Cenário Econômico

2023: O ANO DA INCERTEZA

“Na ausência dos fatos, a dúvidase justifica no homem ponderado.” - Allan Kardec
Ingressamos no segundo mês do ano de 2023, depois de um 2022 extremamente complicado. Ainda assim as incertezas no cenário econômico global persistem de forma forte em praticamente todas as economias do mundo. Hoje somos forçados a conviver com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, energia cara notadamente na Europa, com Covid grassando ainda (especialmente na China), questionamentos políticos - em diferentes países - entre direita e esquerda, gerando instabilidade, países e empresas muito endividados, depois de surfarem na onda dos juros baixos ou negativos por anos.

Esta é só uma breve lembrança do que anda acontecendo em todo o mundo e que certamente sinalizam que 2023 será um ano de grande turbulência para países governos e a população em geral.

Faz tempo que as principais economias do mundo não eram obrigadas a conviver com inflações tão elevadas e totalmente fora das metas estabelecidas por governos e bancos centrais. O melhor exemplo disso é a Alemanha que exerce a liderança na União Europeia tendo que conviver com inflação em 2022 de 21,6% (PPI – preços do produtor), ou mesmo os EUA com esse mesmo indicador em 6,2%. Bem diferente das taxas comportadas de anos recentes.

Função disso, bancos centrais que estimavam originalmente que seria uma onda apenas passageira de inflação, decorrente do descompasso entre oferta e demanda provocado pelo Covid, demoraram a elevar a taxa de juros básica, pegando nessa decisão governos, empresas e consumidores com elevado nível de endividamento, o que certamente é um problema a ser resolvido ao longo de 2023 e 2024.

Desnecessário lembrar o que isso ocasiona na cadeia global de suprimentos e produção industrial, na produtividade da mão de obra e no consumo das pessoas, com menor oferta de recursos e mais caro, já que bancos centrais espalhados pelo mundo seguem ampliando os juros e alguns ainda longe de taxas restritivas, como no caso dos EUA e também na zona do euro.

Resultado disso, muitos países deverão passar por períodos de recessão ao longo de 2023. Alguns em recessão técnica de curta duração e outros nem tanto. Basta ver as estimativas do FMI e outros organismos internacionais, mesmo considerando que a China, passado o Ano Novo Lunar, deve ajudar na recuperação com a abertura de sua economia e abandonando o programa de Covid zero.

Será certamente um ano de baixo crescimento do PIB global, juros em alta e inflação ainda bem fora das metas de bancos centrais de países desenvolvidos que giram ao redor de 2,0%. A expansão do PIB global estimada pelo Banco Mundial para o ano de 2023 é de +1,7% e a ONU com 1,9%, possivelmente o terceiro ano seguido de redução do ritmo de crescimento mundial.

Não tenho dúvidas em afirmar que os desafios de governos e bancos centrais estarão centrados em juros, inflação e crescimento; mas também de olho em crises sociais com elevação do desemprego em vários países (a fase é de empresas anunciando demissões expressivas) e ainda uma agenda climática permeando tudo isso.

E como fica o Brasil diante desse quadro? Por aqui, entramos na pandemia já com endividamento alto para um país emergente e atualmente nossa divida bruta ascende a pouco mais de 77% do PIB, com ares de atingir 80%, quando a média de países emergentes esta pouco acima de 65%.

Temos um novo governo eleito e mais a esquerda que o anterior e um Congresso Nacional que vai tomar posse com ares bem mais conservador, o que permite projetar muitas negociações políticas estressantes, que são fundamentais para colocar “a casa em ordem”.

Ao assumir seu terceiro mandato como presidente do Brasil, Lula terá que cumprir alguns compromissos de campanha, quase que 100% relacionados com aumentos dos gastos, num país que tem histórico de ser perdulário, quase sempre compensado por uma teia de impostos que se sobrepõem, e onde não existe mais espaço para ampliação da carga tributária, sem que não haja perda de capacidade para competir.

Então, por aqui, seria fundamental não só fazermos inúmeras reformas de toda ordem (fiscal, e tributária, administrativa, política, social, etc.), mas também cuidar dos desvalidos, com mais de 30 milhões da população na faixa próxima da miséria. E não venham alegar que o desemprego está caindo, pois a qualidade do emprego é muito baixa e com crescimento de empregos sem carteira assinada.

Precisamos de reformas, mas também de organizar as finanças públicas dos entes federativos, principalmente União e Estados depois do desvirtuamento pré-eleitoral. Mas o que temos visto até aqui são tentativas de inflar receitas para acomodar despesas, e não cortes efetivos de despesas, para reduzir o déficit fiscal previsto que pode atingir R$ 300 bilhões em 2023.

O novo ministro da Fazenda Fernando Haddad e o restante da equipe econômica têm suavizado os discursos do presidente Lula, na tentativa de reduzir a insegurança de investidores e empreendedores locais e externos para atração de investimentos. Mas isso também esbarra no enxugamento da liquidez internacional e taxas de juros mais elevadas que vieram para ficar por alguns anos.

Um bom exemplo de eventual ineficiência que deveria ser melhor pesquisada pelo governo pode estar contida nas desonerações vigentes, que em 2022 atingiram R$ 120 bilhões, sobre a arrecadação que atingiu R$ 2,2 trilhões. Certamente aí deve haver espaço para cortes, pois podem não ter gerado eficiência.

Saímos na frente em elevar juros com a Selic indo de 2,0% para 13,75%, mas isso tem suas consequências evidentes sobre a economia como um todo e setores de atividade. Porém, até aqui, todo o discurso do governo é no sentido de elevar gastos, o que pode exigir do Bacen independente elevar juros ainda mais, ou manter a taxa alta por quase todo o ano de 2023.

Como se pode depreender até esse momento, só temos incertezas sobre o futuro e especulações sobre o que possa ser feito pelo novo governo em relação as três variáveis citadas: redução do déficit fiscal, inflação e juros. Dai vai derivar quase tudo, e principalmente a decisão dos investidores num plano mais abrangente.

Se minimamente o governo conseguir controlar o déficit fiscal e estabelecer uma nova âncora fiscal factível e crível, se houver ambiente para cortes de gastos e segurança jurídica para os investidores de mais longo curso; a resposta pode ser bem positiva para retomada dos investimentos e crescimento do PIB em 2023 acima dos 0,70%/0,80% hoje projetados.

A boa noticia que podemos oferecer é que a grande maioria das empresas já está ajustada para o quadro difícil em 2023, a precificação dos ativos já embute isso e, com a maior tranquilidade nos três poderes, o câmbio pode ficar comportado ao longo de todo o ano, enquanto a inflação ainda acima da meta (projetado é ao redor de 6,0%) não exigiria maior esforço de elevar os juros pelo Bacen.

Mas vamos ter que torcer bastante para que essa clarividência atinja em cheio os três poderes de um país acostumado a gastar e gastar mal! Certamente, ao longo dos próximos dois ou três meses (vai demandar alguma paciência de todos) já teremos a dimensão mais real do que pode vir a acontecer!


Alvaro Bandeira
é economista, ex-presidente da Apimec Nacional e prêmio analista.
alvaro.bandeira@terra.com.br


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