados, levando, potencialmente, a decisões inadequadas ou inapropriadas.

Por exemplo, a Goldman Sachs, responsável pelo cartão de crédito da Apple, se viu envolvida em uma investigação sobre o possível viés de seu algoritmo de IA que, supostamente, discriminava mulheres no momento de concessão do limite de crédito. Este evento cola na Apple o risco reputacional de posicionamento, típico de empresas com dificuldade de lidar com temas como diversidade, representatividade, equidade de gênero, inclusão ou sustentabilidade. Em caso similar, a Optum, empresa americana de gestão de saúde, foi investigada por supostamente utilizar um algoritmo de IA que recomenda aos médicos e enfermeiras dar mais atenção aos pacientes brancos do que aos pretos. Além da consequente prática discriminatória, este evento expõe um viés de origem associado à baixa qualidade do serviço prestado – risco de processo.

As autoridades tentam reagir. Aspectos regulatórios que tangenciam o tratamento de dados devem ser observados à luz do dinamismo de suas atualizações. Regulações como a European Union’s General Data Protection Regulation, a California Consumer Privacy Act (AB 375) e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD, Brasil) miram a segurança de todos os stakeholders. Normalmente associamos tais riscos ao vazamento de dados de cliente. Mas e se os dados de seus empregados fossem expostos? Quanto custaria para fornecer a eles uma solução?

Ainda, como apresentado em meu artigo “O conselho de administração e os modelos de negócio em plataforma” (edição agosto/2022), uma empresa que opta por modelos de negócios em plataformas digitais, tais como marketplaces ou aplicativos de match ou de delivery, devem garantir acesso dos usuários maneira simples e rápida, usualmente via internet e mediante o compartilhamento de dados pessoais. Neste contexto, existem implicações legais e regulatórias, podendo expor a empresa a riscos reputacionais e financeiros.

Os eventos de caráter social também expõem as empresas aos riscos reputacionais ao danificar o relacionamento entre o cliente e a marca. Os chamados chatbots, robôs que automatizam conversas via sites e aplicativos, utilizam soluções de NLP (tipo de aplicação de IA) para escalar a quantidade de clientes atendidos em prazo curto. Mas a Microsoft lançou em 2016 um chatbot baseado em IA que tuitava colocações racistas em misóginas. E em 2018 foi a Amazon, com seu chatbot acusado de discriminar mulheres. As despesas em conversas comerciais cresceram 63% entre 2021 e 2022 e deve continuar neste ritmo até 2025 – o que significa que muitas empresas, e suas marcas, navegarão pela primeira vez pelos mares dos chatbots, expostas aos eventos sociais negativos e consequentes riscos reputacionais.

O momento não exige novas ferramentas para a gestão dos riscos reputacionais - apenas um olhar treinado e atendo para o impacto resultante das mudanças no contexto de negócio produzidas pela adoção de estratégias de transformação digital. Adicionalmente, questões culturais devem ser observadas de forma a promover os valores de ética e compliance. É necessário um ambiente corporativo baseado na confiança e empatia, no qual as pessoas não tenham o medo de denunciar as situações de riscos reputacionais que ameacem os valores da empresa e a força da marca.

Alexandre Oliveira
é Conselheiro de Administração com foco em Estratégias e Riscos da Transformação Digital. Membro da Comissão de Estratégia do IBGC, da Agroven (Smart Money for AgTechs) e CEO da Cebralog Consultoria. Doutorando em IA nas Decisões Corporativas (Unicamp), pós-graduado Negócios Digitais (MIT) e em Finanças (Unicamp). Mestre em Supply Chain (Cranfield University).
oliveira.a@cebralog.com


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