O advogado João Pedro Barroso do Nascimento, Doutor e Mestre em Direito Comercial pela USP; Pós-Graduado em Direito Empresarial (com concentração em Direito Societário e Mercado de Capitais) pela FGV Direito Rio; e Graduado em Direito pela PUC-Rio, tomou posse em 18/07/2022 - para cumprir um mandato de 5 anos à frente da presidência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Com mais de 20 anos de experiência, tanto em escritórios de advocacia com reconhecida atuação em Direito Empresarial, com enfoque nas áreas do Direito Societário, Mercado de Capitais e Operações M&A; quanto no ambiente corporativo, onde foi Gerente Geral Jurídico de Grupo Societário, que à época contemplava inúmeras companhias abertas do Mercado de Capitais do Brasil. Desde 2010, é Professor Titular da FGV Direito Rio, nos cursos de Graduação e Pós-Graduação, tendo sido membro das Comissões Especiais de Direito Societário e de Regulação do Mercado de Capitais do Conselho Federal da OAB. É, ainda, autor dos livros: Medidas Defensivas à Tomada de Controle das Companhias; Assembleias Digitais e Outros Reflexos das Tecnologias nas Assembleias de Sociedades Anônimas; e Temas de Direito Empresarial.
Para realizar essa entrevista exclusiva com João Pedro Nascimento, presidente da CVM, convidamos nomes de destaque do nosso Mercado de Capitais, para formularem perguntas ao novo “xerife” do mercado, incluindo: quatro ex-presidentes da CVM, presidentes e diretores de entidades, conselheiros de administração, executivos e profissionais de relações com investidores. Na sequência, acompanhe a entrevista.
RONNIE NOGUEIRA – diretor editorial da Revista RI: Para iniciar, o senhor poderia nos contar um pouco de sua trajetória profissional até assumir a presidência da Comissão de Valores Mobiliários - em 18/07/2022 - e comentar sobre o plano de gestão estratégico para seu mandato, nos próximos 5 anos?
João Pedro Nascimento: Com relação a trajetória profissional, me preparei por mais de 20 anos para esta oportunidade, tanto sob o ponto de vista teórico quanto sob o aspecto prático. Já que a Copa do Mundo está se aproximando, quero aqui fazer um paralelo com o futebol! Desde as “categorias de base” sonhava em um dia chegar à CVM, que – guardadas as devidas proporções – é para um profissional do Mercado de Capitais o mesmo que chegar à seleção brasileira para um jogador de futebol. Sou advogado por formação, com atuação em Direito Empresarial, notadamente em questões de Direito Societário, Mercado de Capitais e Operações de M&A. No exercício da advocacia, fundei o JPN Advogados e, antes disso, já havia trabalhado em importantes escritórios de advocacia, com reconhecida atuação em questões relacionadas à CVM. Além disso, fui o Gerente Geral Jurídico da holding de um dos maiores grupos societário do Brasil que, à época, contemplava relevantes companhias abertas do nosso Mercado de Capitais. Sou Doutor em Direito Comercial pela USP; Mestre em Direito Comercial pela USP; Pós-Graduado em Direito Empresarial, com concentração em Direito Societário e Mercado de Capitais, pela FGV Direito Rio; e Graduado em Direito pela PUC-Rio. Além disso, fiz cursos livres e de formação complementar no Brasil e no exterior em temas relacionados ao ambiente dos negócios. Sou Professor Titular da FGV Direito Rio, tanto na Graduação quanto na Pós-Graduação, além de ser autor de livros, artigos e publicações em diversas obras coletivas e revistas especializadas.
Sobre Gestão Estratégica, o nosso plano para a CVM tem base em um tripé: financiamento, pessoas e tecnologia. No pilar do financiamento, precisamos remodelar a maneira como a Autarquia financia as suas atividades. Os recursos provenientes da arrecadação das taxas de fiscalização, cobrada dos agentes e participantes do Mercado de Capitais, precisam ficar, no todo ou ao menos uma parte, na CVM. Para além disso, estamos trabalhando em algumas ideias criativas como um Fundo de Endowment para a CVM e estamos repensando os convênios com associações e entidades de classe, a fim de buscar sempre aquilo que é melhor para a CVM. No pilar de pessoas, precisamos, urgentemente, reforçar o nosso pessoal. A CVM precisa de um concurso público, que a Autarquia não tem desde 2010. Para além disso, recebemos de braços abertos servidores federais movimentados de outras casas como BNDES, Banco do Brasil, Caixa e Casa da Moeda. Todos eles são muito importantes, mas só reforçam a necessidade da chegada de servidores de carreira da CVM. Precisamos valorizar o nosso pessoal! Além disso, precisamos cuidar do pilar tecnologia. O mercado está cada vez mais sofisticado, empregando algoritmos e sistemas tecnológicos modernos. Precisamos ser um Regulador Tecnológico, que também emprega sistemas e ferramentas para fazer algumas das atividades dentro do nosso escopo de atuação, como, por exemplo, em fiscalização, supervisão e monitoramento. Isso nos ajudará a executar nossos trabalhos melhor, com mais velocidade e em maior quantidade. É impossível, nos dias de hoje, pensarmos em todas as atribuições do Regulador do Mercado de Capitais: (i) sem pessoas capacitadas para exercer as atividades; (ii) sem recursos financeiros e (iii) sem o uso adequado de ferramentas de tecnologia.
Leonardo Pereira - conselheiro de administração, ex-presidente da CVM: O senhor elencou claramente suas prioridades no seu discurso de posse. Após esses primeiros 90 dias, há algum ponto nessas prioridades que o senhor avalie que merece uma atenção ainda maior?
João Pedro Nascimento: Esses primeiros meses à frente da CVM foram muito positivos. Eu fui acolhido de braços abertos por um corpo técnico altamente capacitado, comprometido e que recebeu positivamente as minhas ideias para o desenvolvimento da Autarquia. Reforcei a minha percepção de que precisamos de um regulador preparado para acompanhar o crescimento do mercado, tanto do ponto de vista de tamanho quanto de complexidade. Quero fomentar o que chamo de Open Capital Markets, que é a transposição das Finanças Descentralizadas (DeFi) também para o Mercado de Capitais. Temos que empoderar o investidor de varejo e, deste modo, democratizar o mercado de capitais. Só que para tirar estas ideias do papel precisamos nos equipar com recursos humanos e tecnológicos. Afinal: “quem não pensa sobre o futuro, resolve o presente com as ferramentas do passado”. Queremos projetar uma visão de CVM para o longo prazo. Estamos trabalhando rumo aos 50 anos da CVM, que serão completados em 7 de dezembro de 2026. A realidade, por mais que se queira financiamento, por mais que se queira tecnologia, é que tudo são pessoas. It’s all about people! Desde antes da minha posse, venho defendendo a necessidade de um Concurso Público na CVM e, mais do que isso, venho brigando pela valorização do nosso pessoal. Precisamos reforçar o nosso corpo de servidores, reposicionar e valorizar o nosso time aqui da CVM. Eles já perceberam que eu vou lutar por eles! Tanto é assim que, na primeira conquista de cargos junto ao Governo Federal, estou priorizando a criação de uma “Superintendência de Pessoas”, que até hoje não existia na CVM. Com mais pessoas e mais tecnologia, seremos capazes de responder ainda melhor as demandas do mercado, que além de terem aumentado substancialmente em volume e quantidade, também se tornaram mais complexas nos últimos anos.
André Vasconcellos - diretor financeiro e RI da Rio Securitização: A desaceleração econômica mundial tem restringido o avanço do mercado de capitais. No contexto brasileiro, qual é o papel da CVM em cenários como este, considerando que um dos seus pilares de atuação é o desenvolvimento de um mercado de capitais que alavanque o crescimento econômico do país?
João Pedro Nascimento: Eu acho que o Brasil tem uma oportunidade ímpar de assumir protagonismo e liderança no Mercado de Capitais no cenário mundial. A desaceleração econômica mundial, associada aos efeitos da guerra na Ucrânia e da remodelagem da ordem mundial pós-Covid trarão oportunidades para o Brasil. Temos um país de proporções continentais, que já usa uma matriz energética limpa e possui a maior vegetação nativa preservada do mundo. Somos vocacionados à liderança em pautas modernas e importantes como as Finanças Sustentáveis, a Agenda Verde, o Mercado de Carbono e a Agenda ESG. De um lado, vários países estão enfrentando dificuldades com o suprimento de grãos e commodities em geral; e, de outro lado, o nosso Brasil pode assumir a posição de reserva alimentar do mundo, com o nosso agronegócio cada vez mais forte. O agronegócio está descobrindo o Mercado de Capitais como uma excelente opção de captação de recursos para desenvolver negócios, por meio de operações estruturadas, securitização, aberturas de capital e outros formatos de atração de capital, que proporcionam taxas e custos de captação mais baratos do que aqueles disponíveis no ambiente tradicional dos empréstimos bancários. Se o mundo está em crise, nós aqui no Brasil temos que nos unir! Somos um povo forte e resiliente, que está acostumado a atravessar adversidades. Precisamos cooperar e remar todos na mesma direção. O que quero demonstrar com essa reflexão? A importância do diálogo e das relações de parceira. A nossa gestão é comunicativa e pautada pelo diálogo aberto, tanto com o Poder Público quanto com a Iniciativa Privada. E isso, em momentos deliciados, como foi a pandemia e como são os contextos de crise em geral, tende a gerar sinergias e oportunidades.
EDUARDO LUCANO – presidente executivo da ABRASCA: Considerando o recente aumento exponencial de pessoas físicas investindo em Bolsa no Brasil, como o senhor avalia a necessidade e a importância de um amplo e permanente programa de educação voltado à criação de uma efetiva Cultura de Investimento em Ações entre investidores individuais? Há algum projeto para simplificar a linguagem/comunicação e a interface da CVM com um público de investidores cada vez maior, mais jovem, mais rápido e ávido por informação?
João Pedro Nascimento: Eu estou presidente da CVM, mas sou advogado por formação e, acima de tudo, sou professor por vocação e por amor! Então, eu não tenho dúvidas ao afirmar que a educação – inclusive a financeira – pode mudar o mundo. E todos nós, regulador, mercado, ofertantes, investidores, precisamos ter isso em mente e precisamos fazer a nossa parte. Do lado da CVM, dentre as nossas diversas ações educacionais, destaco, por exemplo, o convênio firmado com o Ministério da Educação. A parceira leva educação financeira às escolas do ensino fundamental e médio, impactando milhões de famílias e preparando uma nova geração de cidadãos com consciência financeira e maior capacidade de mudar a realidade ao seu redor e colaborar com o desenvolvimento do país. Esse aumento exponencial de pessoas físicas investindo em Bolsa no Brasil é, também, consequência do fortalecimento da indústria de intermediários em nosso país. Com o fortalecimento e multiplicação de corretoras, assessores de investimento e demais integrantes da cadeia de intermediários, o nosso Mercado de Capitais ganhou capilaridade, chega em todos os cantos do Brasil e está disponibilizando oportunidades de investimento para investidores de atacado e de varejo, pessoas jurídicas e/ou pessoas físicas, com diferentes perfis. É neste contexto que a educação financeira e a boa comunicação ganham ainda mais importância. Entendo que os analistas de investimento, a imprensa especializada e até mesmo as Redes Sociais terão um papel importante na formação de uma consciência coletiva de investimentos bem fundamentados. É por isso que a nossa gestão tem valorizado a integração Redes Sociais à atuação da CVM. No mundo atual, esta é uma ferramenta fundamental na comunicação e uma caixa de ressonância muito poderosa. As Redes Sociais são capazes de promover educação financeira e gerar engajamento de todos com o mercado de capitais. E aqui faço um pedido, sigam os perfis oficiais da CVM nas Redes Sociais: @cvmgovbr e @cvmeducacional.
Roberto Teixeira da Costa - economista, primeiro presidente da CVM: Na minha visão histórica da evolução do mercado de capitais, a questão do insider trading continua sendo uma dos pontos centrais para o órgão regulador. A confiança do investidor, seja institucional ou individual, está construída que na compra ou venda de valores mobiliários não podem ser usadas informações que não sejam disponibilizadas em igualdade de condições. Qual sua visão sobre esse tema?
João Pedro Nascimento: O insider trading, as manipulações de mercado e todos os demais crimes contra o Mercado de Capitais, que estão previstos nos artigos 27-C e seguintes da Lei nº 6.385/1976, são desafios constantes à Regulação do Mercado de Capitais. O funcionamento eficiente e adequado do Mercado de Capitais pressupõe um ambiente de relações equilibrado, sem artificialidades e sem manipulações, sem assimetrias informacionais e sem falhas de mercado. Há razões econômicas e éticas que fundamentam a necessidade de preservação deste cenário de equilíbrio, inclusive, mas não apenas, a fim de manter um ambiente de confiança por parte dos investidores, que devem se sentir encorajados a participar do Mercado de Capitais na certeza de que o Poder Público está assegurando termos e condições de igualdade para todos os participantes. A CVM está em constante esforço para prevenir e corrigir situações anormais do mercado. Quando a anormalidade transborda para a esfera criminal, como é o caso do insider trading, há intensa cooperação com órgãos de persecução, como o MPF - Ministério Público Federal e a PF - Polícia Federal, a fim de que tais condutas tenham a repreensão cabível.
Thomas Tosta de Sá - presidente do CODEMEC, ex-presidente da CVM: De que forma é possível melhorar as penalizações da CVM, para que os prejudicados sejam também ressarcidos por seus prejuízos?
João Pedro Nascimento: Esse é um tema importante, que demanda um debate amplo, para além da esfera de atuação da CVM. Afinal, a CVM não tem o poder de determinar a reparação e/ou o ressarcimento por perdas e danos aos participantes de mercado em relação a eventuais prejuízos havidos no Mercado de Capitais. Esta competência fica na esfera do Poder Judiciário e/ou, conforme o caso, da Arbitragem. Se, de um lado, a Autarquia não tem competência para impor ressarcimento de eventuais prejuízos, de outro lado, a CVM tem um papel fundamental no sentido de evitar, repreender e, conforme o caso, punir os atos irregulares e ilícitos que detectar ou receber notícia, nas matérias dentro da sua competência. Atuação sancionadora da CVM é reflexo do seu poder-função de fiscalização; sendo o efetivo exercício do Poder de Polícia em relação ao Mercado de Capitais. Quando cabível, a CVM pode e deve aplicar, isolada ou cumulativamente, todas as sanções e penalidades postas à sua disposição, inclusive multas, advertências; inabilitação para exercício do cargo; suspensão de autorização ou registro para exercício de atividades; inabilitação para exercício de atividades; proibição para prática de atividades ou operações; e proibição de atuar em modalidades de operações no mercado, sempre dentro dos limites da Lei 6.385/1976. O poder punitivo da CVM foi recentemente reforçado com as alterações geradas pela Lei nº 13.506/2017, que ampliou os valores máximos e os parâmetros para aplicação das multas que a CVM poderá aplicar.
MARCELO TRINDADE - advogado, ex-presidente da CVM: O senhor concorda que a atividade sancionadora da CVM não é a melhor forma de a CVM divulgar sua visão sobre assuntos controvertidos? Caso concorde, como pretende tratar do problema?
João Pedro Nascimento: Concordo, sim! As lições de Filosofia do Direito ensinam desde Pitágoras, que é melhor educar os agentes de mercado e, deste modo, espera-se que não será necessário puni-los. A atuação sancionadora da CVM usando o seu Poder de Polícia deve ser um recurso aplicável quando as demais ferramentas de Regulação do Mercado de Capitais não tenham sido capazes de solucionar os problemas e características do caso concreto. Penso que a educação financeira deve ser sempre e constantemente valorizada. Para além dela, antes de fazer uso da ferramenta punitiva, penso que o arsenal de ferramentas da CVM contempla instrumentos muito valiosos e potencialmente eficientes como os Ofícios Circulares, os Pareceres de Orientação e, até mesmo, os Ofícios de Alerta. Acho que a compreensão do mercado a respeito da visão do regulador tem a capacidade de alcançar um campo de destinatários muito mais amplo do que a pura e simples punição decorrente da aplicação sancionadora. O efeito é coletivo e não apenas pontual. Por fim, queria registrar que antes mesmo de chegarmos ao ponto das sanções, devemos sempre exaltar que a atuação da CVM segue o modelo da regulação de conduta, que se fundamenta na constante valorização da transparência e da prestação de informações de forma de ampla e completa aos investidores (full and fair disclosure). A ideia é assegurar o fluxo eficiente de informações para que os investidores possam sempre fazer as suas análises e formular juízo de mérito em relação às oportunidades de investimento e desinvestimento.
André Vasconcellos - diretor financeiro e RI da Rio Securitização: A CVM ao longo dos últimos anos, vem reduzindo os prazos de tramitação dos processos. O que o mercado ainda pode esperar em relação à velocidade das tramitações e à desburocratização destes processos? E, como sua gestão pretende contribuir para a maior interlocução, coordenação e intercâmbio de dados com autorreguladores e demais órgãos (como o MP, a Polícia Federal, o TCU, entre outros)?
João Pedro Nascimento: O mercado pode esperar comprometimento e dedicação de todos os membros do Colegiado da CVM, a fim de buscarmos reduzir os prazos de tramitação dos processos. Ao mesmo tempo, é sempre importante exaltar que tão importante quanto julgar rápido é julgar bem, de forma técnica e correta, dentro de parâmetros científicos, seguindo a tradição histórica da CVM, que desde as muitas gerações de Colegiado da CVM que antecederam a minha chegada é tradicionalmente reconhecida pelo mercado pela alta qualidade de sua atuação sancionadora. Em relação à interlocução, coordenação e intercâmbio de dados com autorreguladores e demais órgãos públicos, nós estamos trabalhando de maneira cooperativa com todos eles. Acredito que os resultados já estão aparecendo e com o passar do tempo vão se multiplicar.
Pedro Melo - diretor geral do IBGC: Desde 2019, quando todas as empresas listadas em bolsa passaram a divulgar os informes anuais sobre o Código Brasileiro de Governança Corporativa - Companhias Abertas, percebemos que o nível de aderência às recomendações do documento só tem crescido. Qual é a percepção que a CVM tem da relevância dos informes e o que pretende fazer para que eles sejam instrumentos efetivos de transparência e aprimoramento da governança?
João Pedro Nascimento: Acredito que as boas práticas são catalisadores positivos, que induzem e formam um círculo virtuoso. Os agentes de mercado começam a valorizar as boas práticas e, deste modo, elas passam a ser utilizadas como mecanismos de geração de valor. O Informe sobre o Código Brasileiro de Governança Corporativa é uma ferramenta que nos permite acompanhar se controles internos e regras de conformidade estão, de fato, sendo assumidos pelas companhias abertas.
Lucy Sousa - presidente da APIMEC Brasil: Como a CVM tem avaliado a qualidade das informações prestadas pelas companhias no Formulário de Referência, sobre os riscos, o monitoramento e controle desses riscos nesta fase de pandemia e guerra? Existe uma vertente no mercado sugerindo que o modelo “pratique ou explique” seja mudado para “explique sempre: se usa, porque usa e se não usa, porque não usa”. Qual a sua visão sobre isso?
João Pedro Nascimento: Eu sou favorável e defensor do princípio do ‘full and fair disclosure’. Sempre. Entendo que essa prática gera ainda mais integridade e eficiência no ambiente de negócios, tornando-o mais seguro e com oportunidade de crescimento e desenvolvimento. Se couberem aperfeiçoamentos ao modelo atual, devemos (o regulador e o mercado) dialogar, avaliar e promover essas melhorias, de maneira não invasiva e/ou burocrática. O objetivo é termos uma regulação prática, objetiva e funcional.
Geraldo Soares - presidente do Conselho do IBRI: Há uma demanda crescente sobre informações ESG, o que aumenta o fornecimento de informações ao mercado. Nesse contexto há um esforço mundial para padronizar essas informações ESG principalmente dos reguladores. Como presidente da CVM, gostaria de saber o que pensa sobre esse assunto e quais são suas perspectivas sobre a evolução dessa demanda ESG por parte da autarquia?
João Pedro Nascimento: A Agenda ESG é tratada como prioridade na CVM. Estamos trabalhando em defesa destas “três letrinhas mágicas”: (i) “E”, que se refere as questões de sustentabilidade ambiental; (i) “S”, que se refere a pauta social; e (iii) o “G”, que cuida dos temas de governança. A Agenda ESG promoveu uma ressignificação de conceitos como a função social da empresa, que deixou de ser visto como uma temática de filantropia, caridade e/ou bondade. Atualmente, estas medidas passaram a representar estratégias de negócio importantes não apenas nas companhias abertas e fundos de investimento, mas também em todo o ambiente de negócios. A adesão aos preceitos da Agenda ESG deve ser enxergada como uma estratégia corporativa, a fim de tornar a empresa mais atrativa a novos investidores, tornar o produto potencialmente mais valioso e capaz de ser objeto de cobranças de valores mais altos e, também, posicionar a empresa como um ambiente socialmente responsável e, consequentemente, mais atraente aos trabalhadores em geral, que estão cada vez mais conscientes da importância desta pauta. Eu gosto de quando a Agenda ESG consegue conjugar a valorização da função social com o esforço de geração de valor, aumento de lucratividade e maximização de atratividades de negócios. Este é um assunto que recebe a atenção da CVM e, especialmente, a valorização dos investidores, emissores, gestores e reguladores ao redor do mundo. Em maio deste ano, a Autarquia publicou o estudo A agenda ASG e o mercado de capitais - Uma análise das iniciativas em andamento, os desafios e oportunidades para futuras reflexões da CVM. Esse conteúdo funciona como um subsídio importante para as nossas reflexões a respeito da transparência de informações ASG divulgadas no mercado de valores mobiliários brasileiro. O material reúne regulamentações internacionais a respeito do tema ASG, além de informações sobre os padrões de divulgação, mandatórios ou voluntários. Em linhas gerais, percebemos que as ações da CVM, até o momento, estão alinhadas às iniciativas observadas no âmbito internacional.
Sonia Consiglio - conselheira, especialista em Sustentabilidade e ESG: A Resolução 59, que amplia o pedido de informações ESG via Formulário de Referência, foi mais um passo importante da CVM na indução desta agenda junto às empresas listadas. No entanto, a medida recebeu críticas porque teria sido tímida. Qual sua avaliação a respeito? O que podemos esperar do seu mandato à frente do regulador brasileiro do mercado de capitais na agenda da sustentabilidade?
João Pedro Nascimento: A CVM deu um passo importante ao solicitar, expressamente, a divulgação de conteúdo ESG no âmbito da Resolução CVM nº 59/2021,que entrará em vigor em janeiro de 2023. A tendência é o aprimoramento da prestação das informações ESG, que chegarão ao mercado de maneira ampla, clara e transparente. O mercado tem se movimentado e colocado a Agenda ESG como prioridade. A percepção de mercado indica que os investidores, certamente, estarão de olho e acompanharão tais divulgações, que tendem a influenciar nas escolhas e decisões de investimento.
EDUARDO LUCANO – presidente executivo da ABRASCA: Num mundo em constante transformação, com tecnologias disruptivas, como Metaverso, criptoativos, blockchain etc, como a CVM está se estruturando para enfrentar esses desafios?
João Pedro Nascimento: Reitero, aqui, o que comentei sobre os três pilares de nosso mandato, em especial, o pilar tecnologia. Em um mercado cada vez mais sofisticado, que emprega algoritmos ou sistemas, nós estamos nos preparando para sermos um regulador mais tecnológico. Isto é fundamental para a execução de nossas funções de forma rápida e com eficiência. A CVM é receptiva às novas tecnologias que contribuem e influenciam positivamente a evolução do mercado de valores mobiliários. A adoção de tecnologias deve ser feita como uma forma de ampliação de horizontes e, não, uma limitação da extensão com que direitos podem ser exercidos. Já nestes primeiros meses do meu mandato, iniciamos projetos que, em médio e longo prazos, tendem a tornar o regulador mais forte, moderno e dinâmico. Quero voltar a falar com vocês sobre este tema daqui a 1 ou 2 anos, pois acredito que os resultados já começarão a aparecer.
Roberto Teixeira da Costa - economista, primeiro presidente da CVM: Como regular criptomoedas - e similares - que não são valores mobiliários. Essa regulação não deveria ser da autoridade monetária?
João Pedro Nascimento: As discussões sobre a regulação dos criptoativos estão ocorrendo em diversos países, com o reconhecimento de que este é um desafio transfronteiriço, que demanda orientações. Aqui no Brasil, nós estamos em posição de vanguarda, com uma atuação colaborativa entre a CVM e o Banco Central. A CVM está atenta à zona de competência da Autarquia e, quando for o momento cabível, trabalhará em uma regulação adequada - naquilo que diz respeito ao mercado de capitais. A CVM publicou o Parecer de Orientação CVM 40/2022, que consolida o entendimento da Autarquia sobre as normas aplicáveis aos criptoativos que forem considerados valores mobiliários. Embora ainda não haja legislação específica sobre o tema, este Parecer de Orientação CVM 40/2022 tem o objetivo de garantir maior previsibilidade e segurança, bem como de fomentar ambiente favorável ao desenvolvimento dos criptoativos, com integridade e com aderência a princípios constitucionais e legais relevantes. Desta forma, a CVM está contribuindo para (i) a proteção do investidor e da poupança popular; (ii) a prevenção e o combate à lavagem de dinheiro, (iii) prevenção e combate à corrupção; (iv) controle à evasão fiscal; e (v) prevenção e combate ao financiamento do terrorismo e/ou proliferação de armas de destruição em massa. O conceito de valor mobiliário tem natureza instrumental e objetiva delimitar o regime mobiliário e, consequentemente, a competência da CVM. Dessa forma, nas hipóteses em que determinado criptoativo é valor mobiliário, os emissores e demais agentes envolvidos estão obrigados a cumprir as regras estabelecidas para o mercado de valores mobiliários e poderão estar sujeitos à regulação da CVM. Ainda que os criptoativos não estejam expressamente incluídos entre os valores mobiliários citados nos incisos do art. 2º da Lei nº 6.385/76, os agentes de mercado devem analisar as características de cada criptoativo com o objetivo de determinar se é valor mobiliário, o que ocorre quando: é a representação digital de algum dos valores mobiliários previstos taxativamente nos incisos I a VIII do art. 2º da Lei nº 6.385/76 e/ou previstos na Lei nº 14.430/2022 (i.e., certificados de recebíveis em geral); ou enquadra-se no conceito aberto de valor mobiliário do inciso IX do art. 2º da Lei nº 6.385/76, na medida em que seja contrato de investimento coletivo.
André Vasconcellos - diretor financeiro e RI da Rio Securitização: Segundo dados recentes, divulgados pela ANBIMA - em parceria com IBPAD, "os influenciadores digitais de investimento atingiram uma audiência estimada em 94,1 milhões de seguidores em junho de 2022", reforçando o papel de relevância que desempenham na difusão da educação financeira e de temas ligados a esse universo no Brasil. Em setembro último, foi divulgado na imprensa que “dezenas de usuários receberam um comunicado da rede social informando que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) havia solicitado os dados dos usuários das contas, no âmbito de uma investigação". Procurada, a autarquia confirmou a ação e disse se tratar de um "trabalho de supervisão temática, no âmbito do Plano de Supervisão Baseada em Risco (SBR), da Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários (SMI), envolvendo atuação de influenciadores digitais nos mercados regulamentados pela autarquia, aprovada recentemente pelo colegiado da CVM". Como a autarquia pretende ampliar a fiscalização nas redes sociais?
João Pedro Nascimento: Essa é uma pauta que vem recebendo a nossa atenção. Obviamente, a CVM não tem a menor intenção de limitar a liberdade de expressão de ninguém. Mas a atuação dos influenciadores digitais não pode adentrar o perímetro de atuação de agentes regulados pela Autarquia, como é o caso dos analistas de investimento. Muitas vezes, observamos que os influenciadores digitais extrapolam esses limites, ou seja, trazem análise e sugestões de investimento, falam o que fizeram em suas respectivas carteiras, apresentam e comparam resultados... Dessa maneira, induzem a comportamentos que, em última análise, podem inclusive promover disfunções no funcionamento do mercado de capitais. Neste tema, merece destaque o Ofício Circular CVM/SIN13/2020, que esclarece a interpretação da área técnica sobre a atuação de pessoas nas redes sociais na suposta oferta de serviços profissionais que dependam de registro na CVM, sejam influencers ou não. Além disso, está previsto na Agenda Regulatória da CVM para este ano, a publicação de um estudo de Análise de Impacto Regulatório (AIR) a respeito do tema influenciadores digitais.
Eliane Lustosa - economista, conselheira de administração: A forma como as instituições lidam com conflito de interesses é tema central para o bom funcionamento do mercado de capitais. De acordo com as boas práticas de Governança Corporativa, em situação de potencial conflito de interesses a parte deve se afastar da decisão, como forma de garantir a lisura do processo. Nesse contexto, como se insere a recente mudança de entendimento do colegiado, que formou maioria em favor do chamado "conflito material"? Mesmo considerando que o voto poderá ser anulado a posteriori, não seria mais condizente com as boas práticas inverter o ônus da prova, ou seja: afastar ex ante o voto do controlador e permitir apenas nos casos em que não se vislumbre favorecimento?
João Pedro Nascimento: Há um julgamento em curso na CVM a respeito do tema, interrompido por pedido de vista de membro do Colegiado, o que me restringe de realizar comentários mais amplos. De todo modo, entendo que há um movimento pendular das decisões da CVM sobre esse assunto, explicado a partir da composição do Colegiado, que é alterada de tempos em tempos. Por essa razão, destaco que um parecer de orientação da CVM seria bem-vindo. O conflito substancial tem suas questões. Porém, na minha opinião, ainda não se concebeu uma forma melhor de resolvê-las do que esse critério.
Leonardo Pereira - conselheiro de administração, ex-presidente da CVM: Na sua visão, o que mais pode ser feito para fortalecer ainda mais a indústria de fundos de investimento no Brasil?
João Pedro Nascimento: Em breve, vamos publicar a nova regra para esta indústria - e justamente com esse objetivo. A reforma da Instrução 555, sobre os fundos de investimento, já estava em curso antes de minha chegada à Autarquia. Agora, estamos aprimorando tudo que é possível. No contexto desta reforma, vejo o tema do Fiagro como um tópico relevante, no sentido de ampliar o acesso e financiamento do agronegócio por meio do mercado de capitais. O mercado de capitais deve servir como instrumento para dar efetividade a importantes pautas do Brasil, como a pauta do Ministério da Agricultura em cooperação com o ministro da Economia e nos temas do financiamento das atividades relacionadas ao agro. É de se esperar que a nova resolução adapte, ainda, a regulamentação às inovações trazidas pela Lei de Liberdade Econômica, a partir de mecanismos usuais de governança e estruturação de fundos de investimento comuns no exterior, aproximando a indústria brasileira mais ainda das melhores práticas internacionais.
Geraldo Soares - presidente do Conselho do IBRI: Nos últimos anos a CVM fez um trabalho significativo relacionado ao custo de observância. Quais as perspectivas de sua presidência em relação a esse tema tão relevante as empresas brasileiras?
João Pedro Nascimento: A cultura da redução de custos de observância regulatória, iniciada na gestão de meu antecessor e alinhada ao decreto 10.139, popularmente conhecido como ‘consolidaço’ e ‘revogaço’, precisa e deve ser aprofundada. A nossa intenção é continuar esse trabalho de desburocratizar e reduzir o custo de observância regulatória para os participantes do mercado de capitais. E aproveito para reiterar a publicação da Resolução CVM 166, que representou a primeira iniciativa de regulamentação do Marco Legal das StartUps. A norma faculta às companhias abertas com receita bruta inferior a R$500 milhões, inclusive as securitizadoras, realizarem as publicações por meio dos sistemas Empresas.NET ou Fundos.NET, que já são utilizados por tais companhias, sem necessidade de taxas ou custos adicionais. A regra apresenta modernização importante, que flexibiliza e desonera as companhias e o ambiente de negócios. Sem dúvidas, trata-se de uma flexibilização que gera redução de custos.
MARCELO TRINDADE - advogado, ex-presidente da CVM: Como assegurar que os recursos arrecadados com a taxa de fiscalização, pagos pelo mercado e, portanto, indiretamente pelos investidores, para financiar as atividades do regulador, fiquem na autarquia, ao invés de serem majoritariamente retidos pelo governo?
João Pedro Nascimento: Esse é um desafio, as conversas estão em curso e dizem respeito à previsibilidade. Vou contextualizar. O valor da arrecadação da CVM com a taxa de fiscalização é maior do que as necessidades orçamentárias da CVM. Ou seja, se a arrecadação da taxa de fiscalização ficasse, inteiramente, com a CVM, a Autarquia não conseguiria utilizar, executar, gastar esses recursos. No entanto, quando falamos de financiamento para a CVM, além do orçamento reduzido, outro relevante problema é a falta de previsibilidade em relação à definição dos recursos disponíveis para a execução das atividades. É importante que a gente consiga prever que determinado montante será destinado ao orçamento da CVM. Assim, conseguiremos nos organizar para, da melhor maneira, aproveitar tais recursos. Nesse sentido, seria importante parcela da taxa de fiscalização viesse diretamente para a CVM, sendo que o saldo restante voltaria para o chamado ‘caixa único da União’. E, do valor que seria destinado à CVM, se, por qualquer motivo, a gente não o utilizasse, também haveria retorno ao ‘caixa único’. Vejo essa proposta – que nunca foi feita nesse formato – como passível de aceitação. E seria muito oportuno que tivéssemos, inclusive, o apoio do mercado neste sentido. Eu, humildemente, aqui, peço o apoio de todos, na certeza de que uma CVM forte é um Mercado de Capitais forte.
RONNIE NOGUEIRA – diretor editorial da Revista RI: Para finalizar, a Lei no. 4.728/65, promulgada em 14 de julho de 1965, marcou o início da disciplina no nosso mercado de capitais. O primeiro objetivo dessa Lei foi o de facilitar o acesso do público a informações sobre os títulos e valores mobiliários distribuídos no mercado e sobre as sociedades que os emitirem. Outro intuito relevante foi o de proteger os investidores contra emissões ilegais ou fraudulentas de títulos e valores mobiliários. Como o senhor avalia a evolução do nosso mercado ao longo desses anos?
João Pedro Nascimento: Amadurecimento, Crescimento. Desenvolvimento. De fato, evolução. Antes da década de 60, a história nos mostra que os brasileiros investiam, principalmente, em imóveis. O cenário mudou com a primeira Lei de Mercado de Capitais e, mais à frente, com a lei 6.385/76, que criou a CVM. Legislações que, em um ambiente com novas características, resultaram na abertura da economia brasileira, no aumento do volume de investidores estrangeiros atuando por aqui, no desenvolvimento de práticas de governança corporativa e muito mais. Estamos agora em um momento de transformações, com a criação de mercados específicos e o surgimento de players diferenciados. Vejo, assim, uma oportunidade para o regulador, de maneira não invasiva, gerar condições de fomento e ainda mais crescimento. Nosso mandado tem uma característica forte: a visão de futuro. Queremos tornar o mercado de capitais mais dinâmico, democrático e tecnológico. A CVM completará 50 anos em 2026 e temos o objetivo de demonstrar ainda mais engajamento e compromisso com o mercado de capitais e a sociedade brasileira.