No exercício das atividades pro bono, nosso tempo é bem mais que um recurso – é o símbolo do compromisso ético com inúmeras causas apoiadas e seus beneficiários. Devemos refletir sobre a essência do engajamento voluntariado e a excelência na execução de suas atividades. O verdadeiro benefício, tempestivo e duradouro, nasce do encontro entre a integridade, diligência e alta performance.
Muitos dos leitores da Revista RI são fundadores, membros de conselhos e comitês, diretores e voluntários em organizações do terceiro setor. O envolvimento altruísta em atividades pro bono, para as quais oferecemos nossa especialização e doamos nosso tempo, carrega uma essência que transcende a oferta de desinteressada de serviços e nos provoca a refletir sobre nossas prioridades enquanto seres humanos integrais. Inexoravelmente, o compromisso com o voluntariado compete com os preciosos momentos junto à família, amigos, de descanso e lazer, de cuidados com a saúde e mesmo com nossas atividades profissionais. A máxima estoica, memento mori, aconselha a vivermos plenamente cada instante, não havendo lugar para a mediocridade – ser “suficientemente bom” não é realmente bom o suficiente. O tempo é um ativo finito, não renovável, em inevitável extinção, e cujo valor cresce exponencialmente enquanto se torna escasso - nada justifica consumi-lo de maneira ordinária.
Contudo, frequentemente observamos a condescendência com voluntários que performam muito abaixo de suas capacidades. São aqueles que muitas vezes se orgulham em anunciar externamente seus cargos, enquanto internamente entregam, sem aparente vergonha, menos que o seu melhor. Não raro, invocam como atenuante a demanda por outros afazeres ou a natureza não remunerada de suas funções - e contam com a indulgência do meio, incluindo seus pares e líderes.
É fundamental garantir o ajuste entre o escopo das responsabilidades e a disponibilidade de tempo de cada um. Para um determinado conjunto de tarefas, é natural que o quadro de voluntários nas entidades sem fins lucrativos seja maior do que colaboradores nas empresas convencionais. No entanto, uma vez definida a responsabilidade individual, ainda que limitada, a eficácia na execução é condição sine qua non. Os membros dos Conselhos de Administração, Comitês, Diretoria Executiva e demais voluntários devem desempenhar suas funções com maestria, mostrando o mesmo nível de desempenho como se estivessem em postos remunerados.
Brincando com a redundância da oração, recordo aos leitores que a escolha de se voluntariar é uma opção personalíssima. Porém, quando a motivação para tal escolha não rima com o propósito da causa, prevalece a busca por benefícios pessoais secundários. Muitos são os exemplos oportunistas daqueles que, movidos pelo desejo de captar contatos comerciais, expandir sua rede de relacionamentos ou simplesmente aprimorar sua imagem no LinkedIn, não reverberam em suas crenças os valores e princípios das organizações que servem.
Além do desalinhamento entre as convicções individuais e a missão da organização, pode haver conflitos de interesse devido às afiliações ou envolvimentos com outras organizações ou empresas. Ainda, sem uma liderança que assegura uma comunicação eficaz, mesmo os voluntários em cargos estratégicos podem não estar cientes dos reais desafios e necessidades enfrentados, prejudicando sua própria performance e engajamento. Com relação aos voluntários mais próximos da execução do negócio, a falta de treinamento adequado ou uma falta de clareza nas expectativas e responsabilidades pode levar à desmotivação. Por fim, a falta de feedback regular ou reconhecimento por seus esforços pode igualmente contribuir para uma baixa moral e, consequentemente, uma performance aquém da esperada.
A excelência no exercício das atividades pro bono é um pilar que sustenta a transformação social tempestiva e duradoura. Tal compromisso com a excelência é, acima de tudo, reflexo da empatia e comunhão com a causa defendida. O excelente desempenho nas atividades voluntárias beneficia a população diretamente envolvida e pavimenta o caminho para uma mudança social profunda, impactando políticas públicas, incentivando mais profissionais a se juntarem ao movimento e estabelecendo um padrão de atuação que prioriza a dignidade e o respeito pelos beneficiários dos projetos.
As atividades realizadas “para o bem público”, tradução livre de pro bono, são terreno fértil para inovações sociais. O espaço de trabalho voluntário, quando permeado pela paixão, criatividade e dedicação, fomenta uma experimentação vibrante, explorando novas abordagens e soluções para problemas da sociedade. Isto desencadeia não apenas uma assistência imediata e pontual, mas propicia o nascimento de estratégias e métodos que podem reformular o modo como abordamos as questões sociais em uma escala mais ampla.
A participação em atividades pro bono não deve ser percebido como um ato isolado de generosidade, mas sim, como um compromisso ético e moral com a sociedade. A excelência neste contexto não apenas eleva o padrão dos serviços prestados, mas também valida a importância e o impacto do trabalho voluntário, garantindo que ele seja tão influente, inovador e transformador quanto qualquer iniciativa remunerada.
Assim, ao nos despojarmos da aceitação tácita de que o trabalho pro bono possa ser de uma qualidade inferior devido à sua natureza não remunerada, elevamos a nobreza deste ato, afirmamos o seu valor intrínseco e, acima de tudo, honramos aqueles que servimos com dignidade, respeito e profissionalismo exemplar. É na fusão da benevolência com a excelência que o trabalho pro bono encontra o seu verdadeiro significado e potencial de impacto na sociedade. Àqueles que entregam apenas o “suficientemente bom”, cabe empenhar-se para mostrar o seu potencial, ou buscar uma outra organização cuja causa melhor ecoe suas crenças, abrindo espaço para novos voluntários que oxigenarão o quadro da instituição atual.
A gestão eficaz de voluntários em organizações sem fins lucrativos exige uma abordagem cuidadosa, construtiva e empática, especialmente quando se depara com desafios de performance. A chave para resolver tais questões está na comunicação aberta, proporcionando feedbacks construtivos, reavaliando funções, e garantindo treinamento adequado e suporte. Estabelecer expectativas claras, promover a autonomia e revisitar o compromisso dos voluntários são passos cruciais para manter o alinhamento com a missão da organização. Nos casos mais extremos, o desligamento pode ser necessário, mas sempre com dignidade e gratidão. Acima de tudo, cultivar uma cultura de excelência e compromisso é essencial para garantir que todos os envolvidos estejam motivados a dar o melhor de si em prol dos beneficiários das organizações sem fins lucrativos.
Alexandre Oliveira, PhD, CCA
é Conselheiro de Administração da Fundação Patronos, Coordenador do Comitê de Estratégia da LampionsBet, membro da Comissão de Estratégia do IBGC, e CEO da Cebralog Consultoria. Doutor em IA nas Decisões Corporativas (Unicamp), pós-graduado Negócios Digitais (MIT) e em Finanças (Unicamp). Mestre em Supply Chain (Cranfield University) e Especialista em Regulatory Compliance (Penn State).
alexandre@ibpsc.net